Os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) enfrentam uma luta árdua, por um lado, esforçam-se para recuperar do impacto da crise da COVID-19, por outro, estão a ver as vulnerabilidades agravadas pela pandemia.
A edição de 2021 do relatório Desenvolvimento e Globalização da UNCTAD, destaca exactamente os desafios enfrentados por estes países economicamente frágeis. O documento vai servir de base à 15ª conferência ministerial quadrienal da UNCTAD, agendada para os dias 3 a 7 de Outubro, onde as vulnerabilidades dos SIDS serão os elementos-chave das discussões.
“Este relatório oferece uma perspectiva única sobre os SIDS, ao combinar uma ampla variedade de informações estatísticas para examinar esses países sob os aspectos do comércio, economia, meio ambiente e sociedade”, escreve a secretária-geral em exercício da UNCTAD, Isabelle Durant.
Embora os SIDS sejam um grupo diversificado de países – 38 nações espalhadas pelos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico – partilham muitos desafios socioeconómicos e ambientais. Os SIDS são altamente vulneráveis a choques económicos e financeiros externos, pelo menos 35% a mais do que os outros países em desenvolvimento, de acordo com o relatório. 2020 foi um ano particularmente desafiador para os SIDS. Na esteira da pandemia, os SIDS experimentaram uma queda estimada no PIB de 9% em 2020, em comparação com a queda de 3,3% nos outros países em desenvolvimento, tendo por base os dados das projeções do FMI (Cabo Verde está acima desta média, com uma perda de 15% da riqueza nacional).
O turismo nas economias dos SIDS
Nos últimos 20 anos, o turismo internacional aumentou notavelmente, tanto globalmente como na maioria das regiões do mundo. As chegadas globais de turistas internacionais, entre 2000 e 2019, praticamente duplicaram nos SIDS. Em 2019, os SIDS caribenhos foram responsáveis por mais da metade das chegadas internacionais nos SIDS, os SIDS do Oceano Atlântico e Índico por um terço e os SIDS do Pacífico pelo resto (12 por cento). A Jamaica foi o principal destino de chegadas de turistas internacionais em 2019, 2,7 milhões, seguida pelas Maldivas (1,7 milhões) e Bahamas (1,6 milhões). O número de chegadas também ultrapassou um milhão nas Maurícias (1,4 milhões) e em Cabo Verde foi de cerca de 800 mil.
O turismo tem efeitos multiplicadores nas economias, promove o crescimento e o emprego em vários sectores relacionados, como transporte, hotéis e restaurantes, comércio, serviços financeiros e serviços culturais. Também atrai investimentos nacionais e estrangeiros e promove o desenvolvimento do sector privado em geral.
Para os SIDS, o turismo é um sector particularmente importante. Entre 2017 e 2019, representou, em média, 11,7 por cento do PIB dos SIDS. Esta contribuição directa para o Produto Interno Bruto varia de uma economia insular para outra, indo dos 0,2 por cento em Timor-Leste, até aos 78% em Sint Maarten. Em Cabo Verde, segundo os últimos dados, representou, em 2019, 28% do PIB.
Uma fonte crucial de receitas
O turismo tem potencial para promover o crescimento económico sustentável e inclusivo. Gera mais de 5 000 dólares de rendimento per capita em economias como Palau, Maldivas e Seychelles, no Oceano Índico, bem como na maioria dos SIDS caribenhos. Em Curaçao e Turks e Caicos, por exemplo, este valor ultrapassa 20 mil dólares per capita.
O turismo acabou por ser um dos sectores mais atingidos pela pandemia, com um impacto sem precedentes do ponto de vista económico e social. Com base nos dados disponíveis, estima-se que as chegadas de turistas internacionais caíram 74 por cento em 2020, de quase um bilião e meio de turistas para cerca de 381 milhões, números nunca vistos em mais de 30 anos.
Esta queda traduziu-se numa perda estimada de 1,3 trilião de dólares, 11 vezes maior do que a experimentada durante a crise financeira de 2008. Os dados preliminares mostram que a maioria dos SIDS experimentou uma queda de mais de 60 por cento nas chegadas de turistas internacionais em 2020, com alguns Estados insulares, como Guam, Samoa e Singapura a apresentarem descidas superiores a 80 por cento.
A previsão é que demore entre 2,5 a 4 anos para que o turismo internacional volte aos níveis de 2019. Economias com mercados de turismo doméstico desenvolvidos têm sido capazes de mitigar o impacto negativo da pandemia.
Aumento da dívida externa
O endividamento externo dos SIDS é consideravelmente maior do que o de outros países em desenvolvimento. Em 2019, representou, em média, 62 por cento dos respectivos PIBs, em comparação com os 29 por cento dos outros países em desenvolvimento e economias em transição. Entre 2000 e 2019, o rácio dívida externa/PIB aumentou 24 pontos percentuais nos SIDS, enquanto caia 6 pontos percentuais nos restantes países em desenvolvimento. A maior parte do aumento ocorreu no rescaldo da crise financeira de 2008 e acelerou desde 2013.
Em muitos países, os altos níveis de dívida não conseguiram gerar crescimento, transformação estrutural ou desenvolvimento, agravando assim a ameaça que representam para a sustentabilidade das finanças públicas a médio e longo prazo.
Em virtude das suas economias, caracterizadas pela baixa diversificação e pelos riscos sempre presentes de desastres naturais, os SIDS estão naturalmente expostos ao sobreendividamento público, que aumenta quando um governo luta ao longo do tempo para honrar algumas ou todas as suas obrigações de dívida.
Quando os indicadores serviço da dívida, stocks da dívida pública e défice da conta corrente são simultaneamente altos entra-se num ciclo vicioso da dívida. O relatório da UNCTAD divide o sobreendividamento dos SIDS em “muito alto”, “alto” e “moderado”. Cabo Verde aparece no primeiro grupo, juntamente com Barbados, Jamaica, Antígua e Barbuda, Dominica, São Tomé e Príncipe, São Vicente e Granadinas, Maldivas, Granada e Bahamas. Esta categoria reúne os países com stocks de dívida pública muito elevados, agravados por grandes défices da conta corrente e serviço da dívida alto. Os impactos económicos da pandemia podem agravar as posições de dívida destes países, colocando-os em maior risco de incumprimento. Todos estes SIDS com nível “muito alto” de sobreendividamento público, excepto Antígua e Barbuda, beneficiaram da assistência financeira COVID-19 do FMI e do alívio do serviço da dívida desde Março de 2020. Além disso, Granada, Cabo Verde, Dominica, Maldivas e São Tomé e Príncipe foram elegíveis para a Iniciativa de Suspensão da Dívida do G20.
No nível “alto” de sobreendividamento estão as Maurícias, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, Nauru, Seychelles, Vanuatu, Samoa, Fiji, Trinidad e Tobago e Tonga. Destes, Santa Lúcia, Seychelles, Samoa e Tonga receberam a Assistência Financeira e Alívio do Serviço da Dívida do FMI e Fiji, Samoa, Santa Lúcia e Tonga foram elegíveis para a Iniciativa de Suspensão da Dívida do G20.
Com um nível “moderado” de sobreendividamento estão as Comores, Ilhas Salomão e Timor-Leste, bem como a maioria dos SIDS menos populosos, como os Estados Federados da Micronésia, Kiribati, Ilhas Marshall e Tuvalu. Esses estados têm níveis relativamente “baixos” de dívida pública, nenhum ou limitado défice de conta corrente e uma pequena fração do serviço da dívida recai sobre as receitas do governo.
“Espero que o relatório sirva como uma ferramenta estatística e analítica útil para os próprios SIDS e para todos os interessados em compreender estas ilhas”, escreve Isabelle Durant, no prefácio do documento.
Em 2014, a comunidade internacional concordou com a visão para o desenvolvimento sustentável de pequenas ilhas, consubstanciado no SAMOA (Small Island Developing States Accelerated Modalities of Action – Modalidades de Acção Aceleradas para os SIDS). No entanto, muito pouco foi feito para implementar as prioridades sobre sustentabilidade da dívida, financiamento concessional, investimento, comércio e adaptação às mudanças climáticas. Até agora, grande parte da resposta a desastres tem sido numa base de emergência de curto prazo, em vez de planeamento de desenvolvimento de longo prazo.
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Comércio
- As exportações de serviços contribuem, em média, com 25% para o PIB dos SIDS e quase metade das suas exportações consiste em serviços de viagens;
- Os SIDS sofreram uma queda estimada de 70% nas receitas de viagens em 2020;
- Os SIDS importam mais do que exportam - 24 países tiveram uma balança comercial negativa em mais de 55% das importações em 2020;
- Os SIDS tendem a importar bens manufaturados e a exportar commodities, especialmente alimentos. Para Cabo Verde, Kiribati, Maldivas, Micronésia e Tuvalu, os frutos do mar representam 70% de todas as exportações;
- A distância representa desafios significativos para o desenvolvimento económico dos SIDS. Muitos têm más ligações em termos de conectividade marítima e pagam cerca de 7% mais do que a média mundial pelo transporte das importações.
Economia
- Muitos SIDS construíram fortes economias de serviço. O sector foi responsável por mais de 70% do PIB dos SIDS em 2019. Em média, duas em cada três pessoas trabalham em serviços nas economias insulares, muitas vezes em empregos relacionados com o turismo;
- O PIB per capita varia muito entre os SIDS. Em 2019, foi de 11.561 dólares no Caribe, três vezes mais do que nos SIDS do Pacífico e 1,6 vezes mais do que nos SIDS do Oceano Atlântico e Índico;
- As oportunidades oferecidas pela agricultura são limitadas pelo clima e pela disponibilidade de terras aráveis, mas a agricultura, a silvicultura e a pesca ainda são fontes importantes de emprego e sustento para muitos SIDS;
- A economia informal contribui para empregos e rendimento. A Organização Internacional do Trabalho estima que os trabalhadores informais representam quase metade da força de trabalho global, dos quais 80% sofreram danos na sua capacidade de ganhar a vida durante a pandemia;
- Os SIDS estão entre os países em desenvolvimento mais endividados do mundo. Em 2019, a dívida externa representava 62% do PIB, um record.
Meio ambiente
- Quatro dos dez países mais vulneráveis às alterações climáticas são SIDS (Kiribati, Ilhas Marshall, Tuvalu e Estados Federados da Micronésia);
- Apesar de sofrerem intensamente com os impactos das mudanças climáticas, os SIDS emitiram apenas 0,2% das emissões globais de CO2;
- SIDS dependem da economia dos oceanos, ou economia azul. O turismo costeiro e marinho é o maior sector, já a pesca, embora com menos peso no PIB, é uma importante fonte de rendimento e emprego, especialmente para as comunidades costeiras.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1025 de 21 de Julho de 2021.