Numa conjuntura externa de elevada incerteza, o Banco de Cabo Verde fala em crescimento das vulnerabilidades estruturais e conjunturais do país e no aumento da probabilidade de materialização de riscos. O Relatório de Estabilidade Financeira, agora conhecido, caracteriza a evolução do cenário económico e financeiro, interno e externo, identifica as vulnerabilidades e avalia os riscos e ameaças para a estabilidade do sistema financeiro.
No sector bancário, continuam alguns factores de risco – já identificados em anos anteriores – como: (i) a concentração do funding num número reduzido de provedores de financiamento; (ii) a concentração do crédito num número reduzido de devedores; (iii) o aumento da ligação entre o sector público e o sector bancário; e, (iv) as interconexões entre instituições financeiras e outros sectores económicos.
O funcionamento adequado do sistema financeiro é condição necessária para o eficaz desempenho e crescimento da economia. Os riscos e as vulnerabilidades do sistema financeiro nacional aumentaram em 2022, refere o documento, por causa do complexo quadro geopolítico internacional, resultado do prolongamento da guerra na Ucrânia, da persistência das tensões inflacionistas e da implementação de medidas restritivas de política monetária para conter a inflação nos principais parceiros económicos.
Principais vulnerabilidades do sistema financeiro
O relatório identifica sete fragilidades como as mais importantes, a começar pela forte dependência externa do país, enquanto pequena economia aberta, sujeita a choques externos adversos [as repercussões da espiral inflacionista resultou num aumento significativo dos preços internos, com uma taxa média de 7,9 por cento nos últimos doze meses, a maior em duas décadas].
Outra fraqueza é o elevado nível de crédito em incumprimento no balanço das instituições bancárias [apesar da tendência de redução da proporção de créditos em incumprimento em relação ao total de crédito, para níveis de um dígito, o rácio em Cabo Verde ainda se mantém acima da média das pequenas economias insulares e continua a ser mais elevado do que os valores observados nas Maurícias e Seicheles].
A deterioração da situação financeira do sector não financeiro, isto é, de famílias e particulares, é outra debilidade [apesar do aumento do rendimento disponível das famílias, verificou-se uma redução, embora ligeira, da poupança. As empresas enfrentaram aumentos nos custos de produção, devido à espiral inflacionista, além da diminuição do volume de negócios e restrições na oferta. Tanto as empresas como as famílias também tiveram uma redução nos benefícios governamentais e o fim da política de moratórias].
O elevado nível de concentração bancária nos mercados de crédito e de depósitos é, igualmente, uma vulnerabilidade [a situação reflecte a elevada exposição a operações de maior risco e a dependência de financiamento de depositantes institucionais, o que pode aumentar o risco sistémico e de contágio para todo o sistema bancário, afectando, assim, a estabilidade financeira].
Também considerada fraqueza é o elevado nível de endividamento público e do vínculo entre a banca e o Estado [a exposição da dívida soberana bancária aumentou para 23,4% dos activos do sistema bancário em 2022 (21,1% no ano anterior). Essas circunstâncias colocam forte pressão sobre o sector público para cumprir as suas obrigações contratuais com o sector bancário, mas o espaço fiscal é limitado, o que configura um alto risco soberano].
BCV aponta ainda a crescente digitalização dos serviços bancários e da oferta de novos produtos financeiros [o desenvolvimento contínuo da digitalização dos serviços bancários e da oferta de novos produtos financeiros, com a mudança nos regimes de trabalho, a adopção de regimes híbridos (online e presencial) ou de simples acesso remoto, pelas empresas, na sequência da pandemia aumentou significativamente a exposição ao risco cibernético e potenciou o risco de eventos de cibercrime].
Por último, a emergência das alterações climáticas [a forte exposição do país a riscos físicos (secas prolongadas, vagas de calor, ocorrência de cheias e o risco de elevação do nível do mar e de furacões) condicionam a actividade económica e impactam o PIB].
Os resultados dos stress tests – exercícios para testar a capacidade de os bancos absorverem perdas não esperadas provocadas por choques hipotéticos, como recessões económicas, crises pandémicas, entre outros – apontam para a necessidade de reforço de capital de mais de metade dos bancos do sistema, em caso de falência dos principais devedores. Em qualquer dos cenários considerados, a falência dos principais devedores levaria o rácio de capital do sector para níveis muito inferiores ao regulamentar.
Indicadores Económicos e Financeiros Agosto, 2023
O segundo relatório que o BCV pôs cá fora refere uma evolução menos favorável da actividade económica nacional no segundo trimestre de 2023 – O Boletim de Indicadores Económicos e Financeiros possibilita um acompanhamento dinâmico da realidade macroeconómica do país.
Os indicadores sugerem uma moderação da procura interna em termos homólogos, relacionado com a desaceleração do consumo privado. O impacto adverso da alta inflação sobre os rendimentos continua a condicionar a evolução da procura interna.
De acordo com o INE, o PIB, em volume, cresceu 6,7% em termos homólogos no primeiro trimestre de 2023, apresentando um abrandamento face ao crescimento de 9,5% registado no trimestre anterior.
As pressões inflacionistas continuam a reduzir em Junho com as taxas de inflação homóloga e média anual a fixarem-se em, respectivamente, 3,5% e 6,8% (5,6% e 7,8% em Março de 2023), o que traduz o perfil descendente dos preços dos produtos alimentares e energéticos no mercado internacional e a fraca procura.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1134 de 23 de Agosto de 2023.