Intervenção directa nos preços, baixa de impostos e apoio às famílias. Caminhos possíveis para enfrentar o aumento do custo de vida

PorNuno Andrade Ferreira*,27 mar 2022 8:29

(Naimcbim Woadd/Wikimedia)
(Naimcbim Woadd/Wikimedia)Naimcbim Woadd/Wikimedia)

Preços explodem e situação deve agravar-se. Economistas apresentam alternativas.

Escalada de preços, petróleo acima de 100 dólares, receio de escassez de produtos, incerteza e mercados à beira de [mais] um ataque de nervos. A invasão russa à Ucrânia não deixa ninguém indiferente e compromete a recuperação pós-pandemia. Para além da importância da Rússia para o abastecimento mundial de petróleo e gás, o papel dos dois países no sector cerealífero torna inevitável o impacto nas redes de distribuição.

O Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) fechou Fevereiro com o valor médio de 140,7 pontos, o que significa alta de 5,3 pontos (3,9%) face a Janeiro e 20,7 pontos (24,1%) acima do nível de 2021. O resultado mensal superou a marca de 2011 em 3,1 pontos e representa um novo marco histórico. Os números relativos a Março deverão apontar para o agravamento do cenário.

Cabo Verde, onde quase tudo o que consumimos é importado, está particularmente exposto. No sector alimentar – já afectado por quatro anos de seca – o aumento é generalizado e as últimas semanas agravaram uma tendência que vinha do ano passado. 

Era difícil antecipar, mas a verdade é que juntámos crise à crise. Para a economista Encarnação Rocha, não há dúvidas de que são necessárias medidas.

“Penso que o governo terá que trabalhar o mais rápido possível. Neste momento, grosso modo, está ludo liberalizado. São elementos novos na economia cabo-verdiana. Se não houver controlo, vamos ter um efeito em cadeia. Há alguns produtos com tendência de subida de 30%, o que não é pouco. As compras a nível internacional são feitas com alguma antecedência e isso pode ter mais ou menos impacto, dependendo do stock que temos neste momento e aquilo de que vamos precisar daqui para frente”, explica.

Cabo Verde tem uma economia aberta, que pressupõe intervenção mínima do Estado. Na generalidade dos casos – os produtos petrolíferos são uma das poucas excepções – os operadores importam e fixam preços livremente. Sem colocar em causa esse princípio, o economista e consultor, Avelino Bonifácio, defende que há margem para intervenção, principalmente para evitar especulação.

“Havendo alterações substanciais e sendo uma situação também conjuntural, o governo tem sempre possibilidade de interferir, no sentido de regular os preços, mas sobretudo impedir que haja especulações, porque muitas vezes as flutuações de preços também têm a ver com especulações. No caso dos produtos alimentares, para além de poder interferir através da regulação de preços, da fiscalização, também pode regular através dos impostos que são taxados à entrada, na importação desses produtos”, demonstra.

António Baptista, economista e professor da Universidade de Cabo Verde, prefere que o governo dirija os apoios às famílias mais carenciadas, evitando uma intervenção directa nos preços.

“Sinceramente, não é muito adequado interferir nos preços em si, o governo pode atribuir subsídios, tentar ajudar as famílias, principalmente as mais carenciadas, através do rendimento social de inclusão, alargar a base das famílias beneficiadas, mas a intervenção nos preços, em si, é sempre problemática, porque gera sinais deturpados para os agentes. Não que seja proibido, o governo pode criar mecanismos de subsídios directamente nos preços, reduzindo impostos, mas temos que entender a situação do governo”, comenta.

Subsidiar directamente a cesta básica é uma das possibilidades admitidas por Encarnação Rocha, mas a economista prefere que seja o governo a encontrar e implementar as soluções mais adequadas.

“Cabe ao governo equacionar a melhor saída. Se os preços continuam a subir, o salário mantém-se, as pensões mínimas continuam no mesmo nível, de certeza que terá que haver um efeito de compensação. Sabemos que não vai ser fácil, tendo em conta que há aqui uma espiral a nível dos preços”, reforça.

Nos combustíveis, e para Avelino Bonifácio, a redução da carga fiscal é uma possibilidade para aliviar a carteira dos consumidores.

“Sabemos que os produtos petrolíferos pagam impostos bastante elevados, portanto, o governo pode reduzir esses impostos, mas também pode interferir através da taxa que é cobrada para manutenção rodoviária. São mecanismos que o governo tem, sem contar com políticas sociais direccionadas para as camadas da população que quiser abranger directamente, com subsídios, compensações, etc.”, exemplifica.

Qualquer que seja o caminho escolhido, certo é que este novo choque externo acontece quando o país tenta reequilibrar as contas públicas e lançar a economia no pós-covid. António Baptista é categórico: “estamos numa situação extremamente difícil”.

“[A situação] vai exigir muita criatividade de políticas, provavelmente não convencionais. Temos que sair fora dos manuais de macroeconomia e identificar alternativas muito criativas para o Estado conseguir arrecadar as receitas necessárias para implementar políticas de curto prazo”, estima.

Reduzir ineficiências da administração pública, adiar investimentos não essenciais e com menor impacto na criação de emprego, cortar gastos supérfluos. Medidas que, para o economista, poderão mitigar o inevitável embate desta nova prova de resistência.

*com Fretson Rocha e Lourdes Fortes 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1060 de 23 de Março de 2022. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira*,27 mar 2022 8:29

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  10 dez 2022 23:27

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