“Até para o governo” é “evidente que a situação não é boa” - Janira Hopffer Almada

PorAndre Amaral,28 jul 2019 10:40

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A presidente do PAICV avalia de forma negativa o último ano de governação de Ulisses Correia e Silva. Para Janira Hopffer Almada o governo ficou muito abaixo das expectativas.

Estamos a terminar mais um ano político. Qual é a situação do país actualmente?

Não é boa. Penso que isso é evidente para todos, até para o governo e para o primeiro-ministro. Por um lado, os compromissos assumidos não estão a ser cumpridos e, por outro lado, não se está a dar esperança de que a situação está a melhorar. E os cabo-verdianos precisam e o país necessita. O governo apresentou-se ao parlamento com um programa em três partes. Um programa de curto prazo, um programa para a legislatura e um programa para a década.

No programa de curto prazo existiam alguns compromissos com os quais o MpD ganhou as eleições. A despartidarização da administração pública, uma nova forma de fazer política e um novo modelo de exercício do poder. Em segundo lugar o aumento do rendimento das famílias, em terceiro a resolução da questão do financiamento das empresas. Em quarto lugar a questão da segurança e em quinto lugar Chã das Caldeiras. Quando nós falamos da nova forma de exercício do poder constatamos que não só a partidarização da administração pública continuou como foi reforçada. Reforçada não só nas direcções superiores do Estado mas também ao nível dos Institutos Públicos, dos serviços públicos, dos fundos públicos e do sector empresarial do Estado. Não há um único caso em que tenha havido uma nomeação antecedida por concurso público e não será de mais recordar que a primeira medida legislativa deste governo foi a revogação dos concursos públicos para os cargos da direcção superior. Por outro lado, nós não podemos deixar de registar o aumento do custo de vida sem que este tenha sido acompanhado por um aumento salarial cuja promessa tinha sido de ser anual. Os Orçamentos de 2016, 2017 e 2018 foram aprovados sem nenhuma actualização salarial. No Orçamento para 2019 o governo, já preparando as eleições, vem aprovar um aumento salarial de 2,2%, ou seja, um montante irrisório apenas para 8% dos funcionários da Administração Pública quando o governo sabe que houve um aumento do custo de vida, porque o custo dos serviços essenciais aumentou, nomeadamente a luz, a água, os combustíveis e o gás, mas também sabe que os bens essenciais tiveram um aumento do seu custo na sequência de dois anos de seca no país. Naturalmente que o financiamento para as empresas não conheceu resolução. Já se chegou ao ponto, algo inédito aliás, de o ministro das Finanças vir dizer que Cabo Verde já tem dinheiro que não acaba quando ninguém vê esse dinheiro. As pessoas não percebem porque não estão a ver as suas vidas a melhorar. É preciso que o ministro das finanças venha dizer para onde está a ser canalizado este dinheiro assim como para onde está a ser canalizado o crescimento de 5% que vem sendo anunciado. Nós temos sempre defendido um crescimento inclusivo porque acreditamos que Cabo Verde, não obstante a grande luta contra a pobreza que fez nos 15 anos de governação do PAICV, ainda tem muita gente afectada pela pobreza. E os relatórios das instituições internacionais já vieram provar que em 2018 havia 13% dos cabo-verdianos a serem afectados pela fome. Isto é grave. É preocupante. Como é que o país está a crescer a 5% quando a taxa de desemprego está nos 12,2% e quando 13% dos cabo-verdianos são afectados pela fome? Aliás, faço questão de repetir, Cabo Verde deve ser o único país do mundo em que a taxa de desemprego diminui e o número de desempregados aumenta. Porque contrariando a promessa dos 45 mil empregos, o que aconteceu foi que este governo destruiu 15 mil empregos em dois anos. Quanto à questão da segurança, do nosso ponto de vista, é das mais preocupantes porque o governo recusa-se a encarar a realidade de frente e quando assim é não se trabalha para a resolução dos problemas. Nós temos fenómenos complexos a criminalidade tornou-se mais complexa atingindo o seu ponto máximo com o desaparecimento de pessoas sem que se consiga saber, mesmo um ano depois, o que terá acontecido. E essa gravidade assume contornos mais profundos quando falamos de crianças. É claro que quando chamamos a atenção para a questão da segurança que, do nosso ponto de vista, não deve ser politizada mas deve ser tratada com responsabilidade o governo responde com o sistema de video-vigilância. O que nós temos assistido, independentemente das estatísticas, é que as pessoas não se sentem seguras. Muito pouca gente sai das suas casas depois das 20h30. Isso é por uma razão. O que se espera de um governo é que, ao invés de nos tentar convencer que nós é que estamos a ver mal e a sentir mal, é que pare, pense, olhe, ausculte e tente melhorar a situação. Chã das Caldeiras penso que é evidente que as medidas emergenciais que o governo e o MpD prometeram não foram implementadas. Passados três anos o primeiro-ministro vai inaugurar uma estrada que foi apelidada por muitos foguenses como caminho vicinal. E é preciso realçar que o PAICV quando deixou a governação deixou fundos de mais de 600 mil contos que a comunidade internacional e muitos cabo-verdianos deram para a reconstrução na sequência da erupção. Mas o mais grave é que a ideia de se criar uma nova centralidade com base num novo assentamento e numa visão projectada e apresentada foi liminarmente arquivada e agora não se sabe o que é que se pretende fazer concretamente com Chã das Caldeiras para além da estrada.

Socialmente foi um ano de manifestações. Houve manifestações um pouco por todo o país. Que sinal é que se tira destas manifestações?

Tenho para mim que ninguém sai da sua casa para se manifestar se não tiver razões de fundo para tal. O que é que cabe a um governo fazer quando há manifestações de insatisfação? É analisar a razão de ser dessas insatisfações que dão origem às manifestações. Detectada a razão é preciso trabalhar para resolver as situações que exigem resolução de modo a responder aos anseios da população, porque é para isso que existe um governo. Para governar, trabalhar, projectar, implementar e executar visões e medidas com o objectivo último de melhorar as condições de vida da população. Se a população está a manifestar-se com esta frequência e em todos os pontos do território nacional é porque a situação não está bem. E não há publicidade, propaganda nem marketing político que consiga convencer uma pessoa que está sem emprego, sem rendimento, que não consegue pagar as propinas dos seus filhos e tem o tecto da sua casa a cair. Por isso mesmo é que a publicidade feita com o dinheiro de todos nós para branquear e maquilhar a imagem desta governação teve de ser suspensa. Porque entre o marketing e a realidade não havia conexão. Um governo que trabalha e está convicto que o seu trabalho está a ter impactos positivos na vida da população não precisa de recorrer ao marketing gastando balúrdios, porque as pessoas sentem os efeitos. Não é preciso ver na televisão que o governo está a fazer, porque as pessoas vêem e acreditam uma vez que sentem a vida a melhorar.

Foi isso que aconteceu este fim-de-semana em São Vicente [inauguração da estrada entre Mindelo e Baía das Gatas]? Foi marketing?

Eu penso que o sinal mais evidente foi a decisão do governo gastar balúrdios em publicidade e ver-se obrigado a meio a suspender a divulgação. Se o governo estivesse convicto que o que estava a fazer era correcto teria mandado suspender? Penso que não. Mas porque é que aquela publicidade originou uma onda de protesto? Porque as pessoas viram que aquilo que estava a ser divulgado não correspondia à verdade. As pessoas sentiram que estavam a ser enganadas com aquela publicidade e não é isso que se espera de um governo. De um governo espera-se responsabilidade, seriedade e verdade. Com esses elementos, os impactos na vida das pessoas acabam por surgir mais cedo ou mais tarde. Mas já se passaram três anos e o mandato é de cinco. Já se aprovaram quatro Orçamentos do Estado. A este governo falta aprovar apenas mais um Orçamento do Estado e as pessoas já viram que quem não fez nestes anos vai ser no último ano que vai fazer tudo? Há obras estruturantes que não conseguem ser edificadas nem implementadas apenas nas vésperas das eleições. Há reformas que o país precisa que mesmo que o governo acelere para tentar convencer os eleitores às vésperas das eleições - e suponho que é isso que o governo esteja a preparar - depois não terão impacto no país. E essa actuação tem impactos negativos no país e em todos nós.

O INE anunciou um crescimento a rondar os 5%. Sente que há um aumento real?

Mais importante do que o governo estar longe da meta que prometeu, porque o governo prometeu um crescimento de 7% ao ano, é o facto de nem o crescimento de 5% - que não corresponde ao que foi prometido - está a ter impacto na vida da população. Nós não estamos a ter um crescimento inclusivo em Cabo Verde. O crescimento que interessa ao país é um crescimento inclusivo. Eu vou dar um exemplo claro: o país estava a crescer a 1% nos rescaldo da pior crise financeira internacional dos últimos 75 anos e nós conseguimos reduzir a taxa de desemprego para os 12,4%. Dizem-nos que o país está a crescer a 5%e a taxa de desemprego é de 12,2%. Como acreditar que estado o país a crescer cinco vezes mais possa haver uma redução de apenas 0,2% na taxa de desemprego e com a destruição de 15 mil empregos? É evidente que não é real e é evidente que as pessoas sentem. Portanto, se o país está a crescer, como tem sido dito, a 5% esse crescimento está a ficar concentrado num pequeníssimo grupo e não está a ser repartido pelo povo de Cabo Verde.

Os números do INE foram revistos...

Foram revistos e trouxeram muitas informações importantes nas contas trimestrais. Desde logo demonstraram que houve um aumento dos gastos públicos em cerca de 20% e demonstraram, também, que houve uma diminuição dos investimentos públicos em cerca de 11%. E isto é grave porquê? Porque temos um aumento da dívida pública em mais 46 milhões e não temos investimentos que correspondam a esse aumento. Estamos a dizer que o país precisa de apoio internacional - fomos pedir apoio internacional para fazer face à seca - e somos um país que não tem feito nenhuma poupança a começar pelo governo. Não é admissível que um país que está a enfrentar o seu segundo ano de seca gaste, em deslocações e estadias, mais de 600 mil contos. Nós não podemos fazer uma política de rico se não o somos. Essa é a verdade que tem de ser dita. Cabo Verde não pode estar a ter um governo que estabelece para si próprio condições de um país rico e para o povo estabeleça condições de país pobre.

Não há uma política consistente de habitação, não há uma melhoria no acesso à saúde, nós temos menos respostas na educação seja a nível de bolsas de estudo seja de subsídios para jovens de famílias carenciadas, nós estamos com sérios problemas por causa do agrupamento escolar que está a causar sérias dificuldades às famílias e a toda a comunidade educativa. Nós temos agricultores e criadores de gado em franca dificuldade. Já se perderam muitas cabeças de gado e muitas culturas. E nós não estamos a conseguir responder a uma parte importante da população que está no mundo rural. Entretanto, temos gastos públicos que do nosso ponto de vista não são e nem poderiam ser prioridade. O grande problema deste governo, para além da falta de visão, é a incapacidade ou a dificuldade de estabelecer prioridades na governação.

Politicamente, na Assembleia Nacional, há a destacar a discussão sobre a regionalização. O que aconteceu?

O que aconteceu foi o que foi exposto. O PAICV tem a sua ideia muito clara, consistente e concreta sobre a regionalização e apresentou a sua proposta nessa perspectiva. Temos de realçar que a nossa perspectiva de regionalização não aconteceu apenas aquando da apresentação do diploma. A nossa plataforma eleitoral falava claramente de uma profunda reforma do Estado. Falava claramente na redução do número de deputados e na redução dos gastos da Administração Pública para libertar recursos para a resolução de problemas básicos da população. Na plataforma eleitoral do PAICV está essa proposta. Apresentamos a nossa proposta dizendo que apoiamos uma regionalização administrativa, mas antecedida por uma ampla e profunda reforma do estado. E mantemos essa posição.

Mas houve ou não negociações entre o governo, o MpD, o PAICV e a UCID?

Obviamente que não. Nem eu enquanto presidente do PAICV tive qualquer reunião, nem com o líder parlamentar houve qualquer negociação depois de o diploma entrar no Parlamento. E mesmo nas reuniões da Comissão Paritária que, salvo o erro, terão sido duas ou três, não foi negociado absolutamente nada. Eu disse na altura e repito: o que aconteceu foi uma grande teatralização montada pela actual maioria para se livrar de um compromisso eleitoral que assumiu particularmente com São Vicente e encontrar um bode expiatório que seria o PAICV. Foi somente isso que aconteceu. Num acto de grande falta de responsabilidade e numa questão que mexe na estrutura do estado e que devia merecer seriedade no tratamento e responsabilidade na negociação.

Quais as perspectivas para o próximo ano?

As perspectivas são, sobretudo, de o PAICV continuar a fazer o seu trabalho com responsabilidade enquanto oposição democrática construtiva mas também apresentar as nossas propostas para a governação. Entendemos que é possível governar melhor o país e nós estaremos a apresentar e a socializar com os cabo-verdianos as nossas propostas nos diversos sectores. Temos ideias muito claras no que respeita ao capital humano, estou a falar concretamente no sistema de educação, no ensino superior, na ciência, na investigação e na inovação. Para os transportes sejam eles aéreos ou marítimos, considerando que somos um país de ilhas e para nós a ligação e a mobilidade são factores de coesão territorial e de desenvolvimento do país. Mas também temos propostas para sectores estratégicos de desenvolvimento, como o agro-negócio, a economia marítima, energias renováveis, na cultura, no turismo. Entendemos que o sector financeiro deve merecer uma atenção especial da nossa parte, porque é preciso adaptá-lo às especificidades do país sem por em causa as regras internacionais, garantindo e reforçando a credibilidade mas ter um sistema que não tenha como destinatário uma economia madura, porque nós não o somos. Portanto, temos de ter um sector financeiro destinado à nossa realidade. A juventude deve merecer também uma atenção especial. Somos um país jovem e essa juventude não pode perder a esperança e tem de acreditar que nas suas mãos o país se tornará desenvolvido. Mas só é possível fazer a juventude acreditar se a juventude fizer parte deste processo. Tem de ser ouvida, tem de ser mobilizada, mas tem de participar com as suas ideias, com as suas propostas, algumas até disruptivas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 921 de 24 de Julho de 2019. 

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Autoria:Andre Amaral,28 jul 2019 10:40

Editado porJorge Montezinho  em  21 abr 2020 23:20

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