A Índia, depois do Reino Unido e de vários estados nos EUA, vai estar também em lockdown nos próximos 21 dias. No Brasil o vírus foi detectado nas favelas e na África já chegou a mais de 40 países. Tendo em conta o impacto terrível que o vírus já teve nos países desenvolvidos dotados de sistemas de saúde robustos, imagine-se o que não será nas regiões menos desenvolvidas do globo com problemas graves de pobreza e habitação e com estruturas sanitárias precárias. Depois de o novo coronavírus ter tratado todos por igual independente da nacionalidade, riqueza pessoal ou estatuto social, espera-se que um sentido de solidariedade reacenda em todo o mundo e se faça sentir com força e atempadamente nos países mais frágeis. O vírus da Covid-19 veio lembrar a todos a nossa humanidade comum. Há que assumi-la e agir em consequência encontrando as melhores formas de cooperação tanto entre as nações como entre as pessoas dentro de cada país.
Na situação difícil actualmente vivida em que por todo o lado se trava uma luta cerrada contra o novo coronavírus, uns apostados na supressão dos efeitos do vírus com a instauração do distanciamento social e outros na contenção via testes e identificação de surtos de transmissão, há uma preocupação comum: salvar vidas, mas também salvar a economia. Conciliar medidas num e noutro sentido de forma e atingir esses dois objectivos em simultâneo não é tarefa fácil. Haverá sempre sacrifícios e contrapartidas. Para os suportar há que procurar manter a coerência e a paz sociais necessárias para as pessoas continuarem confiantes e se disponibilizarem para mudar hábitos e aceitar restrições diversas. Contribuirá certamente para isso algum sucesso alcançado na contenção dos efeitos negativos do desemprego e da perda de rendimentos que resultaram da queda brusca da procura interna e externa provocada pela Covid-19 e do impacto dessa quebra no volume de negócios das empresas. Da eficácia das medidas preconizadas irá depender em muito que se mantenha a confiança das pessoas na governação e que se se consiga conservar o tecido empresarial necessário para depois de passada a crise se proceder à retoma da actividade económica. Considerando tudo o que está em jogo, não há dúvida que quebrar as redes de transmissão do coronavírus sem, no processo, paralisar a economia é sem dúvida o grande desafio com que os governantes em todos os países do se veem hoje confrontados.
Desde que a pandemia começou que tem sido assim. Em Cabo Verde a questão tem sido sempre até onde manter activos os fluxos turísticos que produzem milhares de postos de trabalho e têm efeito de arrastamento no resto da economia sem agravar excessivamente os riscos de contaminação. Infelizmente apesar das medidas tomadas semanas atrás de paralisar os voos para a Itália e de se ter aumentado o controlo sanitário nos aeroportos, o país nesta última semana teve que encarar o facto de que a Covid-19 já chegou aqui. Dos três casos positivos todos eles importados já se registou um morto. Não se sabe ainda se mais alguém foi infectado, se houve casos de transmissão do vírus e se tudo ficou na Boa Vista. A ilha foi posta em quarentena, mas ninguém pode garantir à partida que o vírus não foi levado para outras ilhas, considerando que não havia restrições nas comunicações inter-ilhas.
É verdade que tratando-se de uma pandemia era uma questão de tempo para que a doença chegasse cá. A forte ligação com o exterior através do turismo que move milhares de pessoas tornava o país permeável a uma importação directa da doença em particular nas ilhas de acolhimento dos turistas. Conhecendo os riscos, espera-se que as autoridades tenham um plano de acção com meios para identificar com rapidez eventuais surtos de contágio e que também inclua a capacidade de contenção dos mesmos de modo a evitar transmissão para as outras ilhas. Cabo Verde é um país arquipélago e todas as ilhas não têm os mesmos recursos para responder às epidemias. Por isso, há-que, perante qualquer ameaça, estabelecer atempadamente barreiras defensivas para as mais desprotegidas sob pena de o país vir a sofrer perdas humanas e materiais desproporcionais numa resposta apressada e não planeada. Neste sentido, o controlo aéreo e marítimo nas ligações inter-ilhas é fundamental assim como também o é ter os meios aéreos e marítimos para responder a qualquer emergência das ilhas. Infelizmente é um aspecto central da segurança nacional cuja realização tem sido sistematicamente protelada.
Depois dos casos positivos do novo coronavírus, o aparecimento de surtos nas diferentes ilhas coloca problemas extremamente complicados ao país considerando as fragilidades de que padece. O governo já declarou o estado de contingência, mas dependendo de como a situação vier a evoluir poderá ser elevado para o estado de emergência. Entretanto, já um forte apelo para o distanciamento social e medidas diversas foram tomadas em vários sectores da vida social e cultural para se evitar ajuntamento de pessoas e diminuir a circulação de pessoas. Ontem, terça-feira, o governo, os sindicatos e os representantes do patronato acordaram num conjunto de medidas que visam proteger os trabalhadores em vias de perder emprego e proteger empresas ligadas à aviação, turismo, hotelaria e restauração com problemas de liquidez nesta conjuntura caracterizada pela quebra acentuada no volume de negócios. Na calha para ser ajudados estarão muitos novos empreendedores nas pequenas e microempresas, os trabalhadores independentes e os muitos ocupados no sistema informal. A verdade é que é fundamental neste momento e nos próximos tempos garantir que todos tenham algum rendimento.
O problema são os custos disso tudo versus eventuais custos da inacção. É um facto que custos de fazer agigantam ainda mais a dívida pública externa num país sem muito espaço para se endividar. Para não ter que se ver nesse dilema é fundamental que o país aja rapidamente para conseguir ajuda junto das organizações multilaterais e internacionais ao mesmo tempo que deverá reforçar a cooperação bilateral com os parceiros mais próximos para poder enfrentar a pandemia e poder logo que a “tempestade” passar vir com outro ânimo e urgência retomar o processo de desenvolvimento. Simultaneamente um apelo forte deverá ser dirigido às comunidades cabo-verdianas no exterior no sentido de estreitar ainda mais os laços de solidariedade. Podia também ser uma oportunidade para os bancos e as telecom nacionais se abrirem a propostas inovadoras que facilitem transferências de pequenas quantias a baixo preço entre os residentes no país e as comunidades no exterior. Tempos de maior stress e necessidade sempre foram catalisadores de uma maior aproximação e identificação entre os cabo-verdianos. Já que os temos de enfrentar, procuremos fazer o nosso melhor no sentido de mais paz e solidariedade no mundo.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 955 de 25 de Março de 2020.