Como tem decorrido a campanha até agora?
A campanha tem decorrido de uma forma normal na medida em que os nossos candidatos têm estado a fazer o seu trabalho. Iniciamos no dia 1º de Abril que era uma quinta-feira santa em que nós, por respeito à tradição cabo-verdiana, não saímos no terreno no período da tarde. Na sexta-feira santa, pelas mesmas razões, a UCID não fez o trabalho de campanha e só retomámos as actividades no sábado. As coisas estão a decorrer da forma como planificamos.
Como tem sido até agora a receptibilidade das pessoas à mensagem que a UCID quer passar?
Nos locais onde nós já estivemos e onde eu já estive pessoalmente e pelo feedback que temos recebido dos nossos cabeças de lista nos diversos círculos eleitorais, a mensagem da UCID tem sido extremamente bem-recebida. Isto dá-nos algum alento, na medida em que as pessoas que outrora tinham uma certa dificuldade em entender a mensagem da UCID relativamente ao equilíbrio parlamentar, à luta contra a bipolarização, neste momento, 20 anos depois de termos iniciado esta frente de batalha, estão agora mais pré-disponíveis, estão a mostrar que o país realmente tem perdido muito por causa das maiorias absolutas que segregam os cidadãos cabo-verdianos em função da cor política dos respectivos partidos. Esta mensagem está a ser muito bem-recebida. Portanto, a esperança é que no dia 18 de Abril as coisas serão completamente diferentes.
O que significa concretamente o lema de campanha da UCID, Basta dos Mesmos?
Significa pura e simplesmente o seguinte: dentro de poucos meses Cabo Verde fará 46 anos como país independente e tem 30 anos de democracia. Neste tempo todo apenas dois partidos tiveram responsabilidade de fazer a gestão do Estado cabo-verdiano. Ou seja, desde que tomamos a independência não conseguimos libertar-nos da ditadura da maioria. Nós continuamos numa ditadura da maioria apenas com a única diferença de que durante os primeiros 15 anos tínhamos um regime monopartidário imposto pela Constituição da República e, como tal, cumpria-se aquilo que mandava a Constituição, estando de acordo ou não. A nova Constituição de 1992 diz-nos que o país é democrático, mas o que realmente assistimos é uma ditadura dos partidos que ganham as eleições com maiorias absolutas, segregando os cabo-verdianos em função da cor política e desperdiçando capacidades técnicas e intelectuais também em função da cor política. Daí que o soglan Basta dos Mesmosvai precisamente no sentido de dizer à população cabo-verdiana que nós, a UCID, queremos outros partidos a influenciar de forma directa e objectiva a governação do país e que o partido em si, a UCID, tem condições amplas para gerir o destino do Estado de Cabo Verde e para que não haja nenhum receio relativamente à população cabo-verdiana. Vou dar-lhe um pequeno exemplo. Cheguei agora a São Nicolau [a entrevista foi gravada no início da tarde desta segunda-feira]. Estou no Tarrafal, imagine que as pessoas aqui no Tarrafal têm medo de dar a cara pelo partido, mesmo quando são convidadas para trabalhar. Quer dizer, o medo da ditadura é de tal forma gritante que impede um simples cidadão de conseguir o seu ganha-pão. De modo que temos que romper esta ditadura da maioria e é um imperativo nacional e espero que isso aconteça no dia 18 de Abril.
Li há dias este comentário em relação à sua pessoa: Basta dos Mesmos, mas em casa é o mesmo. O que lhe ocorre responder?
Não, repare uma coisa. Aqui estamos perante duas situações completamente diferentes. Uma coisa é o país, como um mosaico de múltiplas cores, outra coisa é uma organização partidária que tem também cores semelhantes e que os militantes entendem ter o líder. Só para frisar, eu estou como líder da UCID há quatro mandatos: 1997 a 2001 e 2009 até hoje. Em todos estes anos que tenho estado à frente do partido não o tenho feito por vontade própria. Os militantes têm-me eleito, os militantes têm-me indicado. Muitas vezes já tentei fugir, desculpe a expressão, com o rabo à seringa, mas acabam por reter-me e aplicar-me a injecção. Portanto, continuo à frente da UCID, é um partido em que os militantes me têm dado até agora a confiança, o que difere em muito num país, onde os cidadãos são segregados, são colocados à margem por pertenceram ao partido A, B ou C. E é isso que nós queremos –Basta dos Mesmos. Porque se o país estivesse bem, se Cabo Verde tivesse garantido todas as oportunidades que nós tivemos até hoje e muitas delas desperdiçadas, eu pessoalmente, enquanto cidadão, enquanto político, não estaria a fazer política, estaria a exercer a minha profissão que tanto gosto e tanto amo, mas que, por razões que eu quero defender para o meu país, sou obrigado a assumir este compromisso de estar na política como missão para que Cabo Verde continue a ganhar e os cabo-verdianos consigam sentir-se mais cuidados e menos desprotegidos.
Qual é a meta da UCID para estas legislativas?
Duas metas. Temos a meta superior que é vencer as eleições, nós queremos ganhar as eleições e daí o slogan Basta dos Mesmos. Somos opção sim, mas isto vai depender dos cabo-verdianos e das cabo-verdianas se acreditarem e se sentirem que realmente a UCID poderá ser um melhor governo. Nós acreditamos que seremos de longe um melhor governo que o MpD e um melhor governo que o PAICV. Uma segunda meta, mais baixa, é rompermos com a maioria absoluta no parlamento cabo-verdiano. Nós consideramos que a maioria absoluta tem desviado capacidades intelectuais e técnicas neste país, porque aqueles que são de outras cores políticas, quando está o PAICV no poder os quadros que se manifestam favoravelmente ao MpD são encostados todos na prateleira, ou alguns metidos num buraco. O mesmo acontece quando é o MpD que está no poder: os quadros do PAICV são encostados na prateleira ou metidos no mesmo buraco. E aqueles que não se posicionam relativamente ao partido que está no poder também são espezinhados e são colocados à margem. Aqui quem perde, sem sombra de dúvida, não é o MpD ou o PAICV. Aqui quem perde é a nação cabo-verdiana, são os cabo-verdianos de uma forma geral que não tendo toda a competência técnica e intelectual do país ao serviço desse mesmo país, acabam por não conseguir dar o input necessário para o crescimento de Cabo Verde.
Um objectivo mais realista e ao alcance da UCID não seria eleger número suficiente de deputados para formar a almejada bancada parlamentar?
Não, de momento este não é um objectivo para a UCID. Repare, em 2016, quando o MpD ganhou as eleições, uma das propostas que fez foi alterar a Constituição da República para que a UCID com o número de deputados que tinha constituísse uma bancada parlamentar. Ficou pela promessa e ela nunca foi cumprida. A UCID poderia ter feito pressão, poderíamos ter avançado, pois tínhamos um draft já elaborado. Inclusive, eu cheguei a falar com o sr. primeiro-ministro, Dr. Ulisses Correia e Silva, sobre esta questão. Ele na altura disse-me ‘vamos esperar para organizarmos’, porque a partir do momento que se dá a entrada de um projecto de revisão constitucional, nós temos de esperar 60 dias para que o processo avance. Então nós, acreditando que assim seria, fizemos esse compasso de espera, mas a verdade é que isso nunca mais aconteceu. Ter uma bancada parlamentar não é um objectivo em si da UCID. Nós, o que nós queremos é romper com a maioria absoluta e queremos, num patamar superior, vencer as eleições. Nós estamos num país, onde o povo é quem manda, porque se formos depender do MpD e do PAICV nunca mais teremos uma bancada parlamentar. Aqui devo relembrar que já em 2010, por altura da revisão da Constituição, o MpD e o PAICV assinaram um acordo que estabelecia que dois elementos podiam constituir uma bancada parlamentar à semelhança daquilo que acontece em Portugal. Em Portugal, num universo de 230 deputados, um partido que tiver dois deputados tem uma bancada parlamentar. Em Cabo Verde, um partido que tem três deputados, num universo de 72 deputados não consegue formar uma bancada. Isso, como é óbvio, acaba por criar grandes dificuldades no funcionamento do partido no parlamento. Porque não tendo todos os instrumentos, não consegue valer-se de todas as ferramentas que o parlamento tem para nos apoiar. Infelizmente o parlamento cabo-verdiano está formatado para bancadas parlamentares, não está formatado para deputados e daí perdermos grandes oportunidades, inclusive de servirmo-nos de alguns instrumentos que a Constituição permite, mas que desta forma não podemos utilizar.
São Vicente continua a ser o bastião político da UCID, círculo eleitoral pelo qual tem eleito todos os seus deputados até agora. Por que a mensagem da UCID não tem passado em ilhas como Santiago, por exemplo?
Temos de dizer que em Santiago a UCID tem mais de 14 mil cartões de militantes. Sinceramente não sei as razões que levam a mensagem a não passar. Pode ser que seja por falta de um trabalho de base que deveria ter sido feito logo no início e que não se fez. No decurso do processo em que temos estado à frente do partido enquanto deputados, temos feito um trabalho no terreno, mas auguramos que o trabalho que temos feito ao longo destes 10 anos venha dar frutos neste momento. Mas há um outro aspecto: o medo. O medo de as pessoas de se posicionarem relativamente à UCID. Não sendo um partido do arco do poder, as pessoas como têm medo, não dão a cara.
Se o trabalho der frutos, quantos deputados espera a UCID poder eleger em Santiago?
Nós estamos a trabalhar para termos o número de deputados que o eleitorado entender dar-nos. Mas, como temos como meta mínima o rompimento da maioria absoluta e a máxima que é de vencer as eleições, nós gostaríamos de ter um número de deputados suficiente em Santiago para vencer as eleições. Porém, se nós tivermos quatro, cinco, seis ou sete deputados em Santiago Norte e Sul dar-nos-emos por satisfeitos.
O objectivo maior da UCID é vencer as eleições, mas não excluiu a hipótese de o seu partido entrar numa coligação governamental?
Por enquanto, nós não temos essa ambição muito clarificada. Se não conseguirmos vencer as eleições, o nosso principal objectivo é romper a maioria absoluta. Em função do quadro que se estabelecer no parlamento, nós tomaremos as decisões que se impuserem. Uma coisa nós garantimos: a UCID não irá defraudar nenhum eleitor para fazer coligações negativas. Que isso fique bem claro.
No caso de nenhum partido obter maioria absoluta qual a força política que a UCID se sente ideologicamente mais próxima para entrar numa coligação?
Não ponha na minha boca aquilo que não quero dizer. O MpD é mais perto da UCID. Repare que o MpD tem a mesma ideologia que a UCID. A UCID foi fundada oficialmente em 1978, é um partido democrata cristão, é um partido do centro. O MpD que aparece em 1990 é também um partido do centro. O MpD foi buscar a ideologia à UCID e, portanto, há aqui uma semelhança superior entre a UCID e o MpD que tem a mesma ideologia que a UCID. Mas aqui não se trata de uma questão ideológica. A questão que se coloca é das pessoas. Quem são os lideres, que posicionamento têm tido estes líderes? Que posicionamento têm tido estes partidos relativamente à UCID? É isso que conta. Porque ter às vezes semelhança em termos de ideologia política poderá não dizer muita coisa se as pessoas que estiveram à frente desses partidos não tiverem abertura de espírito suficiente para permitir o desenvolvimento de uma sinergia que possa ser aproveitada em prol do país.
A perda de um deputado no círculo eleitoral de São Vicente e também de Santo Antão irá afectar a UCID?
A perda de um deputado em São Vicente e Santo Antão afecta essas ilhas sobremaneira. É por isso que nós temos que pensar rapidamente da regionalização. Porque a continuar neste cenário a possibilidade de se perder mais deputados ao longo dos anos é real. Então, nós temos de pensar na regionalização para podermos travar a perda de eleitos nacionais nestas duas ilhas e nas outras ilhas. Agora, a perda de um deputado poderá afectar a UCID. Mas em São Vicente nós estamos a trabalhar para eleger no mínimo cinco deputados. Esta é a meta: eleger cinco deputados em São Vicente. Quem vai perder deputados? Não será certamente a UCID. O PAICV perderá e o MpD também perderá um ou dois.
Caso não atinja os objectivos da UCID para estas legislativas qual será o seu futuro político?
Estando no parlamento, vou trabalhar para as pessoas do meu país. A UCID terá congresso em 2021 e os militantes do partido decidirão o que fazer comigo: se me vão pendurar uma corda ao pescoço, ou se me vão dar um abraço de alegria e felicitar-me pelo trabalho feito.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1010 de 7 de Abril de 2021.