Diáspora quer ter mais peso nas eleições presidenciais

PorJorge Montezinho,7 mar 2021 9:15

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Para já, pretende-se lançar o debate. Depois, quer-se uma eventual decisão sobre duas questões: a eliminação da quota de um quinto atribuída à contabilização dos votos resultantes da participação da diáspora na eleição do Presidente da República e o pleno reconhecimento do direito à apresentação de candidatura ao cargo de Presidente da República por parte de cidadão cabo-verdiano emigrante, nos mesmos termos em que é reconhecido ao cidadão residente, ainda que portador de uma cidadania do país de acolhimento.

“A Constituição, por vezes, também precisa de ir à oficina, à revisão”, disse o economista João Estêvão, um dos subscritores da petição que tem como título ‘A diáspora cabo-verdiana e as eleições presidenciais’, durante a apresentação do documento à comunicação social.

Os outros dois signatários da petição são Lucas da Cruz, advogado, e Wladimir Brito, constitucionalista e professor, que são, igualmente, dois antigos Presidentes do Congresso dos quadros cabo-verdianos na diáspora.

Segundo o comunicado, já enviado aos órgãos de soberania do Estado: Presidente da Republica, Presidente da Assembleia Nacional, Chefia do Governo e partidos políticos com representação parlamentar, mas que será também enviado aos candidatos que surgirem para as eleições presidenciais, apesar do Congresso de Quadros Cabo-Verdianos na Diáspora se encontrar inactivo há vários anos, não está extinto, e ao organismo continuam a chegar interpelações e sugestões.

Entre essas preocupações, aparece a necessidade de uma participação activa e de exercício de plena cidadania nos destinos do País por parte de quem vive no exterior. No fundo, a diáspora pretende abolir o que considera ser uma perda parcial dos direitos: a regra do 1/5 dos votos e a impossibilidade de se candidatarem a Chefe de Estado cabo-verdiano se tiverem outra nacionalidade.

Os subscritores da petição adiantam que tiveram oportunidade de testar as reivindicações junto de um conjunto de personalidades de reconhecida representatividade da Diáspora e a personalidades residentes, igualmente qualificadas, e, garantem, “com segurança, pode dizer-se, até pela unanimidade das opiniões recolhidas, que estaremos em presença de questões que merecem ser colocadas na ordem do dia das agendas das autoridades políticas competentes”.

“Para as eleições actuais não é possível, como é evidente”, disse Wladimir Brito, durante a apresentação do documento aos jornalistas. “O que estamos a pedir já é o debate. Se começarmos já a debater, até no quadro deste processo eleitoral, os partidos começarão a assumir as respectivas posições sobre essa matéria. E quando houver um novo parlamento, os partidos já falaram sobre isso e a população ficará também a saber o que os partidos pensam sobre essa matéria. Isso é que é importante, porque não somos nós, a diáspora, nem a população interna em geral que vai legislar. Vamos eleger representantes que depois decidirão sobre essa matéria. Mas é bom que os partidos, já no decurso dessa campanha eleitoral, nos digam o que pensam sobre isso, se há viabilidade, se não há, se um partido entende que sim e outro que não, se entende que sim, em que condições, etc. Quando forem para o Parlamento, as pessoas que votarem neste ou naquele partido sabem que estão a votar nesta ou naquela ideia sobre essa matéria”, explicou o constitucionalista.

Quanto à receptividade dos partidos à ideia, segundo Wladimir Brito, é isso que querem conhecer. “A diáspora quer saber o que pensam sobre isto, neste momento. Porque o que se pensava quando se fez a Constituição já se sabe. O que pretendemos é: criar as condições para um debate, aberto franco, livre, sobre essa matéria, ficar a saber o que pensam os partidos sobre essa matéria, ficar a saber o que os candidatos a Presidente da República pensam sobre essa matéria, a partir daí, o debate na sociedade civil, interna e externa, o parlamento tomará a sua decisão ou a própria sociedade civil poderá adoptar meios que levem a aceitar, ou não, essa alteração”.

Já sobre o que pensava o legislador na altura, em 1992, o constitucionalista sublinha que, devido à quantidade de cidadãos cabo-verdianos que viviam no estrangeiro, talvez houvesse o receio que os cabo-verdianos de fora viessem a decidir mandar dentro do país. Mas agora, a ideia é “discutir este problema e perceber quais os condicionalismos que o legislador interno vai entender, a partir da discussão, de modo a colocar um justo equilíbrio entre todos os cabo-verdianos e o respeito pela ideia um homem, um voto, sem que isso ponha em causa qualquer governabilidade do país”.

Na petição, os subscritores dizem acreditar que quase 50 anos depois da criação do Estado de Cabo Verde independente e 30 anos após a implantação do regime democrático, “se acha instalado no nosso País um ambiente firmado de cidadania responsável, capaz de enfrentar esse questionamento com serenidade”.

“Quanto à Diáspora”, lê-se ainda, “que tão amplamente tem contribuído para a afirmação de Cabo Verde como País democrático e respeitado por todo o mundo onde se dispersa, ela considera que é tempo de ser libertada desse estatuto de aparente ‘menoridade’ política consubstanciada naquelas duas limitações”.

“O debate está lançado”, conclui Wladimir Brito, “esperemos que haja boas discussões, interna e externamente”.


3  questões a Wladimir Brito

Se esta discussão não tiver os resultados esperados, e sabendo que a diáspora vota pouco, corre-se o risco de votar ainda menos?

Pessoalmente, penso que não. Há aqui uma questão que foi levantada e que é levantada há muitos anos que é a redução a 1/5 dos votos. É até a questão mais antiga que nos tem sido levantada. Entretanto, a diáspora tem mantido o seu posicionamento em matéria de participação do acto eleitoral. Agora, levanta-se uma segunda questão, a participação à presidência, é uma questão nova, vai ser discutida e não sei qual será a reacção da diáspora no caso de se entender que se deve manter a norma constitucional como está. Pode ter uma reacção de não participação, de participar menos, ou até de participar mais. O que é importante, internamente, é o seguinte: quais são as consequências de manter isto como está? Quais são as consequências, para a democracia, de fazer alterações? E saber qual é a relação que se deve estabelecer, nessa matéria, com a diáspora, de modo a que a democracia se aprofunde em Cabo Verde? Porque quantas mais pessoas participarem nas eleições e votarem, quanto melhor soubermos que o voto de cada um de nós é igual, quer se esteja dentro quer fora do país, é relevante para o encontro das duas parcelas da nação cabo-verdiana.

Falou em consequências para a democracia. Está a falar de que consequências?

Menor participação, desinteresse. Mas não me parece que daí vá resultar tudo isto. É um problema que se arrasta há algum tempo e a participação, que eu tenha notícia, não diminuiu. A consequência para a democracia é que pode incentivar um maior debate cá fora sobre essas matérias, o que seria interessante, haver um debate sobre problemas nacionais com os cabo-verdianos que vivem no estrangeiro.

Acha que, no fundo, trata-se de uma questão de justiça para a diáspora?

Não é uma questão de justiça ou de injustiça, é uma questão de democracia ou não democracia. A diáspora não se sente injustiçada com o país, senão teria tomado outras medidas. Repare, é uma reflexão muito interessante da diáspora, que não fez nos momentos mais críticos dos debates eleitorais que houve, nas transições, etc., aceitou serenamente tudo isso, mas entendeu, ou vem entendo há algum tempo – e nós estamos a dar um pouco a voz a isto – que chegou o momento em que é preciso discutir uma norma que foi criada com a Constituição de 92 e devemos discutir se deve manter-se ou não. Portanto, é uma diáspora que, nesse aspecto, revela uma enorme maturidade e responsabilidade democrática e que se abre à discussão. Ninguém disse: queremos que isto seja desta ou daquela maneira. Dizemos: vamos discutir isto para ver qual é a solução que encontramos. Portanto, é uma questão de aprofundamento, ou não aprofundamento, da democracia e da participação.

__________________________________________________________

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO

SECÇÃO II

DA ELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Artigo 109º (Modo de eleição)

O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto, pelos cidadãos eleitores recenseados no território nacional e no estrangeiro, nos termos da lei.

Artigo 110º (Elegibilidade)

Só pode ser eleito Presidente da República o cidadão eleitor cabo-verdiano de origem, que não possua outra nacionalidade, maior de trinta e cinco anos à data da candidatura e que, nos três anos imediatamente anteriores àquela data tenha tido residência permanente no território nacional.

Artigo 111º (Candidaturas)

As candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de mil e um máximo de quatro mil cidadãos eleitores e devem ser apresentadas no Tribunal Constitucional até ao sexagésimo dia anterior à data das eleições.

Artigo 112º (Data da eleição)

A data da eleição do Presidente da República é fixada nos termos da lei eleitoral.

Artigo 113º (Regime de eleição)

1. Considera-se eleito Presidente da República o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos, não se contando os votos em branco.

2. Se a soma dos votos dos eleitores recenseados no estrangeiro ultrapassar um quinto dos votos apurados no território nacional, é convertida em número igual a esse limite e o conjunto de votos obtidos por cada candidato igualmente convertido na respectiva proporção. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1005 de 3 de Março de 2021.

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Autoria:Jorge Montezinho,7 mar 2021 9:15

Editado porDulcina Mendes  em  5 dez 2021 23:20

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