Da eficácia do discurso à necessidade de mudança

PorNuno Andrade Ferreira,24 abr 2021 6:36

Na noite das eleições, a Rádio Morabeza sentou à volta da mesa uma empresária, um jurista, uma antropóloga e um jornalista. Ao longo de várias horas, o painel discutiu os resultados e procurou antecipar o que por aí vem na vida dos partidos.

O Movimento para a Democracia (MpD) foi mais eficaz na sua comunicação política durante o período eleitoral e isso terá contribuído para a renovação da maioria absoluta. Opinião do painel de comentadores da Rádio Morabeza durante a emissão especial de domingo.

A empresária Lúcia Cardoso considera que prevaleceu a ideia de estabilidade, face à perspectiva de mudança.

“Acho que esta mensagem do MpD ressoou muito forte e tiveram esta estratégia que foi muito inteligente, de jogar pelo seguro, de apelar à estabilidade, a ideia de que é melhor confiar no que já está, ao invés de apostar no desconhecido”, sublinha.

Também o jurista Belarmino Lucas destaca a eficácia da campanha do Movimento para a Democracia, realçando a importância do envolvimento da máquina partidária.

“O MpD terá sido mais eficaz, a que se adiciona o facto de, nestas eleições, não ter tido aquela postura de quase excesso de confiança que se verificou durante as autárquicas. Houve um empenho do partido, dos militantes e simpatizantes”, realça.

Ainda sobre o MpD, o professor universitário e jornalista, João Almeida Medida, aponta os desafios da legislatura.

“O MpD tem um desafio enorme nos próximos anos, assim como teria qualquer um que vencesse as eleições, para encontrar uma nova saída económica, uma nova visão para o turismo, encontrar novos mecanismos para lidar com a pobreza, encontrar respostas uma saúde de qualidade, mais barata e mais justa”, sintetiza.

PAICV

Quanto ao Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), a noite de dia 18 terminou com nova derrota e com um pedido de demissão da sua líder, Janira Hopffer Almada.

A situação interna do partido, as escolhas para as listas e os sucessivos maus resultados eleitorais são razões que, para os comentadores da Rádio Morabeza, justificam a necessidade de se repensar a liderança e a estratégia política.

A antropóloga Celeste Fortes entende que o anúncio da demissão é sinal de coerência.

“Acho que não se vai recandidatar. Olhando para a situação do PAICV, penso que a situação não vem de hoje”, analisa, relembrando todas as quezílias internas à data da primeira eleição de Hopffer Almada, quando sucedeu a José Maria Neves, em 2014.

João Almeida Medina defende que o PAICV falhou nas apostas que fez em determinados círculos, mas concorda que os problemas remontam ao período de transição da anterior para a actual liderança.

“O José Maria Neves preparou-se durante 20 anos para assumir o PAICV e só vem a faze-lo depois de ir ao seu território, Santa Catarina, ganhar as eleições autárquicas, indo logo a seguir disputar a presidência. Consegue os resultados eleitorais na zona de onde é natural, meses depois ganha a presidência do PAICV e, logo a seguir, ganha as Legislativas. A Janira chega ao governo muito nova, sem fazer esse percurso”, valoriza.

Para Belarmino Lucas, a ainda líder está a pensar no futuro do próprio PAICV.

“Naturalmente que o partido é maior que a sua liderança circunstancial. Nas autárquicas terá havido uma espécie de balão de oxigénio, dando a entender que as coisas poderiam alterar-se nestas eleições, mas isso não se verificou. Janira está a tirar as consequências desses resultados”, considera.

UCID

A União Cabo-Verdiana Independente e Democrática conseguiu eleger mais um deputado em São Vicente, para um total de quatro, mas falhou duas metas a que se tinha proposto: formar um grupo parlamentar e evitar uma maioria absoluta.

Perante este cenário, João Almeida Medida conclui que a UCID precisa de ser refundada, com outras pessoas e uma nova abordagem do jogo político.

“A UCID vai conforme o vento e enquanto for isto não vai a lugar nenhum. Ora é esquerda radical, ora é direita liberal, ora é democrata-cristã. Quando assim é, não há confiança, não há liderança”, explica.

Belarmino Lucas acha que é tempo de uma mudança estratégica.

“Se não houver uma mudança estratégica do partido e das suas lideranças, dificilmente conseguirão sair deste ‘gueto’. Depois, há o próprio posicionamento em termos ideológicos, de programa, de filosofia, que às tantas fica-se um bocado na ideia de que há alguma falta de consistência e de coerência”, declara.

Perante os resultados de domingo, e para Lúcia Cardoso, a UCID perdeu “uma oportunidade de ouro” para se afirmar como a ‘terceira via’.

“Perde a oportunidade de ser o partido que, embora pequeno, tem confiança, honestidade e representa o povo, para fiscalizar e para equilibrar o parlamento.

Perde essa chance de forma gritante, porque a liderança está extremamente desgastada, não é nada carismática, tem uma comunicação extremamente agressiva e muito regional”, lamenta.

Depois da eleição de domingo, António Monteiro anunciou que continuará no parlamento por “um a dois anos” e que não pretende continuar a liderar o partido para lá do congresso previsto para este ano. Contudo, deixa o futuro nas mãos dos militantes.

As legislativas de 18 de Abril deram a vitória ao MpD, com maioria absoluta. Depois da distribuição dos mandatos pelo círculo eleitoral da Europa e Resto do Mundo (em falta esta terça-feira), o Movimento para a Democracia deverá assegurar 38 mandatos, contra 30 do PAICV e 4 da UCID.

*com Fretson Rocha

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1012 de 21 de Abril de 2021. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,24 abr 2021 6:36

Editado porFretson Rocha  em  31 jan 2022 23:20

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