PAICV aceita aumento da dívida interna, mas quer contrapartidas

PorJorge Montezinho,8 dez 2021 9:14

Nem agravamento do IVA, nem subida dos direitos de importação, esta é a linha vermelha para o maior partido da oposição. Em troca, o PAICV aceita um tecto superior para a dívida interna e um saldo primário do orçamento mais flexível. O entendimento político não se afigura fácil e os parceiros internacionais, a começar pelo GAO, já avisaram que a mobilização de receitas domésticas deve ser um pilar fundamental da consolidação da política fiscal. A discussão e votação da Lei que aprova o Orçamento de Estado para 2022 (discussão na especialidade) começa esta quarta-feira.

“Há disponibilidade para aumentar o tecto do limite do endividamento interno, mas somos contra o aumento da carga fiscal neste momento”, disse Julião Varela, deputado e secretário-geral do PAICV, ao Expresso das Ilhas, esta segunda-feira. Na terça, Julião Varela reforçou que tudo está agora nas mãos do governo e do grupo parlamentar do MpD. “Recusaram a constituição de uma comissão paritária para fixar um entendimento. Deste modo as propostas serão debatidas na discussão da lei de meios”.

O PAICV tinha apresentado ao grupo parlamentar do MpD uma proposta para constituir uma comissão paritária, que seria constituída pelo PAICV, MpD, UCID e governo para tentar encontrar uma solução que evitasse a subida dos impostos. O grupo parlamentar do MpD não aceitou a proposta, defendendo antes que as propostas devem ser apresentadas em sede da comissão de finanças e orçamento. Uma troca de argumentos, ainda antes da discussão no Parlamento, que começa já a mostrar que o acordo político entre os partidos não será fácil.

Para o Movimento para a Democracia, as propostas do PAICV deveriam ser apresentadas em sede da comissão especializada para dar tempo ao Governo de as analisar e considerar se as aceita ou não. O líder da bancada parlamentar, João Gomes, sublinhou que as comissões especializadas é que são o local próprio para apresentar essas propostas e que se o PAICV quisesse mesmo que essas sugestões fossem aceites, pelo Governo e pelo MpD, as apresentaria nesse espaço.

“Não basta em cima da hora apresentar uma proposta que pode alterar todo o conteúdo do orçamento, por isso, estando as partes de boa-fé era o local exacto”, disse o deputado do MpD, à margem das jornadas parlamentares que prepararam a discussão que sobe à Assembleia Nacional a partir desta quarta-feira.

O entendimento do PAICV é que essas matérias não devem ser discutidas em sede de comissões, onde normalmente prevalece a lógica partidária. “Preferíamos sentar-nos à mesa com o ministro das Finanças. Neste momento, o governo não aceita esta solução”, explicou João Baptista Pereira, líder parlamentar do PAICV. O partido opta assim por apresentar as propostas que tem para evitar o agravamento fiscal no próximo ano durante a discussão na especialidade.

Estas propostas passam pela eliminação do artigo 48 da Lei de Meios, que prevê o agravamento da taxa do IVA de 15 por cento para 17 por cento, e também pela exclusão do artigo 50 da mesma lei, que trata dos direitos de importação e prevê um aumento na ordem de 5% para mais de dois mil produtos.

Em consequência destes cortes, João Baptista Pereira admite que tem de ser dado ao governo os recursos necessários para equilibrar o orçamento. “O governo prevê recorrer a financiamento interno até 3 por cento para financiar o orçamento, nós propomos que o governo vá até aos 5 por cento. Vamos também propor o aditamento de um artigo na Lei de Meios que visa a suspensão temporária e excepcional das normas que constam do artigo 9 e 14 da Lei de Bases, o que significa que em 2022 o governo fica habilitado a recorrer ao financiamento interno até 5% do PIB e também que o saldo primário global pode ser negativo até 6%. Com isso tiraríamos as condições para haver agravamento fiscal e dávamos recursos ao governo” ”, disse o líder parlamentar do PAICV.

“Penso que o governo terá de ser coerente”, sublinhou João Baptista Pereira. “Temos as declarações do ministro das finanças que só haveria aumento se o PAICV não viabilizasse a Lei do Orçamento. É isso que estamos a dar. Seria muito difícil compreender que o governo, tendo estas opções, opte pelo agravamento fiscal”.

A alteração da Lei de Base do Orçamento

Os números propostos pelo PAICV vêm ao encontro dos que foram apresentados pelo governo. Para o executivo, o objectivo é ter um enquadramento mais ajustado a cenários de crise (como a Pandemia) e que esteja estabelecido num quadro de maior previsibilidade e estabilidade governamental.

“Isto, para permitir que tenhamos um respaldo legal que vigore dentro da normalidade, mas que preveja situações de excepção e de flexibilidade para os casos em que o Governo possa ter que intervir para além dos parâmetros fixados na actual lei”, explicou o governo.

No fundo, pretende-se que nos casos de recessão económica, catástrofes naturais e sanitárias e choques de origem interna ou externa, como de emergência pública e outros – com impacto na redução das receitas e/ou no aumento da despesa – seja permitido que o Défice Orçamental financiado pelos recursos internos possa passar de 3% para 5% (a preço de mercado, e nunca superior aos 5%) e igualmente que o Saldo Corrente Primário possa ser negativo, não ultrapassando o limite dos 6% do PIB.

A mudança da lei exige uma maioria parlamentar reforçada (2/3). Na última semana de Novembro, o parlamento aprovou, na generalidade, a proposta de Orçamento do Estado para 2022, mas apenas com os votos do MpD. Os deputados do PAICV, inviabilizando assim o aumento da dívida interna, pedido pelo governo. Durante o debate, o primeiro-ministrotinha pedido um "sinal" ao PAICV, nomeadamente a abstenção, para que as conversações sobre algumas medidas prosseguissem na especialidade.

Mais tarde, Ulisses Correia e Silva apelidou o voto da oposição como uma “manobra política centrada apenas nas eleições, no voto e no poder. Quando o combate deve ser pela vida, pela economia, pelo emprego e pelo rendimento, porque as pessoas estão a passar mal e sem disponibilizarem recursos ao Estado/Governo para fazer frente a este combate fica mais difícil”.

“O voto contra do PAICV e da UCID significa que não se disponibilizaram para apoiar o País com mais recursos para o combate contra a covid-19 e consideramos de extremamente grave e de falta de vontade política com o combate que apela a todos os cabo-verdianos”, criticou ainda o chefe do governo.

Agora, como referiu o líder da bancada parlamentar do PAICV, o partido está disposto a fazer cedências e espera o mesmo do outro lado. “Sempre dissemos que somos contra alterações para todo o tempo e defendemos uma suspensão pontual para 2022”, disse João Baptista Pereira. “Devemos manter o principio da sustentabilidade das finanças públicas e de gastar apenas o que temos. O ministro das finanças disse que a divida pública era uma bomba atómica e não queremos ser nós a despoletá-la. Se no decurso de 2022, o governo implementar as reformas: a reorganização da administração pública, a recapitalização do BCV, repor os recursos do INPS que foram utilizados no layoff, no próximo ano, faremos uma avaliação para ver como se comportou o governo na redução dos custos de funcionamento do Estado e face a isso veremos se vale a pena manter a suspensão da norma da lei de bases do orçamento ou se podemos regressar às condições normais”.

Uma crise prolongada

O impacto e a persistência da pandemia fizeram retroceder os recentes progressos sociais e económicos alcançados pelo país. O PIB contraiu 14,8% em 2020 (15,7% em termos per capita) - a maior contração de sempre no país e a segunda maior da África Subsaariana - com a paralisação do sector do turismo.

O crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) deverá recuperar gradualmente este ano e em média 6,1% entre 2021 e 2024, estimulado pela retoma progressiva do turismo, dos fluxos de capital e das reformas estruturais. No entanto, as perspetivas permanecem excessivamente incertas. As dúvidas sobre a duração da pandemia, o surgimento de novas variantes do vírus e o ritmo da recuperação global, particularmente na Europa, condicionam as perspetivas económicas. Estes factores poderão adiar ainda mais a retoma do turismo, afectando negativamente a mobilização de receitas, o crescimento económico e contribuindo para o agravamento da situação fiscal e externa em 2022.

Como resultado da crise, em 2020 assistiu-se à reversão da redução do peso da dívida pública. O aumento dos empréstimos externos concessionais e dos empréstimos internos em 2020 aumentou a dívida pública para 155 % do PIB. Apesar do risco de sobre-endividamento ser elevado, a dívida pública foi avaliada como sustentável pela última missão do Grupo de Apoio Orçamental (GAO), que terminou no início deste mês.

No comunicado emitido pelo ministério das finanças no final da missão, é também referido que o GAO tomou boa nota da decisão do Governo de apresentar uma proposta de alívio da dívida aos credores externos, com o objectivo de abrir espaço fiscal para apoiar uma recuperação sustentável e inclusiva. Os parceiros comprometeram-se a apoiar os esforços do Governo para que o financiamento do país seja feito por recurso a empréstimos concessionais em 2022 e nos anos seguintes.

Por outro lado, os parceiros não deixaram de avisar que a “mobilização de receitas domésticas deve ser um pilar fundamental da consolidação da política fiscal”, ao mesmo tempo que encorajaram as autoridades cabo-verdianas a relançar a agenda de reforma do Sector Empresarial do Estado, assim que as condições macroeconómicas o permitam.

O Orçamento de Estado para o próximo ano (OE2022) é considerado uma ponte entre quase dois anos de crise e a retoma económica. Tem um valor total de 73 milhões de contos, uma redução de 2% em relação ao de 2021, e tem como prioridades: a resposta sanitária, a recuperação económica, a inclusão social e a sustentabilidade orçamental.

A educação recebe 11 milhões 400 mil contos, cerca de 15,7% do orçamento total. A protecção social terá 10 milhões de contos, 13,8% do total do orçamento. Segurança e ordem pública fica com 5 milhões 720 mil contos, 7,9% do OE. A saúde recebe quase 8 milhões de contos, 11% do OE. A habitação contabiliza 4 milhões 500 mil contos, 6,2% do OE.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Jorge Montezinho,8 dez 2021 9:14

Editado porAndre Amaral  em  8 set 2022 23:28

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.