“Não tive a capacidade para fazer a UCID ganhar outra dimensão”

PorNuno Andrade Ferreira,12 mar 2022 9:11

Presidente da UCID desde 2009, depois de uma primeira passagem pela liderança, anos antes, António Monteiro está prestes a deixar o cargo, no congresso marcado para 25, 26 e 27 de Março. Em jeito de balanço, admite ter falhado no objectivo de afirmar o partido fora do círculo de São Vicente, mas realça o aumento do número de votantes na terceira força política nacional. Sobre o caso Amadeu Oliveira, acredita que o deputado apenas está preso porque criticou o sistema de justiça.

Está mesmo de saída ou teremos um volte-face de última hora?

Estou mesmo de saída. Admito que poderá existir uma ou outra pressão para eu repensar o meu posicionamento, mas considero que já dei a minha parte enquanto líder do partido. Já deveria ter saído no congresso anterior, mas não foi possível. Já é tempo de arrumar as minhas papeladas e permitir que outros militantes possam trazer ao partido uma forma diferente de ver e estar na política.

Continuar na liderança seria mais prejudicial do que benéfico?

Acho que não é por aí. O que eu considero é que, provavelmente, 16 anos é muito. Quando estamos muito tempo numa posição, ocupando um lugar, tendo uma responsabilidade muito acrescida, como é o caso, acabam sempre por acontecer determinadas coisas que podem prejudicar a própria instituição e, neste caso, poderiam prejudicar a UCID.

“Determinadas coisas”, como por exemplo?

A minha forma de actuar, de ver a própria política, de passar a mensagem da UCID. Eu considero que a minha forma de estar na política e na vida podem prejudicar o partido. Sou uma pessoa que, a todo o custo, mesmo em situações extremamente difíceis, procura sempre ter bom senso, ter diplomacia para resolver as questões. Neste momento, esta minha forma de estar poderá não ser muito interessante para as pessoas que querem ver a UCID com maior garra, com uma dinâmica superior e com maior acutilância.

Parece-lhe, então, que a UCID precisa de uma liderança mais combativa e mais capaz de rupturas?

Sem sombra de dúvidas. Considero que a UCID precisa de uma liderança que rompa com o politicamente correcto. Respeitando tudo e todos, mas com maior acutilância.

Para esta explicação que me dá agora, tem algum peso a questão do apoio a Carlos Veiga? Acha que isso pode ter confundido o eleitorado sobre aquilo que era a mensagem da UCID, de uma alternativa política?

Penso que não. A UCID é um partido de inspiração democrata-cristã, um partido do centro-direita e o candidato Carlos Veiga era um candidato, vamos dizer, da direita – muitos consideram-no neoliberal, mas eu entendo que é um candidato da direita. Em termos de semelhanças políticas, de filosofia política, é claro que a UCID estava mais perto deste candidato, do que de qualquer outro. Portanto, acho que a UCID tomou uma boa decisão. Partimos de três pressupostos: estabilidade política, justiça e regionalização. Acreditámos que o candidato que apoiámos estaria em melhores condições de ajudar a colocar em prática estes projectos. O povo entendeu diferente e temos que aceitar. Isto não nos impede de reconhecer que, pelo menos nos 100 dias em que já esteve na presidência, o actual Presidente [José Maria Neves] tem estado bem e tem-se mostrado como um homem de Estado. Queremos que continue assim.

Seis meses antes das presidenciais, nas legislativas, a vossa mensagem era de construção de uma alternativa ao bipartidarismo, mas depois acabam por apoiar alguém que é um dos rostos dessa bipolarização. Isto não pode ter confundido o vosso eleitorado?

Eu admito que isso possa ter acontecido, na medida em que ainda não conseguimos dissociar uma coisa da outra. A verdade é que apoiámos um cidadão que era candidato a Presidente da República. Nas legislativas, quando tivemos o slogan “basta dos mesmos”, dizendo que a UCID era uma opção, estávamos e estamos, ainda hoje, a falar de partidos políticos na Assembleia Nacional. Estávamos a falar de um governo. Uma coisa é dizer que o parlamento precisa de outros actores, precisa de romper com a maioria absoluta. Coisa muito diferente é, perante o cenário que já tínhamos, e perante a perspectiva da UCID relativamente àquilo que queremos para o futuro, podermos ter alguém que nos pudesse ajudar. Admito que algumas pessoas possam não ter entendido a comunicação que eu fiz, enquanto Presidente da UCID. Provavelmente, não fui suficientemente esclarecedor para mostrar aos nossos cidadãos, sobretudo aos nossos eleitores, a diferença enorme entre ser-se o partido que governa o país e ser-se o cidadão que tem como responsabilidade representar toda a Nação.

A UCID conseguiu afirmar-se como segunda força política em São Vicente, mas cresceu pouco noutros círculos e, nas legislativas, ficou sempre aquém da fasquia que colocou a si própria…

Não tenho que arranjar desculpas. Não tive a capacidade para fazer a UCID ganhar uma outra dimensão. É claro que a análise dos números poderá dar alguma satisfação porque, em cada eleição, o partido conseguiu aumentar o seu score em mais de 50%, mas o aumento desse score, infelizmente, não se reflectiu em termos do número de deputados.

Se analisarmos as últimas legislativas, a UCID teve cerca de 20 mil votos, mas só conseguiu eleger quatro deputados, o que significa uma média de cinco mil votos por cada deputado. O PAICV, por exemplo, tem uma média de três mil votos por deputado. Aqui sugere-nos que precisamos repensar a nossa lei eleitoral.

Não estou satisfeito. Considero que os resultados ficaram muito aquém das perspectivas que, pessoalmente, tinha para a UCID, para combater a bipolarização. As pessoas pedem-me responsabilidade e eu não consigo fugir dessa responsabilidade. Mas, infelizmente, também temos de dizer que os partidos que não são do arco do poder, até este momento, têm uma grande dificuldade de fazer valer os seus ideais porque, quer o partido que já esteve no poder [PAICV], quer o que lá está agora [MpD], utilizam esse mesmo poder para condicionar o crescimento de outros partidos. Como estamos num meio pequeno, todos conhecem todos, o Estado é um empregador com muita relevância, vários empresários acabam por ter uma ligação directa aos partidos. Isto mete algum receito na cabeça das pessoas. As pessoas autocensuram-se, não dão a cara, não se abrem para defender outros ideais que poderão ser muito interessantes. Daí eu ter tido grande dificuldade em fazer a UCID crescer em Santiago, Santo Antão e várias outras ilhas, independentemente do esforço pessoal e financeiro.

Creio que não será segredo para ninguém que o António Monteiro quer João Luís como o próximo líder da UCID...

Já o disse isso várias vezes e não tenho receio em repeti-lo. Em 2017, já tinha dito ao Dr. João Luís para se candidatar. Na altura, já achava que eram muitos anos e que teria que dar espaço a outros. Ele não aceitou, disse que ainda não se sentia preparado. Enquanto militante do partido, alguém que já está há 30 anos na UCID, não quero que o trabalho feito até hoje vá por água baixo. Não quero isso.

Em que circunstâncias isso poderia acontecer?

Acho que isso poderá acontecer com qualquer candidato que simplesmente resolva deitar ao chão tudo o que foi feito e procure outro caminho, outro rumo. Isso vai criar-lhe dificuldades. O João Luís é uma pessoa que conhece muito bem o partido por dentro. É completamente diferente de mim na forma como aborda as questões, aquilo que pensa não dá curvas. Eu dou muitas curvas, tenho que admitir. Não sou uma pessoa de muito confronto, porque acho que confrontos não nos levam, muitas vezes, a lugar nenhum, criam-nos é dificuldades. Acho que ele vai aproveitar as partes positivas, saberá contornar as partes negativas e irá ajudar o partido a ter uma maior projecção. Mas caberá aos delegados do congresso decidir. Os militantes que escolham o melhor.

Porque é que afirmou que o outro candidato à liderança, Edson Ribeiro, não é militante? Foi, entretanto, desmentido pelo presidente do conselho de jurisdição. Edson Ribeiro é para si uma ameaça, na linha que está aqui a defender?

Não, não é uma questão de ser ameaça. Devo dizer que conheci o Edson há sensivelmente um ano. Ele participou da lista da UCID na cidade da Praia, em Santiago Sul. Conversámos para analisar a possibilidade de organizarmos Santiago Sul como uma região com maior preponderância na UCID. Depois, tivemos a questão das eleições presidenciais e, nessas eleições, a direcção do partido posicionou-se de um lado e ele posicionou-se noutro lado. O presidente da UCID, estatutariamente, é um órgão unipessoal, com muitos poderes que, a não serem bem utilizados, poderão colocar em risco o próprio partido. Eu considero que, não conhecendo bem o partido, e eu não conhecendo um cidadão que queira candidatar-se à liderança do partido, é meu dever, enquanto líder da UCID, defender o partido. Aquilo que disse, volto a repetir: infelizmente, não é mesmo militante. Independentemente daquilo que qualquer um venha aqui dizer, não é militante, porque não tem cartão de militante.

E porquê?

Porque o cartão não está assinado. Só veio da Praia no mês de Novembro. Portanto, não tem condições para se candidatar. O estatuto da UCID determina que, para se ser candidato à liderança, aos órgãos nacionais, tem que se ter, pelo menos, um ano como militante. Admitindo a hipótese que ele tivesse o cartão, ele não teria hipótese de se candidatar, porque não teria um ano.

Como é que o presidente do conselho de jurisdição diz que ele é militante?

O presidente do conselho de jurisdição não sabe quem é militante e quem não é.

O conselho de jurisdição tem a competência de verificação desses processos…

Deveria pedir a verificação antes de se pronunciar. Verificar a base de dados do partido e não o fez.

Esta questão em torno da candidatura de Edson Ribeiro fez ressurgir um conjunto de críticas que já tínhamos ouvido no último congresso e que até levou à saída da sala de figuras históricas, como Lídio Silva. As vozes dissonantes não têm espaço na UCID?

Não é nada disso. Pelo contrário, não consigo ser uma pessoa que impõe as suas regras. Não consigo impor os meus ideais, porque sou uma pessoa que procura consenso mesmo onde o consenso não é possível.

Não sei se os seus opositores concordam com isso...

Acho que eles concordam, porque conhecem-me muito bem. Acho que têm noção clara de que sou uma pessoa que dificilmente impõe aquilo que acha que deve impor. Costumo é pôr as coisas em cima da mesa e vamos a votação. Em 2009, pedi para alterar o estatuto, para retirar ao presidente do partido a prerrogativa de ser um órgão unipessoal. Na altura, considerava que não valeria a pena termos um presidente com os poderes que o estatuto lhe concedia. Em 2013, voltámos a alterar o estatuto e o presidente mantém-se como órgão, porque considero que ter esta prerrogativa ajuda na gestão do partido.

Esta prerrogativa não ajuda a que, por exemplo, o assunto Edson Ribeiro esteja agora em cima da mesa?

Não, de maneira nenhuma…

Não usou o seu poder de presidente para atrasar a oficialização da inscrição de Edson Ribeiro?

Aqui não há atraso. Como lhe disse, o cartão e a ficha dele vieram da Praia em Novembro. Quando falei com o Edson, falei com ele pessoalmente, disse-lhe “tu queres candidatar-te, não te esqueças que não és militante, porque não me recordo de ter assinado o teu cartão”. Ele disse “tem muito que se lhe diga”, eu disse “não é bem assim”. Temos vários elementos na direcção do partido que não têm cartão. O presidente do conselho nacional não tem cartão de militante, o presidente do conselho de jurisdição não tem cartão, mas são pessoas que estão no partido há muitos anos. Agora, estamos a falar do topo da hierarquia.

Mas se ter o cartão é condição para se ser militante, como é que se ocupam cargos na estrutura do partido sem cumprir essa prerrogativa?

O partido abre-se à sociedade civil e não temos que impor. Ter cartão não é condição para ser realmente militante. Nesta base, abrimos o leque.

Neste caso, não haveria problema na candidatura de Edson Ribeiro...

Uma coisa é entrar para a comissão política, para o conselho de jurisdição, para o conselho nacional. Outra coisa é ser candidato a presidente. A responsabilidade é grande.

O caso Amadeu Oliveira marca uma parte importante deste último ano político e marca o final do seu mandato como líder do partido. O que é que a UCID efectivamente pretende neste processo? Que Amadeu Oliveira seja libertado, que não seja julgado, que seja ilibado das acusações que recaem sobre ele, que regresse ao parlamento?

O que queremos é que se cumpra a lei, que não se arranjem subterfúgios para se tentar vingar de um cidadão que ousou desafiar o poder judicial. Se o Amadeu fosse julgado de forma tranquila por aquilo de que é acusado e o juiz decidisse que deveria ser preso, eu, António Monteiro, não faria rigorosamente nada. O que acontece é que temos um deputado que está preso enquanto deputado, não tem o seu mandato suspenso, numa violação flagrante das leis da República, da Constituição. Por exemplo, eu sou um cirurgião e sou deputado. Faço uma cirurgia, o paciente morre por incúria minha. Serei acusado de crime contra o Estado de Direito? Serei responsabilizado enquanto deputado ou enquanto médico? É na condição de deputado que o Amadeu Oliveira é acusado [de atentado contra o Estado de Direito]. A lei de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos é clara quando diz que só podes ser responsabilizado se tiveres a exercer a função e por causa daquela função. Um crime que só podes cometer porque és deputado ou titular de cargo político. A lei é clara. Por outro lado, temos a própria Constituição, que define quando é que um deputado pode, fora de flagrante delito, ser preso preventivamente.

Aquilo que Amadeu Oliveira disse à comissão permanente, no momento em que se estava a discutir o levantamento da sua imunidade, foi que não se opunha ao levantamento ou que era favorável ao levantamento?

O que Amadeu disse é que qualquer que fosse a decisão tomada, ele assinaria por baixo. Foi afastado da reunião, porque era um assunto em que era visado, e, depois do término, chamaram-no, dando-lhe conhecimento da decisão tomada. Antes da reunião, tinha enviado para a Assembleia Nacional um documento de 140 páginas, defendendo a sua posição e dizendo que não tinha cometido nenhum crime. Provavelmente, 140 páginas, ninguém lê. Entendemos que ele está preso de forma indevida.

No seu entender, Amadeu Oliveira está em prisão preventiva, não porque terá alegadamente apoiado a fuga de um cidadão condenado por homicídio, mas porque tem feito críticas à justiça?

Evidentemente. Está na cadeia só por isso. Amadeu só poderia ir para a cadeia [em prisão preventiva] com o crime que lhe imputaram de atentado contra o Estado de Direito, que dá até oito anos de cadeia. De outra forma, não iria, porque o crime de auxílio à evasão prevê prisão até um ano ou 60 a 150 dias de multa. Um ano não dá prisão preventiva [como medida de coacção].

Portanto, só faria sentido Amadeu Oliveira estar a ser acusado de crime de atentado ao Estado de Direito se, para cometer os factos que lhe são imputados, tivesse usado algum dos benefícios que lhe concede o Estatuto dos Deputados?

Sem dúvida. A acusação não faz sentido, as pessoas têm de saber isso. Eu, enquanto deputado, o Estatuto dos Deputados impede-me de utilizar esse estatuto em questões pessoais, privadas. Agora, como vêm imputar a um cidadão que “fez isso porque é deputado”? A lei é muito clara, ninguém cuidou desta parte e eu falei com toda a gente.

Se Amadeu Oliveira for condenado, acha que a UCID deverá retirar a confiança política ao deputado?

De maneira nenhuma. Temos um cidadão há mais de sete meses preso preventivamente, com as nuances que acabei de dizer…

Mesmo que seja considerado culpado, a UCID manterá a sua posição?

Eu manterei a minha posição. Não sei qual será a posição da próxima direcção.

O que vai fazer na segunda-feira a seguir ao congresso?

Vou continuar como deputado.

À luz do quadro de candidaturas que conhecemos, o próximo presidente da UCID não estará no parlamento. Isso não tirará protagonismo à nova liderança?

João Luís não foi eleito deputado, mas nós os quatro decidimos que, ao invés de fazermos um mandato de cinco anos, faremos um mandato de quatro, para permitir que o quinto deputado entre e, neste caso, o quinto deputado é o João Luís. Mais alguns meses, ele poderá estar no parlamento.

Em que outras frentes poderemos ver o António Monteiro, depois do congresso?

Gostaria imenso de regressar à minha empresa, a Electra. Se não for possível, dedicar-me-ei um pouco mais a questões sociais, procurando ajudar as pessoas da melhor forma possível, tirando este peso de grande responsabilidade que é ser líder da UCID e que tira sono a qualquer um.

Aceitaria um convite para alguma coisa? Alguma empresa pública...

Não, nada disso está no meu horizonte. Quero é meter a mão na massa enquanto profissional, enquanto engenheiro electromecânico, na minha empresa, porque acho que há muita coisa que pode ser melhorada.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1058 de 9 de Março de 2022. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,12 mar 2022 9:11

Editado porAntónio Monteiro  em  27 nov 2022 23:27

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