O Grupo Banco Mundial (GBM) está a trabalhar “arduamente” para evitar o risco de uma ´década perdida’ no continente africano. Garantia deixada pelo presidente da instituição, David Malpass, no final da semana passada, durante um encontro com jornalistas da África Ocidental e Central. Vacinas, dívida e economia são áreas de acção prioritárias.
A consciência de que a covid-19 pode originar, para a generalidade dos países africanos, atrasos e retrocessos mais do que circunstâncias começou a consolidar-se nos últimos meses, perante o arrastar da crise sanitária, com todos os seus danos transversais a outras áreas e face às disparidades na distribuição das vacinas.
Já este mês, a UNICEF explicou que os impactos da pandemia serão assumidos pelas crianças africanas, com o seu futuro.
Em Paris, na semana passada, durante a cimeira França-África, a directora-executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, reforçou a necessidade de uma “mobilização global para ajudar África”.
Questionado pelo Expresso das Ilhas, David Malpass é claro.
“A própria covid foi um revés historicamente grande, particularmente prejudicial para os mais pobres e mais vulneráveis. Desse ponto de vista, reconhecemos que serão necessários anos para recuperar algumas das perdas”, refere.
Sobre a campanha global de vacinação contra o SARS-CoV-2, e numa altura em que, contas da Organização Mundial de Saúde, 70% das doses já administradas foram aplicadas em apenas 10 países, Malpass apela a uma melhor distribuição de imunizantes.
“Temos de iniciar a vacinação em mais países e isto significa termos fornecimento e significa aqueles que têm excesso de doses libertarem essas doses. Também significa utilizar programas que estão prontos, como os programas do Banco Mundial, para levar a vacinação às pessoas em todos os países. Este é um ponto de partida fundamental”, explicou ao Expresso das Ilhas.
Cabo Verde é um dos seis países africanos com programas de financiamento aprovados junto do Banco Mundial para compra de vacinas. No total, até ao momento, 38 estados do continente submeteram dossiers para beneficiar dos 12 mil milhões de dólares disponibilizados para as campanhas de vacinação.
Dívida e economia
Em Abril, a agência de notação financeira Scope Ratings alertou para a necessidade de se definir um modelo de alívio das dívidas africanas capaz de as tornar sustentáveis, para lá das moratórias que, no limite, mais não fazem do que adiar o problema.
O G20 foi rápido no adiamento dos pagamentos, mas mostra-se menos disponível para um alívio definitivo. A actual estrutura das dívidas complica a sua eventual renegociação, que terá que contar com o envolvimento do sector privado.
“É necessária uma solução permanente para reduzir o stock da dívida nos países mais pobres. O Banco Mundial e o FMI estão a coordenar o apoio ao G20 na implementação do Quadro Comum [de Tratamento da Dívida]”, nota o presidente do GBM.
Lançado em Novembro, o Quadro Comum é um passo em frente face à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI, na sigla em inglês), antes disponível. O foco, refere David Malpass, passa por evitar erros do passado.
“Muitas vezes, o termo ‘década perdida’ é aplicado à América Latina, nos anos 80. Estamos a esforçar-nos para evitar a situação que ocorreu nessa crise em que, ano após ano, as dívidas foram reescalonadas, empurradas para o futuro, mas nunca realmente reduzidas. Assim, o novo investimento não entrou porque se percebeu que ia acabar por ser utilizada para pagar dívidas contraídas anteriormente”, recorda.
No capítulo da economia, Malpass assinala oportunidades que os países africanos poderiam aproveitar de forma mais efectiva.
“Muitos países poderiam estar a fazer coisas em termos de digitalização, em termos de facilitação do comércio, na unificação das taxas de câmbio, na melhoria do clima empresarial, nas infra-estruturas”, comenta.
No caminho para a recuperação e num cenário pós-covid, o GBM quer que as alterações climáticas seja parte da equação. Em 2030, na África Ocidental e Central, mais 26 milhões de pessoas poderão estar abaixo da linha da pobreza, devido às mudanças nos padrões do clima.
Desde o início da pandemia, o Banco Mundial já disponibilizou mais de 24 mil milhões de dólares a países africanos, através de vários mecanismos de resposta à situação sanitária e económica.
Perante a complexidade do actual momento e consciente dos desafios que se avizinham, o apelo de David Malpass resume-se numa frase: “encorajo cada país a trabalhar para evitar uma década perdida, que ainda é um risco para o continente”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1017 de 26 de Maio de 2021.