Por esta altura, já ninguém contesta que à emergência de saúde pública mundial junta-se uma crise economia internacional sem precedentes.
No início de Março, quinze dias foram suficientes para provocar uma derrocada de 20% dos mercados bolsistas, naquela que foi a queda mais rápida da história. As organizações internacionais e as agências de notação financeira apontam para quedas do Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos 3,3% nos Estados Unidos, 4,2% na zona euro e 4,2% no Reino Unido. Por cá, o governo admite uma contracção do PIB na ordem dos 4 a 5%.
O turismo desapareceu e com ele uma importante parte da receita fiscal, num sector que tem um efeito multiplicador na economia nacional. Por isso, e para o economista Paulino Dias, as ondas de choque serão grandes.
“As ondas do que acontece no sector do turismo acabam por prolongar-se por vários sectores, em velocidade variável. Isso é bom quando o turismo está a crescer, mas quando há uma queda os efeitos sãos mais abrangentes, mais profundos”, estabelece.
Comparando o actual momento com a crise de 2008, Paulino Dias assinala uma diferença importante.
“Nessa altura, o turismo revelou uma resiliência muito boa e continuou a crescer à escala global. Nesta crise, foi o primeiro sector a ‘apanhar’”, destaca.
A forte dependência do turismo torna o país mais vulnerável a choques externos, como aquele que estamos a experimentar. Motivo pelo qual Paulino Dias recomenda que a oportunidade seja aproveitada para se discutir o nível de concentração de fluxos turísticos.
“O sector é concentrado quanto à origem. Apenas quatro países respondem por quase 60% do fluxo turístico. É concentrado quanto ao destino, já que apenas duas ilhas, Sal e Boa Vista, respondem por mais de 3/4 do fluxo turístico, mais de 75% dos turistas vão para Sal e Boa Vista. É concentrado quando aos tous operators, uma vez que mais de 70% dos turistas que chegam a Cabo Verde, chegam em voos de duas ou três grandes companhias. É concentrado quanto aos canais de fornecimento dos hotéis”, pontua.
Medidas
À previsão de recuo da economia junta-se o expectável aumento do desemprego, com a taxa a galopar até 20%.
Para tentar mitigar os efeitos destruidores da pandemia na economia, governo e parceiros sociais acordaram na semana passada um conjunto de medidas de carácter fiscal, financeiro e social. Tenta-se manter postos de trabalho, garantindo liquidez às empresas, sem descurar a protecção dos trabalhadores.
Para Paulino Dias, as decisões foram sensatas e tomadas no tempo certo.
“Foi uma abordagem sistémica do problema. Atacou-se, sim, a questão da saúde pública, mas olhou-se para a floresta e tomaram-se medidas orientadas para as empresas, para os trabalhadores, para sector informal e para as famílias”, resume.
“Devemo-nos congratular pela rapidez e pela abordagem de não deixar um pé da mesa sem trabalhar, sublinha.
O pacote acordado com os parceiros é contingencial, uma resposta imediata a uma situação de contornos incertos. Mas terá custos. A tutela das Finanças prevê um aumento do défice de 2 para 10% do PIB, acompanhado de um aumento da dívida pública.
O consultor e economista ouvido pelo Expresso das Ilhas realça a importância da confiança, factor fundamental para enfrentar o que por aí vem.
“Os agentes económicos, incluindo gestores e decisores, tomam decisões com base na confiança. Se confiam, investem. Se não, desinvestem. É tão simples quanto isso, não apenas nessa perspectiva romântica, patriótica, mas porque a confiança gera investimento e o investimento gera mais emprego, que gera mais rendimento”, concretiza.
Na terça-feira, o vice-Primeiro-Ministro, Olavo Correia, anunciou a criação de um grupo de trabalho para preparar a estratégia pós-pandemia. O governante espera “um desafio gigantesco”, motivo pelo qual conta reunir um conjunto de especialistas, “no país e no estrangeiro”. O “recomeço não será tarefa fácil”, escreveu o também ministro das Finanças, na sua página na rede social Facebook.
Paulino Dias acredita que Cabo Verde sairá da crise com uma capacidade de resposta e um quadro institucional, legal e infra-estrutural reforçado. Na mesma linha, espera que as empresas possam aproveitar a ocasião para apostar na inovação.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 958 de 8 de Abril de 2020.