2016/2021 marcaram o regresso do MpD ao governo. Que país temos hoje?
Primeiramente deixe-me falar dos indicadores no final de 2019, ou seja, antes da pandemia e quando o actual governo proclamava que o país estava a crescer cinco vezes mais. Nós constatámos que a vida dos cabo-verdianos não melhorou. Não melhorou porque o país não teve um ambiente de segurança e a tranquilidade não reinou, porque as pessoas não tiveram nem mais nem melhor acesso à saúde e tiveram de enfrentar a falta de respostas constantes e até a rutura de medicamentos. Não melhorou porque os agricultores não tiveram o apoio que necessitavam apesar dos três anos de seca consecutiva e porque os pescadores não conseguiram sentir os investimentos para os ajudar a aumentar a captura e melhorar os rendimentos. Os jovens também não conseguiram ter os melhores empregos. Os tais 45 mil empregos dignos que lhes tinham sido prometidos e muito menos aceder à Função Pública por concurso, por mérito e competência. Não melhorou porque a habitação condigna continua a ser uma miragem. Ainda antes da pandemia foram quatro anos de uma governação que não avançou com qualquer reforma. A reforma da administração pública não avançou, a reforma do sistema educativo não foi implementada, a reforma fiscal é inexistente e a reforma eleitoral continua à espera de melhores dias. Além disso devo acrescentar a venda dos TACV por 48 mil contos ainda não recebidos e o estabelecimento de uma concessão dos transportes marítimos, excluindo os armadores nacionais, num processo absolutamente questionável. Temos um país fortemente partidarizado em que não há uma única chefia superior do Estado ou do sector empresarial do Estado que tenha sido nomeada por concurso. Tínhamos, antes da pandemia, um crescimento que não era inclusivo que não se traduzia na melhoria de sectores fundamentais mas também na melhoria da qualidade de vida dos cabo-verdianos.
A campanha começa amanhã, que Cabo Verde quer dar aos residentes no país nos próximos cinco anos?
Um país com mais inclusão, mais justo, mais próspero e um país com oportunidades partilhadas por todos. Um país consciente de que depende em muito do exterior, mas que tem o poder de decidir que país quer construir, que sociedade quer edificar, que desafios quer enfrentar, que oportunidades quer aproveitar. Um Cabo Verde que invista nas pessoas, que tenha coragem de fazer a reforma do Estado para garantir um melhor desempenho, mais eficiência e mais eficácia pensando no cidadão. Um Cabo Verde que avance com um novo modelo de governação e regulação nas tecnologias de informação e comunicação e nas telecomunicações. Um Cabo Verde com mais segurança e com mais justiça. Em que a definição da política de transportes é feita pelo governo por quanto factor de coesão territorial e garantia de mobilidade de pessoas e de cargas. Um país que tenha capacidade de projectar o futuro e preparar esse futuro como visão estratégica. Um Cabo Verde que qualifique o seu turismo para ter um valor agregado e ter um turismo mais competitivo, mais sustentável, mas também com maior impacto líquido na vida dos cabo-verdianos. Um Cabo Verde que invista numa nova agricultura considerando a nossa especificidade, a nossa escassez de chuvas e de solo. Um país que acredite no mar como uma grande oportunidade, que avance com o cluster do mar e das pescas. Um Cabo Verde que invista na economia do conhecimento, apostando fortemente na inovação. Que veja na cultura a nossa maior embaixadora. Um país que conte com a participação de todos para conseguirmos um país melhor.
Que previsões faz para a economia nacional para os próximos anos?
Cabo Verde tem um grande desafio a enfrentar. Sobretudo no futuro próximo. Vai obrigar primeiramente a um programa de relançamento da nossa economia que implicará um forte diálogo com o sector empresarial para conseguirmos definir, em conjunto, as medidas de política em sectores estratégicos e fundamentais. É evidente que aqui o Estado terá de intervir rapidamente junto do sector financeiro, nomeadamente a banca e as instituições de micro-finanças, para efectivar as linhas de crédito que foram anunciadas e que ainda não chegaram a muitos dos destinatários. Mas também é preciso assumir-se como prioridade máxima a vacinação da população [contra a COVID-19]. E aqui a nossa ambição é conseguir vacinar 70% da população até ao mês de Outubro, data em que começa a época alta do turismo. Temos de fazer todos os esforços para tentar salvar a próxima época alta do turismo.
Que papel deve ter o Estado na economia nacional?
Um papel de promotor, em vários sectores, de regulador noutros. Num país arquipelágico e com uma imensa diáspora a política de transportes não pode ser definida por uma empresa privada. Por melhor que ela seja. Deve ser definida pelo governo. Porque o que está em causa não é só uma questão financeira, é uma questão de soberania, de dignidade mas também de coesão territorial, de mobilidade. O Estado tem de assumir o seu papel. Eu penso que a pandemia veio demonstrar o papel e o valor do Estado. E veio demonstrar, também, a relevância das políticas sociais. Nós passamos quase cinco anos a ouvir o actual governo a defender que se acabasse com o Estado, que o Estado tivesse um papel mínimo. O Estado tem de ter um papel suficiente, nem máximo nem mínimo. Tem de intervir naquilo que sejam as suas competências e nas áreas estratégicas e essenciais tem de poder definir a política e garantir a implementação por ou com os parceiros privados.
Em 2016 o actual Primeiro-ministro prometeu a criação de 45 mil postos de trabalho. Há dias disse que não foi possível alcançar esse valor por causa dos três anos de seca e de um ano de pandemia. Cabe ao Estado prometer empregos ou criar condições para que esses empregos surjam?
Primeiro, ainda é preciso recordar que o actual Primeiro-ministro, quando estava na oposição, disse que a avaliação de um governo faz-se com base na sua capacidade de gerar empregos. Penso que ele acabou por demonstrar como é que devemos avaliar a sua governação. Dito isto, eu penso que ao Estado cabe ter uma visão estratégica de desenvolvimento que consolide os sectores estratégicos da economia, o que não aconteceu com a governação do MpD. Não é possível, de facto, garantir-se a geração de empregos com uma política económica errada. E a política económica deste governo foi errada. Não teve uma visão estratégica e foi feita com base em medidas avulsas e numa espécie de política de retalho. Não é possível a criação de empregos num país como o nosso quando o governo não trabalha para qualificar o turismo, quando o governo não investe na agricultura e não aposta nas pescas.
O Estado continua a ser o principal empregador do país. Como mudar esse cenário?
Eu penso que é preciso continuar a trabalhar com base numa agenda estratégica e com uma política económica correcta para se ir alavancando, de facto, os sectores estratégicos para poderem gerar empregos. Na governação do PAICV foram feitos investimentos estruturantes para garantir essas condições de crescimento inclusivo. Toda a política de investimentos no mundo rural tinha a perspectiva de modernizar a agricultura mas também de criar condições para podermos avançar para a pesca industrial e semi-industrial. Toda a política desenvolvida a nível da infraestruturação aeroportuária tinha a perspectiva, e conseguiu, de aumentar o número de turistas. Os sectores que foram alvo de investimento no âmbito da Agenda de Transformação, durante a governação do PAICV, acabaram por dar um forte impulso no crescimento e na geração de empregos. E aqui temos de comparar: o país cresce a 1% em 2015 e a taxa de desemprego era de 12,4%; agora o país cresce a 5% e a taxa de desemprego continua nos 12,4%.
Por causa da seca e também da COVID-19 houve uma parte relativamente significativa da população que caiu na situação de pobreza e o Estado viu-se obrigado a aumentar as prestações sociais. O que teria feito de diferente e o que fará de diferente caso vença as eleições a 18 de Abril?
A pandemia veio demonstrar as fragilidades deste governo. Um governo que fez todo um discurso contra o Estado, que defendeu o Estado mínimo e que esteve contra as políticas sociais, acabou por ver que o Estado é importante e as políticas sociais têm relevância. A pandemia veio pôr a nu a falta de políticas sociais deste governo. Nós sempre valorizamos a área social e investimos fortemente no programa de luta contra a pobreza, porque temos consciência que, apesar dos ganhos alcançados durante a governação do PAICV, ainda temos um número expressivo de pobres em Cabo Verde. O facto é que com esta pandemia passamos a ter novos pobres, pessoas que tinham a sua vida mais ou menos estável ficaram sem emprego e sem rendimentos. O que eu faria? Levaria em consideração que o investimento nas pessoas é fundamental. A saúde, a educação, uma política de solos e habitação são determinantes. Não podemos deixar de pensar que Cabo Verde ainda tem o desafio de continuar a reduzir a pobreza e isso implica políticas sociais. É preciso assumir isso de forma muito clara e frontal. O governo, durante a pandemia, avançou com o programa de apoio às famílias carenciadas por proposta do PAICV, mas é evidente que se nós compararmos os gastos do Estado com o montante que foi canalizado para o programa de apoio, nomeadamente nas cestas básicas, é um montante irrisório. Aqui vê-se também a importância que cada governo dá às políticas sociais e como cada governo vê a parte mais carenciada da população.
Que ideias novas tem o PAICV para convencer o eleitorado a dar uma nova maioria ao seu partido?
A proposta de um Cabo Verde para Todos está estribada numa visão estratégica que, primeiramente, assume a seriedade na política como um valor inegociável, defende a transparência na gestão dos recursos públicos e da coisa pública como algo essencial da qual não prescindiremos em nenhuma situação. Coloca os interesses do país em primeiro lugar e pretende a promoção do bem comum. Eu penso que os cabo-verdianos querem, precisam e merecem um Cabo Verde que seja verdadeiramente para todos.
Sente que tem condições para continuar à frente do PAICV caso o resultado das eleições não lhe seja favorável?
Eu penso que ninguém tem lugar cativo na política. Eu tenho defendido seriamente que na política todos nós temos de ter a perspectiva de cumprir uma missão. Nunca encarei a política como profissão. Sou jurista de formação, advogada de profissão e sempre me senti realizada no exercício da minha profissão. Estou na política para cumprir o meu dever durante o tempo que os militantes do partido assim entenderem. Dito isto, penso que nenhum cargo político é eterno e penso também que nenhum resultado de eleições pode ser ignorado.
Os transportes sejam eles marítimos ou aéreos foram sempre temas polémicos durante este mandato. Monopólio nas ligações inter-ilhas, a Cabo Verde Airlines parada. O que vai mudar se vencer as eleições?
Primeiro queria colocar algumas questões aos cabo-verdianos: Hoje, cinco anos depois, com a solução prometida por este governo, Cabo Verde está melhor a nível dos transportes? Onde estão os 11 Boeings que deveriam chegar a Cabo Verde até Dezembro de 2019? Onde estão os cinco navios novos que foram prometidos na concessão? Quero recordar uma célebre frase dita pelo ministro das Finanças, à data da privatização dos TACV, que o maior ganho da privatização seria de que o Estado de Cabo Verde não colocaria nem mais um tostão nos TACV. A privatização foi feita com acordos que tinham cláusulas de confidencialidade. A companhia era pública, o que pressupõe que não podem haver cláusulas de confidencialidade, porque são recursos públicos. A companhia foi vendida por 48 mil contos e até hoje não foi recebido um tostão desse dinheiro. A companhia foi privatizada em 2018 e o Estado de Cabo Verde já concedeu 13 milhões de contos em avales a uma companhia privada. É evidente que estamos muito pior do que estávamos e não só o governo não cumpriu como está a lesar os interesses do país. Mas mais grave, ninguém sabe onde param os 30% no capital social da Binter Cabo Verde a que o Estado teria direito, segundo as declarações do Primeiro-ministro, como contrapartida de entrega do mercado doméstico em monopólio. Ninguém conhece as contas, e já as pedimos por várias vezes mas não facultam, ninguém sabe se há dividendos. O governo entregou o mercado aéreo doméstico em monopólio. Como se classifica um negócio desses? Até à semana passada não sabíamos se teríamos ligações aéreas internas e não sabemos se teremos ligações internas a partir de 1 de Maio. Como é que um país de ilhas, que depende dessa conexão para a coesão territorial pode estar nessa situação?
Uma última questão. Como veria a entrada de novos partidos na Assembleia Nacional? Estaria disposta a governar em coligação caso não consiga uma maioria absoluta?
Eu estarei sempre disposta e disponível para respeitar a vontade do povo cabo-verdiano, qualquer que seja a situação e colocarei, em todas as circunstâncias, os interesses da nação em primeiro lugar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1009 de 31 de Março de 2021.