"Já faz três anos que estamos nesta ‘lengalenga’ de receber alguns meses e parar. A família também não consegue sustentar-nos para sempre", diz uma professora destacada para fora da ilha de origem, que prefere o anonimato.
Colocada como docente, há dois anos, numa zona de grande procura turística, queixa-se de um custo de vida elevado e de atrasos nos pagamentos que estão a provocar dificuldades insustentáveis.
"Neste momento, não tenho nenhuma outra fonte de rendimento. Se não recebo no fim do mês, não tenho dinheiro para pagar as contas. Tudo no Sal é mais caro, desde uma cebola até à renda da casa", relata.
Embora tenha recebido, em Dezembro, todo o montante em dívida acumulado desde Setembro, a incerteza quanto aos meses seguintes permanece, num relato partilhado por outros docentes e denunciado por sindicatos.
"Tive de mudar para uma casa mais barata e reduzir os custos com alimentação. Antes comia mais carne, agora opto por enlatados. Até a minha filha ficou na outra ilha, porque não consigo sustentá-la aqui", lamenta.
A professora teve de abdicar do sonho de oferecer uma bicicleta à filha, no Natal, para poder contrair um empréstimo familiar e viajar para a reencontrar.
"Nem pude levar presentes. É frustrante trabalhar tanto e não conseguir realizar pequenos sonhos. Só pagamos dívidas e nunca avançamos", descreve.
Outro relato de uma professora, na capital, Praia, que também prefere o anonimato, aponta para problemas na cobertura da segurança social, uma falha recorrente.
"Fui ao INPS [Instituto Nacional da Previdência Social] com o orçamento para os meus óculos e disseram-me que, de momento, não tenho cobertura. Sem óculos, não consigo ler, escrever ou sequer dar aulas. É triste pagar descontos exorbitantes e não ter os benefícios quando precisamos", desabafa.
A situação de angústia é partilhada por outra colega, colocada na ilha do Sal.
A docente diz que os atrasos salariais têm afetado a sua saúde mental.
"Fiquei meses sem pagar a renda de casa e só conseguia comprar o básico. Houve dias em que chorei muito e pensei em desistir. Só não entrei em depressão graças ao apoio da minha mãe", conta à Lusa.
Apesar de ter recebido parte do valor acumulado, a professora ainda vive a lidar com dívidas: "Estou a tentar gerir, mas as contas acumulam-se e já sei que o que tenho não será suficiente até ao final do mês", afirma.
O presidente do Sindicato Nacional dos Professores (Sindep), Jorge Cardoso, classifica a situação como alarmante.
“Temos professores que começaram a trabalhar em Setembro e ainda não receberam salários. Além disso, há muitos sem cobertura da previdência social”, sem explicações, denuncia.
“É inaceitável que professores, pilares da educação, tenham de recorrer à solidariedade de colegas para sobreviver", acrescenta.
Segundo o dirigente, as denúncias são constantes, apesar de não ter um número exato, e incluem “relatos de professores que não conseguem adquirir medicamentos, fazer fisioterapia ou comprar lentes, apesar dos descontos aplicados nos seus salários”.
A crise vai além das dificuldades financeiras, afetando também a saúde mental dos docentes.
"São colocados em ilhas que não conhecem, longe das famílias, e vivem em extrema dificuldade. Muitos estão a considerar abandonar a profissão. Isso é gravíssimo para o futuro da nossa educação", alerta.
O Sindicato dos Professores da ilha de Santiago (Siprofis) exigiu explicações ao Governo sobre a "suspensão da cobertura de previdência social”, no que considera ser "uma violação de direitos garantidos por lei", segundo uma nota divulgada na última semana.
A Lusa contactou o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), mas não obteve esclarecimentos.
Entretanto, à margem de um evento público, na quinta-feira, o ministro da Educação, Amadeu Cruz, disse aos jornalistas que a falta de acesso de docentes a coberturas pela segurança social acontece em casos pontuais, que estão a ser resolvidos.
“Temos alguma instabilidade na base de dados dos beneficiários do INPS” que afeta “alguns professores, não tantos”, informou, indicando que estão a ser tomadas medidas para que o problema, que já tem acontecido noutras ocasiões, não se repita.
Referiu também que o atraso no pagamento de vencimentos, pelo menos no arranque de cada ano letivo, é um problema antigo para determinados grupos de professores, que espera ver corrigido com um conjunto de normas que constam do Orçamento do Estado para 2025.