“Quando saem os resultados, pode ser um pouco bombástico, porque trazem dados de vários dias, mas em relação às semanas epidemiológicas no Sal, nas últimas três semanas, tem mantido uma situação estacionária, ou seja, tem mantido uma situação que tem permitido uma resposta razoável e não tem sufocado o nosso sistema”, explica ao Expresso das Ilhas Artur Correia, Director Nacional de Saúde.
No início do mês, foi identificado o primeiro caso de Covid-19 na ilha do Sal, hoje o saldo é de 220 infectados e 470 pessoas em quarentena domiciliária. Mas estar sob controlo não quer dizer que as regras não deixem de ser cumpridas, até porque, como disse Artur Correia, ainda há o risco de aumentar a pressão sobre as infra-estruturas de saúde “se as pessoas não cumprirem e se todas as autoridades não colaborarem”.
“Esta é uma luta de todos”, sublinha o Director Nacional, “da saúde, das forças de segurança, das câmaras, dos vários ministérios, das pessoas, que têm de cumprir. 90% da população já conhece a Covid, como se transmite, como se previne, portanto, já têm todas as ferramentas para ter uma atitude responsável, proteger-se e proteger os outros, sobretudo a população mais idosa”.
O aumento de casos desde o início do mês não surpreendeu o Director Nacional de Saúde, como referiu ao Expresso das Ilhas, é normal que cresça o número de infectados assim que o vírus é introduzido em qualquer ilha. “O desafio é controlar esse aumento”, diz Artur Correia. “No Sal, toda a gente ficou assustada, porque estavam convencidos que o vírus não entraria na ilha, mas para mim não foi nenhum espanto. O vírus da Covid até já chegou às ilhas Faroe, agora imagine aqui em Cabo Verde, em que há circulação frequente das pessoas. Mesmo no estado de emergência viu-se que havia circulação entre as ilhas”.
É provável, segundo o responsável, que o vírus já estivesse na ilha há mais tempo, mas como 80% dos casos eram, e são, assintomáticos, muitos não sabiam que estavam infectadas. “Isso em todas as ilhas, não é só no Sal. O outro grande desafio não é evitar que os casos cheguem às outras ilhas, porque temos de aprender a conviver com o vírus, mas temos de tomar todas as medidas possíveis para controlar esse aumento, que vai haver, de forma a não prejudicar o normal funcionamento dos serviços. Porque não temos capacidade de enfrentar uma enchente nacional de casos, como tem acontecido em várias partes do mundo”.
Fora de hipóteses, neste momento, está a criação de uma cerca sanitária, “não se justifica”, diz Artur Correia, nos concelhos do Sal. O que se mantém é a proibição de sair da ilha, tal como acontece em Santiago. Recorde-se que o Primeiro-Ministro já tinha anunciado, no dia 16 de Junho, um plano de intervenção para a ilha mais turística do arquipélago, que travou o desconfinamento que estava em curso, plano que continua a ser coordenado localmente pelo Ministro do Turismo.
Câmara do Sal aposta na sensibilização e na fiscalização
A Câmara Municipal do Sal tem a questão da saúde pública e todas as actividades de suporte à saúde como prioridade, garantiu ao Expresso das Ilhas o autarca Júlio Lopes. Assim que surgiram os primeiros casos em Cabo Verde, o executivo municipal fez uma recentragem do orçamento e avançou para a reestruturação dos serviços de protecção civil e dos bombeiros. Hoje, há duas unidades, tanto da protecção civil como dos bombeiros, em Espargos e Santa Maria, serviços que funcionam 24 horas por dia. Houve ainda um reforço de pessoal, a compra de uma nova ambulância e de equipamentos de limpeza e desinfecção das ruas.
“Agora, estamos a apostar também na sensibilização da população, de toda a população do Sal, com foco nos jovens e nas famílias com pessoas de idade ou mais vulneráveis ao coronavírus”, diz Júlio Lopes ao Expresso das Ilhas. “Todos os dias há carros de som nas ruas e nas praias, temos um grupo de jovens em Espargos, Santa Maria, Pedra Lume e Palmeira, a dar informação e a fazer acções de sensibilização, para que se cumpram as medidas de prevenção”.
“Estamos a fazer o nosso trabalho a nível também da fiscalização. Já fechámos alguns estabelecimentos que não cumpriram as regras de distanciamento, por um período de 7 dias, e estamos a apoiar a delegacia de saúde, polícia e forças armadas”, refere ainda o autarca.
Apesar do aparecimento dos casos na ilha, Júlio Lopes diz acreditar que a reabertura da ilha ao turismo não está em causa. “O coronavírus existe em todo o mundo, agora é uma questão de, enquanto não houver vacina ou tratamento, termos de aprender a conviver com esta doença. Todos os países vão abrir, têm que abrir, porque além da parte sanitária, existem os problemas económicos e de emprego. Na abertura cada um tem de se proteger”.
O Director Nacional de Saúde também considera que o regresso do turismo será uma realidade. “O país não pode parar, a economia tem de funcionar e temos de criar todas as condições possíveis para garantir a segurança sanitária, permitir que o sistema de saúde funcione normalmente e que as infra-estruturas hoteleiras funcionem com base em regras e normas sanitárias, de forma a dar segurança às pessoas que nos visitam”, diz Artur Correia.
A ilha do Sal recebeu 45,5% do total das entradas de turistas nos hotéis cabo-verdianos em 2019. Por causa da pandemia, o governo está a projectar uma quebra na entrada de visitantes estrangeiros em cerca de 536.080 turistas, bem como uma diminuição de 60,4% em dormidas. As receitas do turismo, sector que representa 25 por cento do PIB cabo-verdiano, poderão igualmente reduzir em 61,6%. Na prática, o arquipélago regressa ao nível de há 11 anos. A meta de 1 milhão de turistas prevista para 2021, será praticamente impossível de alcançar.
A autarquia do Sal também já sente nos cofres a diminuição das receitas. “Temos duas taxas importantes: o IUP e a taxa do lixo”, salienta o presidente da câmara, Júlio Lopes. “O IUP dava 300 mil contos por ano, e a taxa do lixo tinha previsão de 100 mil contos. Agora, estamos a prever receber metade dessa taxa de lixo, ou ainda menos, e ter um rombo de quase 100 mil contos no IUP. No total, estamos a prever uma perda de 200 mil contos de receitas, é muito dinheiro”.
Mesmo com este cenário económico preocupante, o autarca garante que o investimento público é para continuar. “Não vamos parar com as obras, vamos continuar e reforçá-las, para poder ajudar na parte do rendimento. Muitas pessoas não estão a trabalhar, porque os hotéis estão fechados, por isso, a câmara e o governo têm de continuar com as obras de requalificação urbana, e outras, para poder garantir algum rendimento às famílias. E também para que a ilha esteja pronta quando se der o recomeço das atividades. Estamos optimistas que o Sal vai ultrapassar esta fase e que vamos regressar ao ritmo de crescimento dos últimos anos”.
A ilha do Sal foi a que registou o maior número de contratos de trabalho suspensos quando o regime de lay-off foi criado. Muitas das empresas que recorreram a este regime excepcional e temporário são do sector do turismo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 970 de 1 de Julho de 2020.