Cabo Verde é um dos 15 países do mundo mais afectados pela pandemia

PorJorge Montezinho,24 abr 2022 8:40

Entre as economias emergentes e as economias em desenvolvi­men­to, o arquipélago está entre as nações que mais perderam economicamente por causa da Covid, com o PIB cabo-verdiano a ter uma queda de -14,8% em 2020. Na África subsaariana, só as Maurícias tiveram um resultado pior, com uma descida de -14,9% no produto interno bruto. Os números de 2021 já contam uma história diferente, mas a recuperação teve agora um abrandamento por causa da guerra na Ucrânia.

Países que vivem essencialmente do turismo, principalmente arquipélagos, foram os mais afectados pela pandemia e estão entre as nações que tiveram maiores quedas do PIB em 2020. Cabo Verde está nesta lista, assim como as Maurícias, as Fiji, ou as Maldivas. Mas o que mais sofreu, a nível global, foi a Líbia, que viu desaparecer 59,7% da riqueza nacional.

No ano passado, a economia cabo-verdiana já cresceu 6,9%, segundo o Outlook do Fundo Monetário Internacional, apresentado esta terça-feira. As projecções do FMI para os próximos anos apontam para crescimentos da economia de Cabo Verde de 5,2% em 2022, 5,8% em 2023 e de 4,5% em 2027. No entanto, estas são previsões feitas antes da guerra na Ucrânia, que veio baralhar as contas, como referiu Pierre-Olivier Gourinchas, Conselheiro Económico e Diretor do Departamento de Estudos do FMI, durante a conferência de apresentação do Outlook.

Segundo o relatório do FMI, os danos económicos do conflito vão provocar uma desaceleração significativa do crescimento global em 2022 e aumentar a inflação. Além disso, os preços dos combustíveis e dos alimentos subiram rapidamente, atingindo com mais força as populações vulneráveis nos países de baixo rendimento.

O crescimento global deverá abrandar de uma estimativa de 6,1% em 2021 para 3,6% em 2022 e 2023. Isso é 0,8 e 0,2 pontos percentuais menos, para 2022 e 2023, do que o projetado em Janeiro.

Depois de 2023, o crescimento global deverá cair para cerca de 3,3% a médio prazo. Os aumentos nos preços das commodities incutidos pela guerra e as crescentes pressões sobre os preços levaram a projeções de inflação, para 2022, de 5,7% nas economias avançadas e 8,7% nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento – 1,8 e 2,8 pontos percentuais acima do projetado em Janeiro. Esforços multilaterais para responder à crise humanitária, evitar maior fragmentação económica, manter a liquidez global, gerir o sobreendividamento, combater as mudanças climáticas e acabar com a pandemia são essenciais.

“Várias economias vão precisar de consolidar os saldos fiscais. Isso não deve impedir os governos de fornecer apoio bem direcionado às populações vulneráveis, especialmente à luz dos altos preços da energia e dos alimentos”, disse Pierre-Olivier Gourinchas, em conferência de imprensa, esta terça.

Mesmo que os decisores políticos se concentrem em suavizar o impacto da guerra e da pandemia, outros objetivos exigirão a sua atenção. Em relação ao clima, deve fechar-se a lacuna entre as ambições declaradas e as acções políticas. Igualmente importante, recorda o FMI, é a necessidade de garantir acesso mundial equitativo ao conjunto de ferramentas COVID-19 para conter o vírus e abordar outras prioridades globais de saúde.

Os decisores políticos devem também garantir que a rede global de segurança financeira funcione de forma eficaz. Para alguns países, isso significa garantir apoio de liquidez adequado para superar as dificuldades de refinanciamento de curto prazo. Mas para outros, será necessária uma reestruturação abrangente da dívida soberana.

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“Estes riscos e políticas interagem de maneiras complexas em prazos variados. O aumento das taxas de juros e a necessidade de proteger as populações vulneráveis contra os altos preços dos alimentos e da energia tornam mais difícil manter a sustentabilidade fiscal”, sublinhou Gourinchas. “Por outro lado, a erosão do espaço fiscal torna mais difícil investir na transição climática, enquanto os atrasos em enfrentar a crise climática tornam as economias mais vulneráveis a choques de preços de commodities, que alimentam a inflação e a instabilidade económica”.

A dívida privada vai pesar na recuperação económica mundial

Dividido em quatro capítulos, o Outlook do FMI aborda questões como a dívida privada, um mercado de trabalho mais ecológico, a transformação económica e o comércio global.

Em relação ao primeiro tema, uma alta recorde na dívida privada pode desacelerar a recuperação económica, mas, sustenta o Outlook, o travão ao crescimento variará entre os países e dentro deles.

Os governos conseguiram atenuar o impacto económico da pandemia dando liquidez às pessoas e empresas atingidas, por meio de garantias de crédito, empréstimos concessionais e moratórias no pagamento de juros. Ainda que eficazes para sustentar os balanços patrimoniais, essas medidas também levaram a um pico no endividamento privado, prolongando um aumento constante na alavancagem estimulada pelas condições financeiras favoráveis desde a crise financeira global de 2008.

Em 2020, a dívida privada global deu um salto de 13% do PIB mundial – superior à alta observada durante a crise financeira global e quase tão rápida quanto o aumento da dívida pública.

Na análise do FMI, o obstáculo ao crescimento após a pandemia pode ser muito maior em países onde: 1) o endividamento está mais concentrado nas famílias com problemas financeiros e nas empresas vulneráveis, 2) o espaço fiscal é limitado, 3) o regime de insolvências é ineficiente e 4) a política monetária precisa ser apertada rapidamente.

À medida que as economias recuperam e a inflação acelera, os governos devem levar em conta o impacto do aperto das políticas fiscais e monetárias sobre os consumidores e empresas mais financeiramente sobrecarregados quando decidir o ritmo de eliminação das políticas extraordinárias de apoio, aconselha o FMI.

Políticas adequadas podem facilitar a transição para empregos verdes

As medidas devem incluir formação profissional, créditos fiscais para trabalhadores de baixo rendimento, incentivos à infraestrutura verde e ao investimento em P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] e um imposto sobre o carbono.

O consenso sobre a necessidade de construir uma economia mais verde costuma esbarrar nas preocupações com a possível perda de postos de trabalho. A resposta não causa surpresas: para alguns trabalhadores, a transição será difícil. Mas também há boas notícias. Com uma combinação adequada de políticas, os países devem conseguir atingir emissões zero de gases de efeito estufa até 2050 e, ao mesmo tempo, atenuar as dificuldades dos trabalhadores em sectores intensivos em emissões.

Limitar o aumento da temperatura média mundial em menos de 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais exigirá uma redução extraordinária nas emissões de gases de efeito estufa. Essa transformação verde também implicará em mudanças no mercado de trabalho, com a migração de postos de trabalho entre sectores e ocupações. Mas a magnitude global dessa mudança não será necessariamente tão drástica como poderia parecer.

A análise do FMI mostra que, nas economias avançadas, um pacote de políticas destinado a colocar a economia numa trajetória de emissões zero até 2050 deslocaria cerca de 1% do emprego de sectores de emissão mais alta para outros de emissão mais baixa ao longo da próxima década. Esse deslocamento seria maior nos mercados emergentes: cerca de 2,5%. Mesmo assim, esses números são inferiores aos da transição da indústria para os serviços, ocorrida nas economias avançadas a partir de meados da década de 1980 e que afetou quase 4% dos postos de trabalho em cada década.

O comércio internacional precisa de mais, e não menos, diversificação de oferta

Países com parceiros comerciais que implementaram medidas de isolamento mais rigorosas apresentaram quedas maiores nas importações. Embora os fluxos de comércio tenham-se ajustado, cadeias globais de valor mais diversificadas poderiam ajudar a atenuar o impacto de choques futuros.

Esperava-se que os choques da oferta e da procura desencadeados pela pandemia levassem a um colapso no comércio internacional que, entretanto, mostrou-se mais resiliente do que em crises globais anteriores.

Apesar da forte queda registada no segundo trimestre de 2020, ao final desse ano o comércio de bens já tinha regressado aos níveis anteriores à pandemia. O declínio nos serviços (como o turismo) em 2020 foi pior, e a recuperação mais lenta, devido às persistentes restrições adotadas por alguns países para conter a infecção.

A análise do FMI mostra que a diversificação reduz consideravelmente as perdas económicas globais resultantes de interrupções na oferta. No cenário base, após uma redução expressiva da oferta de mão-de-obra (25%) num único grande fornecedor global, o produto interno bruto de uma economia média cai 0,8%. No cenário de diversificação elevada, esse declínio é reduzido quase a metade.

A maior diversificação também reduz a volatilidade quando diversos países são atingidos por choques de oferta. O FMI estima que, neste cenário, a volatilidade do crescimento económico no país médio é reduzida em cerca de 5%. Contudo, a diversificação oferece pouca proteção quando um distúrbio importante afeta simultaneamente todas as economias, como aconteceu nos primeiros quatro meses da pandemia.

A pandemia mostrou também que os investimentos em infraestrutura em determinadas áreas são fundamentais para atenuar os problemas de oferta relacionados à logística do comércio internacional. Por exemplo, a atualização e modernização da infraestrutura portuária nas principais rotas de navegação ajudaria a reduzir os pontos de estrangulamento. O aprimoramento da infraestrutura digital para facilitar o trabalho a partir de casa também poderia ajudar a atenuar as repercussões.

A redução nos custos do comércio internacional poderia igualmente ajudar a diversificar os insumos. Segundo o FMI, existe espaço para reduzir as barreiras não tarifárias, o que daria um estímulo económico significativo a médio prazo, principalmente nos mercados emergentes e nos países em desenvolvimento de baixo rendimento.

Ministro das finanças em Washington

Até ao próximo dia 23, Olavo Correia estará na capital norte-americana a participar nas Reuniões de Primavera do FMI e do Banco Mundial.

Esta terça-feira, o ministro cabo-verdiano teve um encontro com o Diretor Executivo do FMI para Cabo Verde, o brasileiro Afonso Bevilaqua, para alinhar o novo programa a ser estabelecido com o Fundo Monetário Internacional com as prioridades definidas pelo Governo.

“As prioridades para o país”, escreveu Olavo Correia, “são: manter a estabilidade macroeconómica, fazer face às dificuldades criadas pelo aumento de preço, encontrar medidas de apoio social para assegurar que as famílias vulneráveis não sejam atingidas pelo aumento de preço e principalmente melhorar o ambiente de negócios e reformas estruturais para permitir que a economia cabo-verdiana a médio e longo prazo possa ter taxas de crescimento mais elevadas, mais inclusivas, tornando a economia mais diversificada”.

O ministro recordou que Cabo Verde precisa do apoio do FMI ao nível das políticas económicas, para poder ultrapassar esta fase difícil. “Este contexto de tripla crise tem impacto sobre o quadro económico, sobre o quadro orçamental e também sobre o rendimento das famílias e o Governo de Cabo Verde tem de dar resposta rápida a este contexto para que possamos entrar na trajetória de retoma da atividade económica, deste modo é importante continuar a contar com a colaboração do Fundo Monetário Internacional”, referiu Olavo Correia.

Também esta terça-feira, o ministro cabo-verdiano teve outra reunião com o Director do Departamento Africa do FMI, Abebe Aemro Selassie. Depois do encontro, Olavo Correia escreveu na sua página do Facebook que “não podemos minimizar os efeitos económicos e sociais da seca, da pandemia da covid-19 e da guerra na Ucrânia sobre a economia cabo-verdiana. Mas, devemos olhar para o futuro com determinação e confiança. Temos de vencer os desafios e aproveitar todas as oportunidades que o país e o mundo nos oferecem”, concluiu o governante. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1064 de 20 de Abril de 2022. 

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Autoria:Jorge Montezinho,24 abr 2022 8:40

Editado porAntónio Monteiro  em  5 jan 2023 23:28

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