Morna é Património Cultural Imaterial da Humanidade. Como aconteceu?

PorDulcina Mendes,22 dez 2019 7:45

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Depois de vários trabalhos realizados, podemos dizer que conseguimos dar um grande passo. A Morna é Património Cultural Imaterial da Humanidade. Cabo Verde será divulgado pelo mundo, através da Morna.

A decisão da inscrição da morna a Património Cultural Imaterial da Humanidade saiu na quarta-feira, 11, no decorrer da 14ª reunião do Comité do Património Cultural Imaterial da Unesco, que decorreu em Bogotá, Colômbia. 

Cabo Verde apresentou em Março do ano passado (2018) a candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade. Em Novembro deste ano, o Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente celebrou a sua classificação, mas na altura a Unesco só tinha dado o parecer favorável ao dossiê da candidatura. 

A 27 de Fevereiro, o parlamento aprovou, por unanimidade, o 3 de Dezembro como Dia Nacional da Morna, dia em que nasceu Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por B.Léza (1905 - 1958), um dos maiores compositores desse género musical. 

Mas desde que Cabo Verde apresentou a candidatura da morna, vários são os tributos que este género musical tem recebido, tanto no país como na diáspora, e recentemente foi lançado uma colecção “Morna: Música Rainha de nôs terra”. 

Trata-se do resultado de uma parceria do Expresso das Ilhas com a Editora A Bela e o Monstro e o jornal Público de Portugal e é da autoria do antropólogo e professor universitário Manuel Brito-Semedo. Esta colecção reúne cinco livros e CDs, que traçam o percurso histórico da morna. 

Vamos falar da morna 

O etnomusicólogo Moacyr Rodrigues, num artigo publicado no Expresso das Ilhas, edição 941, sublinhou que o primeiro registo escrito referente à morna consta do Relatório dos Serviços de Saúde da ilha da Boa Vista, de 1875, do director Sócrates, que o classifica como uma música de “doidejante e ruidosa”. 

Já a colecção “Morna: Música Rainha de nôs terra” refere que a morna nasceu na Boa Vista, por volta de 1780, passando depois às outras ilhas, adaptando-se e tomando as características de cada povo. Tornou-se romântica na ilha da Brava. 

“A partir de São Vicente e da Praia, anos 1960/1970, dá-se a electrificação da morna inspirada na canção in­ternacional e vai para o mundo. É a altura da emigração para França e Holanda e é quando surge o conjunto Voz de Cabo Verde na emigração e Manuel d’Novas vive a experiência da emigração. Deste período destacam-se compositores como Manuel d’Novas, Toy Ramos/Toy de Bibia, Anu Nobu, Djodja, Amândio Cabral e Lutcha Gonzaga”, conta a mesma fonte. 

Para o jornalista António Silva Roque, que tem o programa na Rádio de Cabo Verde “Morna, Património da Humanidade”, a morna nasceu com o cabo-verdiano.“Hoje, quando se fala que a morna nasceu na Boa Vista, Brava ou São Vicente, eu creio que a morna terá nascido com o cabo-verdiano”.

“Marino Silva, que ainda está vivo e foi um dos grandes difusores da música cabo-verdiana e da morna, Djack Monteiro, Adriano Gonçalves (Bana), Titina Rodrigues, Zizi Vaz, Maria Alice, Luís Morais, Morgadinho, Joaquim Almeida, Tututa Évora, Taninho, Eugénio Tavares, Humbertona, Tazinho, Manuel d`Novas, Dany Mariano e B.Leza”, cita outros artistas que difundiram a morna. 

Num artigo publicado no Expresso das Ilhas, o sociólogo da música e investigador, César Monteiro assegura que a morna é o género musical mais transversal, consolidado e representativo, do ponto de vista da sua estrutura rítmica e melódica e da sua extensão territorial, a manifestação mais abrangente da identidade crioula. 

Na mesma linha, o músico e director da escola de música Pentagrama, Tó Tavares, destacou que a morna sempre foi e continuará a ser aquilo que amplia a nossa pequenez, que nos liga à nossa comunidade na diáspora e que expressa tudo o que é a nossa cabo-verdianidade.

As reacções 

Depois da consagração da morna à Património Cultural Imaterial da Humanidade, o Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas que esteve presente na reunião do Comité do Património Cultural Imaterial da Unesco congratulou-se com esta conquista. 

Abraão Vicente começou o seu discurso em espanhol, depois na língua cabo-verdiana e terminou em espanhol, tudo isso para agradecer a Unesco pela inscrição da morna como Património Cultural Imaterial da Humanidade. 

Já em Cabo Verde, numa cerimónia no Palácio do Governo, Ulisses Correia e Silva garantiu que o nosso país irá cumprir e honrar com a Unesco e o mundo este reconhecimento. “É uma grande oportunidade para o sector empresarial da música nacional, novas carreiras, novos palcos e novas agendas abrem-se com esta nova oportunidade”. 

Ulisses Correia e Silva anunciou, na altura que estão previstas no Orçamento de Estado para 2020, verbas para o início da implementação do plano da salvaguarda, que foi aprovada no conjunto do dossiê desta candidatura. 

Segundo o músico e compositor, Adalberto Silva (Betú), trata-se de uma vitória e um reconhecimento daquilo que reconhecíamos como valor da criação da nação cabo-verdiana. 

“Agora é o reconhecimento formal do mundo do valor da maior criação da nação cabo-verdiana, que é a morna e depois a língua cabo-verdiana”, frisou. 

“Estou muito feliz com esta notícia, venho de uma geração de cantores da morna. A minha mãe e da minha avó cantavam morna”, afirmou a cantora Gardénia Benrós. 

Para o cantor Albertino Évora esta consagração é gratificante e vai servir para a divulgação e maior promoção da morna. “A morna sendo agora Património Cultural Imaterial da Humanidade vai contribuir para uma maior projecção da imagem de Cabo Verde no plano internacional”. 

O ex-ministro da Cultura, Mário Lúcio, diz-se muito feliz e agradecido por este projecto ter tido continuação. “É uma oportunidade para agradecer a todos os meus anteriores colaboradores. Hoje, Cabo Verde sente-se um pedaço da humanidade”. 

Desafios 

Com a consagração da morna, o país depara-se agora com outra responsabilidade, que é a de preservar e continuar a promovê-la. Para Tó Tavares, o desafio é de fazer com que a morna não seja apenas do presente e do passado, mas sim do futuro. 

“Penso que estou a dar o meu contributo como professor de música para que essa parte da nossa essência possa continuar”, sublinhou. 

Tó Tavares acrescentou ainda que é preciso que haja formação na música cabo-verdiana nas universidades, academias e sobretudo que seja introduzida na educação artística nas escolas para que haja inclusão e acesso a democratização ou democratização da arte e da música.

“Quando introduzirmos educação artística estaremos a introduzir a educação musical, para conseguir fazer, de facto, com que os nossos jovens sintam a responsabilidade que têm que dar continuidade à nossa morna a partir de hoje”, assegura.

“Espero que a geração mais nova comece a dar mais atenção à morna, para podermos continuar a ter novos compositores e como tem sido ao longo dos tempos”, diz Adalberto Silva. António Silva Roque, por seu lado, afirma que com a consagração temos grandes responsabilidades, porque ga­nha-se e perde-se. “Património Imaterial da Humanidade é difícil, podemos perder esse título se não cuidarmos e tivermos o cuidado de continuar a difundi-la”. 

Solange Cesarovna consi­de­ra que é o momento para pensarmos qual o contributo que podemos dar a partir de agora com esta consagração. “É responsabilidade de Cabo Verde, enquanto país, e de todos nós, enquanto cabo-verdianos, continuarmos a divulgação da morna e da sua salvaguarda”.

“É uma oportunidade, assim como outros géneros, nomeadamente o Fado e o Tango, que se consagraram, fazer do mercado internacional um espaço ideal de promoção e de organização de concertos da morna”, acrescenta.

Para a Sociedade Cabo-verdiana de Música a consagração da morna como património do mundo deverá ser também convertida num mar infinito de oportunidades para os autores, compositores, intérpretes, executantes, produtores musicais, e demais actores do sector da música que abraçaram a morna de forma profissional. “Esta consagração é também um ganho extraordinário para a própria divulgação da língua crioula no mundo, enquanto língua que está na essência da morna”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 942 de 18 de Dezembro de 2019. 

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Autoria:Dulcina Mendes,22 dez 2019 7:45

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  12 set 2020 23:21

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