Em São Filipe, na ilha do Fogo, João, de 31 anos, admite ao Expresso das Ilhas que nunca votou e que também não o pretende fazer desta vez.
“Não tenho muito interesse em votar, embora saiba que o meu voto pode fazer a diferença. Mas, se todos os jovens forem como eu, sei que não vão votar porque são muitas promessas que não são cumpridas”, explica.
Ainda assim, João reconhece que há políticas públicas direcionadas aos jovens na sua localidade, mas acredita que um maior investimento no desporto poderia mudar o pensamento daqueles que, como ele, já não acreditam na importância do voto.
“Se investissem mais no desporto, o nível de abstenção entre os jovens poderia diminuir, porque a maioria de nós gosta muito de desporto. E, no Fogo, o desporto está em baixa”, considera.
Também residente em São Filipe, Maria, de 19 anos, diz que não vai votar e afirma que não mudará de opinião porque não está recenseada.
“Com certeza, se fosse votar no dia 1, o meu voto teria peso; um voto é suficiente para fazer a diferença. Mesmo assim, não senti a necessidade de recensear-me”, afirma.
A jovem aponta ainda que muitos jovens da sua idade consideram que o voto é algo banal e que não tem nenhum peso na vida deles.
“Por isso, não se preocupam em votar. Vão aos comícios para se divertirem”, ressalva.
Para Maria, um maior foco no desenvolvimento local seria essencial para mudar mentalidades. “Acho que, se se investir de verdade no desenvolvimento local, os jovens vão criando a consciência da importância do voto”, conclui.
Jovens do Maio
No Maio, o Expresso das Ilhas pôde constatar que o desinteresse pela política e a desconfiança nas promessas eleitorais têm dividido os jovens quanto à participação nas eleições autárquicas deste domingo, dia 1.
É o caso de Riana, de 24 anos, residente em Figueira, que é uma das jovens que não pretende votar.
“Durante as campanhas fazem muitas promessas e depois não as cumprem. Sei que o meu voto faria diferença e, sem o meu voto, é menos um para a vitória de alguém”, reconhece.
Riana acredita que a falta de ações concretas voltadas para a juventude favorece a abstenção.
“Deveriam realizar mais actividades que incluam os jovens, criar mais empregos e centros de formação profissional. Pode ser que, a partir de agora, as políticas públicas sejam direcionadas para nós, mas acredito que até agora não pensaram tanto em nós. No Maio, na minha localidade, nada se fez para os jovens até agora”, lamenta.
Na cidade do Porto Inglês, Cheila, de 34 anos, tem outro ponto de vista e garante que estará presente nas urnas.
“Afinal, o meu voto vai decidir o futuro do meu município. Sempre votei e senti que contribuí com algo para a minha ilha de alguma forma”, especifica.
Apesar de achar que contribuiu para a ilha, Cheila admite que as políticas públicas do Maio não são voltadas para os jovens e, desta vez, garante que está mais atenta às propostas das candidaturas.
“Ouvi as propostas de todos os candidatos e é mais do mesmo. Durante a campanha tudo é feito, tudo é dito, mas na vida real não é assim, e todos nós sabemos disso”, queixa-se.
O mais do mesmo, na visão desta jovem, desanima alguns jovens que optam por não ir às urnas. Nesse sentido, Cheila defende que a redução da abstenção passa pelo investimento na juventude.
“Para reduzir a abstenção entre os jovens, poderiam investir em mais formações nas áreas que são úteis para a realidade da ilha, formações que depois proporcionem rendimentos e impeçam os jovens de procurarem uma vida melhor fora. É preciso investir nos jovens”, acredita.
São Miguel
Assim como no Maio, em São Miguel, na ilha de Santiago, as opiniões dos jovens sobre as eleições autárquicas de domingo estão divididas entre a crença no poder do voto e a desilusão com as promessas das campanhas.
Falamos com Neusa dos Santos, de 28 anos, que vê no acto de votar uma oportunidade de contribuir para o futuro da sua localidade.
“Acredito que ao votar estarei a contribuir para a melhoria do meu município, e a esperança é que a pessoa que vencer, especialmente se for em quem votei, traga resultados ainda melhores”, diz.
Neusa lamenta que nem todos os jovens da sua idade tenham a mesma visão e estejam desmotivados. Assim, defende que o investimento em projectos direcionados aos jovens é essencial.
“Além das formações que já estão a ser proporcionadas, penso que precisamos de lugares onde os jovens possam passar o final da tarde, como espaços desportivos e culturais”, acrescenta.
“Para reduzir a abstenção, é preciso incluir os jovens nos projectos. Porque a maioria não se sente incluída nas decisões tomadas e, sendo assim, continua a acreditar que nada está a ser feito. As formações e o desporto, especialmente nas localidades mais isoladas, podem aproximar os jovens da política e afastá-los das portas dos bares, onde passam o tempo quando não têm com o que se ocupar”, sugere.
E os jovens da cidade da Praia?
Na capital do país, os jovens abordados por este jornal reconhecem a importância do voto, mas mostram-se céticos quanto ao impacto real das promessas eleitorais.
Por exemplo, Juary, de 20 anos, decidiu que não vai participar no pleito e afirma que não tem nenhum interesse.
“Sei que será o mesmo de sempre, apesar de saber que o meu voto tem o poder de fazer a diferença”, afirma o jovem, que critica as promessas não cumpridas nos anos anteriores.
“Já ouvi as propostas dos vários candidatos. Algumas são boas, outras são exageradas. Mas a maioria dos jovens está desinteressada na política, e acho que o sistema faz isso de propósito. Se os jovens se interessarem de verdade pela política, os políticos perdem”, opina.
Já Nadiny, de 29 anos, ainda não decidiu se irá votar.
“Estou na dúvida entre ir e não ir. Acho que os jovens votam com o intuito de dar um voto de confiança na mudança, porque muitas vezes as promessas de mudança têm como foco os jovens. Mas, quando o tempo passa e essas promessas não se concretizam, perdemos a confiança e achamos que o nosso voto de nada serve”, precisa.
A jovem reconhece que algumas propostas apresentadas pelos candidatos tocam em pontos sensíveis, como a habitação para jovens casais e famílias que enfrentam dificuldades financeiras.
“A única proposta que me tem feito repensar e decidir votar é a de proporcionar habitação a jovens pais que vivem na casa dos pais por falta de condições. Essa é a realidade de muitos”, indica.
Nadiny defende que uma maior inclusão e participação dos jovens na política seria uma solução para combater a abstenção, uma vez que os problemas seriam observados sob a perspetiva deles.
“A partir daí, podemos voltar a ser prioridade, e então sim, grandes mudanças poderão acontecer”, advoga.
“A abstenção dos jovens deriva da falta de confiança nos partidos tradicionais” – analisa
Segundo o analista político Adilson Valadares, a abstenção dos jovens está ligada a diversos factores, que incluem a falta de confiança nos partidos tradicionais, a ausência de políticas assertivas voltadas para a juventude e um sistema que muitas vezes privilegia a filiação partidária em detrimento do mérito.
“A abstenção dos jovens deriva da falta de confiança nos partidos tradicionais, da falta de cultura política no seio da nossa classe política e dos próprios jovens, e da ausência de políticas assertivas voltadas para esse segmento da sociedade.”
“As políticas para esse segmento também não têm sido atractivas. Como se não bastasse, num país fortemente partidarizado, onde os cargos públicos e as oportunidades de subir na vida estão condicionados pela escolha partidária, aniquilam-se o mérito e a excelência, afastando-se ainda mais os jovens da participação política”, diz.
Valadares refere que estudos académicos realizados em grandes democracias têm demonstrado que os jovens tendem a ver a dinâmica política de forma extremada, apresentando-se como verdadeiros inimigos da classe política tradicional.
Embora ainda não se possa comparar Cabo Verde com esses países, o analista afirma que tem havido sinais de mudança com as recentes manifestações de jovens em diferentes ilhas.
“Os jovens não se reveem na classe política, considerando-a corrupta, pouco transparente e voltada para interesses pessoais”, profere.
Para Valadares, a educação política é uma necessidade premente para reduzir a abstenção, uma vez que pode moldar futuros líderes e cidadãos mais conscientes.
“Os estudos demonstram que os jovens tendem a votar como uma opção individual e não como um dever cívico. Com uma educação voltada para a cultura democrática, poderemos formar uma geração que privilegie a participação política, o pluralismo e a tolerância”, intercede.
Adicionalmente, para atrair os jovens ao processo político, o analista propõe a criação de políticas específicas para a juventude, o combate à corrupção, a promoção do mérito e da transparência, e a adopção de uma cultura democrática no seio dos partidos.
“Os políticos precisam de adoptar estratégias que dialoguem com os jovens na era digital. Isso inclui a utilização eficaz das redes sociais e a presença em programas que combinem entretenimento com informação, mostrando uma faceta mais humana dos líderes”, sugere.
“Os jovens reagem mal à censura nas redes. É essencial responder aos comentários, mesmo aos críticos, de forma moderada e aberta”, aconselha.
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Nas autárquicas de 2020, segundo os dados da Comissão Nacional de Eleições, 17 círculos eleitorais do país registaram índices de abstenção superiores a 30%.
A maior abstenção registou-se no município da Praia (55,6%), onde, dos 86.039 inscritos, apenas 32.228 votaram; desses, 264 foram votos nulos e 679 votos em branco.
O Sal foi o segundo município com maior taxa de abstenção (44,4%), seguido de São Vicente, onde a taxa foi de 43,4%.
Em contrapartida, Santa Catarina do Fogo registou a menor abstenção, com 26,1%.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1200 de 27 de Novembro de 2024.