É um veterano, mas cada eleição a que concorre será certamente diferente, até pelo contexto em que acontece. Como vê a actual situação do país e do país no mundo?
O país está a passar por dificuldades que são essencialmente devidas ao impacto social e económico, e também sanitário, da COVID-19. É um momento que exige muita união entre os cabo-verdianos e entre as instituições que nos representam, para que possamos ultrapassar as dificuldades que nos são postas pela situação que se vive. Cabo Verde está no mundo sofrendo as consequências que a pandemia está a levar a todo mundo, mas às vezes com reflexos ainda muito mais profundos porque os sectores económicos que, no fundo, ajudavam a economia de Cabo Verde a crescer foram afectados profundamente. Quer o turismo, quer os transportes aéreos, com todas as consequências: ligação às comunidades, mas também a possibilidade de as pessoas entrarem e saírem de Cabo Verde. Tudo isso está a ser posto em causa neste momento, e, portanto, é mais uma razão para trabalharmos numa base de união, e não numa base de de desunião e de conflito.
E neste contexto, quais são as suas motivações para a candidatura?
Eu acho que nunca estive tão preparado como agora para ajudar nesse trabalho, num ambiente de união, de esforços, para ultrapassar as dificuldades grandes que o país atravessa. Portanto, não podia fazer outra coisa se não candidatar-me, para tentar ajudar o país a sair deste deste profundo impacto que a COVID está a ter.
Em concreto, o que a sua candidatura propõe? Que tipo de presidente considera ser necessário?
Um presidente que esteja comprometido em cumprir a Constituição, designadamente em exercer um papel positivo, de um trabalho de conjunto com o Governo para a execução do programa do governo, que foi aprovado pelo parlamento e que é necessário que seja executado na plenitude, para o bem dos cabo-verdianos. O Presidente da República pode, utilizando os seus poderes e a Constituição, ser um apoio, independente, mas importante, para essa execução. Quero ser esse Presidente, que apoia o governo, que trabalha conjuntamente com o Governo e com o parlamento. E exercer uma influência positiva, lá onde seja necessário, quer junto do governo, quer junto do parlamento, mas também junto da sociedade, junto dos parceiros externos, para que o programa seja executado e para que possamos fazer o país avançar tranquilamente.
Ajudou a escrever a Constituição, conhece-a bem. Já estamos em tempo de poder ponderar uma nova revisão, ordinária. O que é que precisava, se calhar, de ser alterado?
Isso é matéria que compete exclusivamente aos deputados. Eu penso que o Presidente da República ou candidato a Presidente deve pôr as suas opiniões pessoais um pouco atrás daquilo que a Constituição diz. O que o Presidente deve fazer é suscitar o debate sobre essa questão da revisão constitucional. Colocar à volta da mesa, e na sociedade, a necessidade de debatermos e de avaliarmos o nosso sistema político, ver como ele tem funcionado ao longo dos tempos e que melhoramentos são necessários. Penso que se deve focar mais nesse aspecto, do que estar a dar a opinião pessoal, porque essa opinião pessoal é irrelevante, muitas vezes. O Presidente da República não pode recursar-se a promulgar a revisão Constitucional aprovada em Parlamento e, então, eu creio que aqui não há um trabalho de influenciação. Há um trabalho de promover o debate sobre essa questão e é isso que eu quero fazer.
Sabemos que onde há mais fragilidades, não é nos direitos políticos, mas nos sociais. Como poderia melhorar a implementação dessa parte social Constituição, que é a que mais afecta os cidadãos, na prática?
Chamando a atenção fortemente para as orientações que decorrem da própria Constituição. A Constituição tem orientações para a generalidade das políticas, que estão prevista no seu texto. Então, é preciso muitas vezes recordar essas orientações e validar, ou, pelo contrário, tentar encontrar outras soluções quando as orientações não estão a ser cumpridas. Essencialmente, é esse papel de influenciar para que a Constituição esteja viva. Portanto, que seja verificada a cada momento, porque as orientações estão aí. É esse o papel que o presidente tem que fazer como “guardião” da Constituição. E mesmo na organização das instituições há orientações que têm de ser cumpridas, em relação à administração, em relação à Justiça... Há objectivos a serem atingidos, que a Constituição refere expressamente e que têm de orientar as políticas que são feitas relativamente a essas próprias instituições. O presidente tem que falar disso, e tem de estar em articulação permanente com o governo, com o parlamento e mesmo com o autogoverno da Justiça, para que as orientações da Constituição sejam efectivamente aplicadas.
Falando da Justiça, como pode um presidente, sem interferir na independência de poderes, trabalhar para a melhorar?
O presidente participa na composição do autogoverno da justiça. O diálogo do presidente não é com cada juiz ou com cada procurador, ou com cada advogado. O diálogo do Presidente tem de ser com o autogoverno da justiça, com os conselhos superiores, no sentido de que esse autogoverno seja capaz de exercer a influência que tem de exercer para que o funcionamento global do sistema judiciário se faça de acordo com a Constituição. A Constituição quer que a Justiça seja uma Justiça independente, mas também seja competente, seja capaz de aplicar a lei, seja capaz, sobretudo, de aplicar a Constituição quando ela exige que seja aplicada. E a Constituição diz que a Justiça tem de ser efectiva. Se não está a ser efectiva, que medidas o autogoverno da Justiça deve tomar para que, de facto, o seja? O Presidente pode ter um diálogo assertivo com o autogoverno, até porque participa da composição desses orgãos. Há o perfil definido pelo próprio Presidente em relação às propostas que tem de fazer: as pessoas que devem ser nomeadas para esse cargo têm de conhecer a Constituição e aplicá-la, exactamente como ela define e quer que seja aplicada. Logo por aí, penso que há algum condicionamento que é possível criar, mas, independentemente disso, na relação que se pode estabelecer com o autogoverno, as preocupações com a Constituição têm de estar permanentemente postas sobre a mesa. Queremos que as coisas funcionem como estão definidas. A Constituição é clara: [Justiça] independente, competente, efectiva e que crie confiança nos cidadãos.
Juventude. Como é que, como presidente, pretende responder aos anseios da juventude?
Outra vez, vamos lá à Constituição. A Constituição diz que, para a Juventude, quer que: se crie uma educação de qualidade; uma qualificação profissional, tenham acesso a um emprego bem renumerado, tenham acesso à habitação condigna, tenham acesso ao lazer. Portanto, as políticas para a Juventude têm que orientar-se por esta finalidade, e o Presidente tem de ser capaz de verificar se, de facto, isso está a acontecer. E mais, creio que vivemos um momento em que o país pode desenvolver-se, acelerar, pela preocupação com novas formas de trabalhar a economia. Temos de trabalhar a economia azul, pelo mar que temos; temos de falar em economia verde, pelas fontes de energias renováveis que temos; temos de falar das novas tecnologias para a economia digital, e temos de ver qual o recurso humano que vai fazer isso. Nós temos esse recurso humano aqui na nossa juventude e nas nossas comunidades. Se esse recurso humano for posto ao serviço destas formas de economia, teremos aí criado um conjunto de oportunidades para os jovens, que permite cumprir a Constituição em relação àquilo que são os compromissos constitucionais para com a Juventude. Portanto, acredito que é possível fazer o país avançar no sentido do desenvolvimento e que esse desenvolvimento seja feito, sobretudo com a participação da juventude, e com o benefício dessa participação a reflectir-se na própria juventude e, através dela, nas famílias. Acredito que é por aí que Cabo Verde avançará. Sei que é isto que está no programa do governo…
Acredita neste programa do governo? Tem falado dele ao longo da entrevista...
Acredito. Porque acredito este é o caminho que devemos traçar, é o caminho que nos leva mais longe. Não podemos rejeitar recursos que são estratégicos no mundo inteiro, e que não estamos a utilizar. Precisamos de fazer com que esses recursos sejam utilizados na busca do desenvolvimento que Cabo Verde merece.
Entretanto, não teme ser visto como muito colado ao MpD (e governo)?
Não. Há união, quero trabalhar junto com o governo, mas de forma independente. Eu sou estruturalmente independente. Desde o momento em que escolhi ir para o curso de direito, porque quis ser independente. E tenho sido sempre independente ao longo da minha vida. Portanto, a circunstância de eu pertencer, de ter pertencido, a esta área político-partidária, não quer dizer que vá ficar na dependência do governo. Tambem não vou ser oposição. Vou-me guiar pela Constituição, com independência de espírito. A independência de espírito permite-nos, efectivamente, relacionar-nos com todos. É isso que eu quero fazer: quero ser a ponte entre os partidos políticos, quero ser a ponte com a sociedade civil, e tenho conseguido fazer isso ao longo da minha vida. Vou ser esse presidente, que alinha com aquilo que o povo escolheu; com aquilo que foi aprovado pela Assembleia. Não posso ser contra um programa que foi aprovado pela Assembleia porque a Constituição diz que o programa do governo é aprovado pela Assembleia Nacional. Neste contexto, o que eu tenho de fazer é apoiar o governo e a assembleia para que esse programa seja executado completamente, acompanhar essa execução de perto, precisamente para que possa intervir, se for necessário. Se há alguma coisa que está a ser feita em contrário à Constituição, eu vou agir para que a Constituição seja respeitada. Da mesma forma que eu não vou ser oposição, não vou ser contra os partidos da oposição, pelo contrário. Vou contar com todos os partidos, conversar, tentar encontrar um ponto de consenso sobretudo nas matérias em que a Constituição exige um consenso alargado. Não tem sido possível fazer isso, mas já foi, no passado, comigo na oposição. Vou utilizar as capacidades que tenho para encontrar os consensos necessários. Nas matérias que dizem respeito ao bem comum dos cabo-verdianos, lá estarei a tentar encontrar o denominador comum, digamos assim, entre os diversos partidos para que as coisas funcionem e avancem num ambiente de união, mas também independência. Por isso é que o meu lema é união e independência. Eu sou absolutamente independente, não vou atrás de ninguem. Aquilo que eu considero que é bom, apoio, mas aquilo com que não estou de acordo, não. E fundamento a minha posição por não estar de acordo, quer com a oposição, quer com o governo. Serei um presidente dos cabo-verdianos, defendendo o interesse dos cabo-verdianos, mas num ambiente de união, e independência.
Como vê o recorde de (7) candidatos nestas presidenciais?
Acho que é a maturidade da democracia cabo-verdiana. Penso que é bom quando as pessoas se interessam pela política e se oferecem para ser candidatos à presidência. O povo terá mais chances de decisão e acredito que escolherá bem. Eu acredito que posso ganhar estas eleições. Penso que sou o candidato que melhor pode garantir esta ideia de união e independência, e esta ideia de guardião da Constituição, vivificação da própria Constituição. Portanto, acredito que a escolha me é favorável, mas creio que é bom que apareçam vários candidatos.
Seja pelo apoio partidário, seja pelo próprio percurso temos só dois “pesos pesados”.
Considero que são todos candidatos iguais. Com experiências diferentes, com histórias diferentes, mas todos estamos em pé de igualdade e é assim que tem que ser. Somos todos cabo-verdianos, vamos concorrer e o povo escolherá.
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Quem é Carlos Alberto Wahnon de Carvalho Veiga
Carlos Alberto Wahnon de Carvalho Veiga, 71 anos, é advogado de formação, e protagonista das primeiras eleições democráticas em Cabo Verde (1991), nas quais foi eleito primeiro-ministro. Co-autor da Constituição da República (1992) renovou o seu mandato como chefe de governo em 1995. Nestas Presidenciais conta com o apoio do MpD e da UCID.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1035 de 29 de Setembro de 2021.