Agora é oficial: António Monteiro não vai continuar como presidente da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática. O presidente da terceira força política nacional (segunda em São Vicente) não é candidato a um novo mandato no congresso de Março, colocando o ponto final num longo ciclo de liderança, ininterrupto desde 2009, depois de uma primeira eleição em 1997.
Esta terça-feira, no Mindelo, Monteiro confirmou que está de saída. Acredita deixar um partido “forte”.
“Não serei candidato, porque considero que já dei o meu máximo. Já me sinto até um pouco cansado destas lides e é altura de me afastar. Continuarei a servir o país enquanto deputado, ou noutras responsabilidades que o futuro poderá colocar-me pela frente”, anunciou.
O ainda presidente da UCID, que recusa qualquer associação entre as eleições presidenciais de Outubro – nas quais os democratas-cristãos apoiaram o candidato derrotado, Carlos Veiga – e a não recandidatura, assume por inteiro a responsabilidade do não crescimento eleitoral para lá do seu círculo de origem, São Vicente.
“A culpa é minha e tenho que assumir essa responsabilidade. Eu não consegui. Não consegui, mas deixo um partido forte porque, por exemplo, na primeira vez que participámos numa eleição, em São Vicente, tivemos 400 votos. Hoje, o partido tem mais de 19 mil votos. Portanto, é um partido que cresceu de forma robusta”, analisou durante uma declaração aos jornalistas, na sede nacional, em Monte Sossego.
E agora?
Com o fim de ciclo abre-se o debate sobre a liderança. A 29 de Dezembro, o professor universitário Edson Ribeiro foi o primeiro a posicionar-se na corrida para a sucessão, encabeçando aquilo que expôs como “um projecto de renovação”.
Porém, a empreitada poderá não ser pacífica, já que é o próprio António Monteiro a explicar que Ribeiro “não é militante”, contrariando a informação avançada pelo candidato, que se apresentou com filiado “há sensivelmente um ano”.
Na disputa, o nome de que mais se fala é de João Santos Luís, vice-presidente e braço direito do actual líder – que não esconde o apoio a uma candidatura de aparente continuidade.
“Já no último congresso, pressionei imensamente o João Luís para se candidatar, porque eu não queria candidatar-me. Ele não aceitou. Desta vez, voltei a falar com ele e ele está a analisar. Não posso afirmar se vai ou não, porque ainda ontem [segunda-feira] tivemos uma reunião da comissão permanente e ele não colocou em cima da mesa essa disponibilidade total. Pessoalmente, gostaria que ele se candidatasse”, comentou Monteiro à imprensa.
Até ao fecho desta edição, João Luís não confirmou, nem desmentiu o interesse em ascender ao topo da hierarquia partidária, mas fontes que lhe são próximas dão como certo o “sim” ao repto lançado.
“Projecto esgotado”
Ao debruçar-se sobre os últimos acontecimentos internos na UCID, João Almeida Medina, professor e analista político, considera que a liderança de António Monteiro está esgotada, deixando de ser alternativa ao bipartidarismo.
“Falta à UCID um caminho. Às tantas, não sabemos caracterizar a UCID ideologicamente, desde que António Monteiro começou uma espécie de pragmatismo político, sem uma direcção certa, que prejudicou bastante a alternativa que a UCID poderia criar, por exemplo, em São Vicente, onde tem a sua base eleitoral, mas também projectar o partido para Cabo Verde”, destaca.
Contrário à viabilidade de uma aposta em João Santos Luís, João Almeida sublinha a importância de a UCID eleger um presidente “jovem”, “proactivo” e com “uma visão clara”, preferencialmente mulher, capaz de mobilizar as bases e reorientar o partido de um ponto de vista ideológico.
“A pior notícia que pode acontecer à UCID, aos militantes da UCID e a Cabo Verde é que o João Luís seja candidato, apoiado pela actual direcção. João Luís tem sido o número dois de António Monteiro nos últimos 10 anos, se a memória não me falha. Então, seria o mesmo estilo, a mesma desorientação política, a falta de uma estratégia e tácticas próprias para fazer valer essa alterativa de poder”, antecipa.
O analista realça a oportunidade que o próximo congresso oferece para um reposicionamento da força política, aproximando-a de uma matriz humanista.
“A UCID precisa de um novo discurso, um novo slogan, um novo caminho e uma nova orientação. A UCID precisa refundar-se, na verdade”, conclui.
XVIII congresso ordinário da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática está marcado para os dias 25, 26 e 27 de Março, no Mindelo.
*com Fretson Rocha
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1049 de 5 de Janeiro de 2021.