Não é uma situação exclusiva a Cabo Verde. Com as cadeias de abastecimento com capacidade de resposta limitada, as economias, um pouco por todo o mundo, enfrentam subidas acentuadas de preços.
Uma explicação para o que se está a passar? A pandemia justifica uma parte, a guerra comercial entre EUA e China é responsável por outra. E há ainda as oscilações da procura no mercado internacional.
Ao Expresso das Ilhas, Amílcar Monteiro explica que a nível internacional “com a instalação da crise [provocada pela pandemia] e a guerra comercial entre os EUA e a China a situação agravou-se e com a paralisação que veio com a COVID houve necessidade de acudir os mercados” o que levou “à injecção massiva de dinheiro na economia”.
“As pessoas com disponibilidade aumentaram a demanda num determinado período e depois essa demanda ficou a oscilar, em 2020 e 2021, entre a perspectiva da retoma, e nova contracção da economia”, aponta este gestor, que acrescenta que esta situação levou a que “as cadeias de valor entrassem em stress”.
A incerteza “é completa e a tendência dos preços internacionais é disparar”, aponta em conversa com o Expresso das Ilhas.
O transporte assume um papel central nas cadeias de abastecimento e o transporte marítimo é o principal motor deste sector a nível internacional. No entanto, também aqui estão a ver-se alterações e subidas de preços. “Os preços do transporte de contentores dispararam, os contentores vazios não estão a ser transportados porque não pagam o custo. Estamos a falar da necessidade de uma gestão mais criteriosa da forma como os negócios estão a ser conduzidos a nível internacional”, explica Amílcar Monteiro que vê 2022 como um ano de muita instabilidade.
“Eu creio que esse aumento dos preços se deve a uma confluência de factores dos quais não podemos excluir a guerra comercial e a situação na Ucrânia que tem feito subir o preço dos combustíveis. Temos um cenário de muita incerteza”, aponta ainda.
Minorar os prejuízos
Com Cabo Verde altamente dependente da evolução das economias estrangeiras, os efeitos desta situação de subida de preços e das dificuldades de abastecimento já se começam a fazer sentir no país.
A resposta que pode ser dada a este fenómeno, defende Amílcar Monteiro, passa pela implementação de reformas “para que a economia seja mais atractiva ao investimento, possa gerar mais emprego, possa diversificar para outras áreas e para que seja menos informal e mais competitiva”.
No entanto, “o ritmo da implementação das reformas em Cabo Verde é muito lento”.
“As questões que estavam a ser tratadas há 20 anos ainda continuam em Pauta, como é o caso da plataforma marítima, da plataforma aérea, a agricultura como parte da cadeia de abastecimento dos hotéis... todo um conjunto de aspectos que tem a ver com o desenvolvimento empresarial e que têm estado adormecidos”.
As fórmulas “antigas” que permitiram que Cabo Verde passasse a ser um país de rendimento médio “já não são suficientes para nos levar para um nível de desenvolvimento médio/alto como é o caso de ilhas como as Maurícias que têm uma economia altamente diversificada e forte no turismo, mas têm indústria, serviços globais financeiros para o mundo. Nós nesse aspecto ainda não somos suficientemente competitivos e sem essa transformação vamos perder terreno em relação às economias que estão mais adaptadas ao contexto que parece emergir com a COVID.”
Aumento do IVA na Restauração e Hotelaria
Os empresários das áreas da Restauração e Hotelaria foram confrontados, esta semana, com a actualização do IVA de 10 para 15% e não negam que vão acabar por ser os consumidores os principais afectados por esta decisão do governo.
Remo Forte é dono de dois espaços de restauração na cidade da Praia. Em conversa com o Expresso das Ilhas aponta a surpresa que foi esta actualização.
“Tinha-nos sido disto que o IVA se ia manter inalterado e. de repente, fomos confrontados com esta actualização”, conta lembrando que também a “água subiu, assim como a electricidade, a gasolina e mesmo os bens de primeira necessidade”.
O empresário da área da restauração aponta que nos dois espaços de que é proprietário trabalham cerca de 30 pessoas. “São trinta famílias que comem e temos feito de tudo para não despedir ninguém”.
A pandemia condicionou muito a actividade “e agora, depois de termos tido de reduzir o espaço disponível por causa da pandemia, depois de termos perdido clientes, surge este aumento”, destaca este empresário que garante que tudo vai fazer para que, pelo menos para já, os preços se mantenham.
Confrontado com este aumento do IVA o presidente da Câmara de Comércio de Sotavento, Marcos Rodrigues, disse esta segunda-feira que a instituição que dirige vai propor ao Governo a descida da taxa do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) para os 10% nas bebidas e 6% nos alimentos.
O representante dos empresários adiantou que o sector da restauração atravessa ainda uma fase complicada, e agora que se desenha uma luz de alguma retoma do ponto de vista do turismo com a reabertura dos restaurantes, os empresários são confrontados com a queda do lay off, das moratórias e com o aumento do IVA para o sector.
Tendo em conta que o sector tem “enormes fragilidades e emprega muitas pessoas”, sublinhou quer é preciso ver com o Governo rapidamente quais são as condições que podem ser criadas para levar este sector da actividade a um bom porto.
Marcos Rodrigues considerou que neste momento o IVA devia situa-se nos 10% para as bebidas e 6% nos alimentos.
“Na restauração, a maior parte dos bens que é comprada para transformação não tem IVA na origem e como tal eles não têm formula de dedução. Consequentemente, se venderam um prato de comida a 1000 escudos têm de tirar 150 escudos para entregar de impostos e isso não ajuda a economia”, referiu.
Também o sector hoteleiro reclama desta actualização do imposto.
Em declarações à Rádio Morabeza os empresários do sector do turismo alertam para a possibilidade de perdas de facturação, em especial em contratos já negociados para este ano.
Em declarações à última edição do Panorama 3.0, Alexandre Novais, proprietário do hotel Prassa 3, em São Vicente, reage com estupefacção à informação do aumento do IVA.
“Para mim, esta é uma enorme surpresa. Sempre que conversei com colegas, seja profissional ou institucionalmente, foi-me dito que os 10% se mantinham. Mesmo a nível da nossa administração e contabilidade, não me foi assinalado esse valor. Agora, uma coisa é certa, parece-me que vamos num caminho completamente errado. Nós temos concorrentes fortíssimos na região do Mediterrâneo. Nesses países, a hotelaria e a restauração estão a 6%”, refere.
Alexandre Novais considera que aumentar os custos da hotelaria e actividades conexas é inadequado e penalizador nesta fase de retoma.
O empresário lembra que as reservas feitas para 2022 foram realizadas com base no IVA a 10%.
“Ou nós vamos perder estes 5% ou então haverá alguma decisão que nos permita, pelo menos, ter o tempo necessário para nos reorganizar. Uma medida dessas não pode ser, a meu ver, decidida e implementada assim, num abrir e fechar de olhos”, defende.
Questionado pela Rádio Morabeza, o ministro do Turismo e Transportes, Carlos Santos, confirma que o IVA para o sector turístico regressou aos 15%. O governante explica que está em conversações com o Ministério das Finanças para ver a possibilidade de uma medida transitória.
“O que estamos a ver neste momento, a analisar com o senhor ministro das Finanças, é a possibilidade de a taxa aplicada aos contratos que foram firmados antes de 31 de Dezembro ser ainda de 10%. Não estou a garantir isso, mas estou a dizer que se está em discussão, dentro do Governo, sobre esta matéria. Como deve imaginar, a partir do momento em que se aprova um orçamento de Estado tem que se cumprir a lei”, realça.
Carlos Santos relembra que, desde o início da pandemia, o Governo deixou de arrecadar cerca de 60 milhões de contos, devido à retracção económica, pelo que era necessário procurar o equilíbrio orçamental.
“Obviamente que nós, enquanto Ministério do Turismo, alertámos sobre a necessidade de manter a taxa do IVA nos 10%, como um estímulo e um apoio à indústria do turismo que, só agora, começa a dar os primeiros passos, mas não foi possível”, diz.
Pequeno comércio e famílias já sentem efeitos
Mas os efeitos desta crise internacional não se fazem sentir apenas a nível macroeconómico. Também se fazem sentir no dia-a-dia de pequenas empresas e das famílias.
Fred Soares, gerente de uma loja de informática na Praia, diz que para já os preços mantêm-se inalterados mas há problemas com importação dos produtos, “isso porque no exterior houve aumento do preço dos produtos de forma significativa e a alfândega também aumentou os preços”.
A pandemia de COVID-19, defende Fred, “está a atrapalhar a comercialização dos produtos para Cabo Verde, porque estamos a ter escassez no exterior e isso está a ser uma limitação para nós, visto que não estamos a conseguir ter acesso a tudo o que queremos ter aqui na nossa loja”.
Thelma Rodrigues é comerciante e vê a subidas dos preços a afectarem a subsistência diária das “famílias sem um trabalho e, portanto, sem dinheiro suficiente para suportar a subida do custo de vida. Às vezes falta comida nas suas mesas”.
Uma outra consequência é a diminuição da venda dos produtos. “Porque quando os clientes chegam e deparam com produtos caros saem sem comprar nada. A inflação é um risco para os negócios próprios já que o poder da compra é baixo”, acrescenta.
Jaquelino Lopes, por sua vez, sente que o aumento de preços é “uma afronta para os cabo-verdianos. Os salários nunca aumentam, mas os preços têm disparado e o custo de vida tem-se tornado cada vez mais insustentável”.
“Tudo isto aumenta as dificuldades das famílias, particularmente daquelas que vivem em situação de maior vulnerabilidade”.
Kalise Moreno, por sua vez, vê a subida de preços “como um dos efeitos da COVID-19 que afectou a economia mundial e tudo se tornou mais complicado. Por outro lado, acredito que há um pouco de exagero. Isto porque o preço de todo e qualquer produto tem aumentado, entretanto, os salários mantiveram-se”.
Governo, Banco de Cabo Verde e Banco Mundial têm anunciado previsões de inflação a rondar entre 1,9 e 2%. Uma meta difícil de alcançar, diz Amílcar Monteiro. “As previsões foram feitas pelas autoridades, mas eu acho que são optimistas”.
“A inflação na Europa já disparou, nos EUA já disparou, a China também está a viver esse fenómeno”, acrescenta.
“Eu acho que mesmo a projecção de crescimento do PIB sem dinâmica de reformar a administração, reformar o comércio, os transportes aéreos, sem a consolidação dessas medidas, eu não creio que nem a inflação nem a perspectiva de crescimento estejam a ser projectadas de acordo com a realidade”, conclui.
*com Fretson Rocha e Neidy Pereira (estagiária)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1052 de 26 de Janeiro de 2022.