LEGISLATIVAS 2021 – Entendendo os resultados

PorAntónio Ludgero Correia,26 abr 2021 7:46

“Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.” Leon Tolstói

Cumprida que foi a segunda etapa do ciclo, aberto pelas eleições locais de 25 de outubro, só resta uma incógnita a desvendar, qual seja a de se saber o nome e o sobrenome do novo inquilino do Palácio do Platô.

Mas importará fazer a leitura dos resultados das eleições gerais de Domingo último e tentar compreender de onde virá a desilusão e o espanto que vejo estampado na face de alguns militantes do PAI e de algunscidadãos, face à derrota do partido da estrela negra. Dizem-me que esperavam mais, em função do resultado das autárquicas de outubro e da boa campanha eleitoral que o partido fez.

Mas os resultados terão sido tão surpreendentes assim?

A verdade é que o PAICV perde as eleições, mas consegue um bom score, aliás, como já acontecera nas eleições locais. Não ganhou as eleições gerais, como não ganhara as eleições locais: das 22 autarquias locais em disputa, quantas ganhou o PAICV? E quantas ganhou o MpD? O sucesso do PAI nas autárquicas teve a ver com a multiplicação das Câmaras Municipais que passou a governar e, principalmente, por ter arrebatado as três Câmaras Municipais da região Santiago-Sul, com destaque para a emblemática Câmara da Capital. Um sucesso, sim senhora, tendo em conta o ponto de partida e altura a que a fasquia teria sido colocada; mas falar de vitória só, e só se, aceitarmos conceitos como vitória relativa e/ou vitória moral. É que apesar da brilhante prestação do PAI naquelas eleições, o MpD continuou sendo a maior força no âmbito do poder local.

Nas eleições de Domingo último, porém, não conseguiu levar de vencida Santiago-Sul, conquanto tenha conseguido aumentar o numero de deputados no círculo. Razão aparente: teve pela frente um MpD mais atento e menos, muito menos, arrogante.

A narrativa intensa e apresentada de forma agressiva pela líder do PAICV e seus compagnons de route pode até ter funcionado, mas não terá sido suficiente para camuflar os laivos de populismo que vieram à tona e nem foi capaz de convencer o eleitorado sobre a forma como seriam financiados os programas e projetos prometidos, adentro do quadro catastrófico que descrevia para a economia cabo-verdiana.

Ademais a dra. Janira Hopffer Almada não conseguiu convencer o eleitorado de que seria uma alternativa credível a Ulisses Correia e Silva. E enquanto a líder do PAICV quebrava laços intergeracionais fundamentais, abria mão da oportunidade de casar a experiência da veterania com a irreverência da juventude, o líder do MpD conseguiu (re)unir o MpD. E terá também faltado a JHA malícia e algum savoir-faire quando tentou fazer tábua rasa dos impactos da pandemia e da estiagem prolongada.

Apesar do grande crescimento em Santiago-Sul, nem se poderá dizer que o PAICV tenha melhorado a sua relação com o eleitorado urbano, já que continuou sendo ultrapassado pela UCID em Sanvicente e tendo sido cilindrado na turística ilha do Sal.

Desta feita, nem dá para reivindicar vitória relativa e/ou moral face a fasquia colocada lá em cima – vitória e maioria absoluta.

Por seu lado, o MpD beneficiou-se do facto de termos um eleitorado inteligente e que não vai facilmente em cantigas, conquanto tenha ficado a saber que vai estar sujeito a um escrutínio mais apertado e que a sua margem de manobra ficou reduzida, apesar da maioria absoluta.

Ter-se-á, também, beneficiado de algum conservadorismo e de muita cautela do eleitorado nacional, traduzido na máxima “pa pior ki keli dexa keli mé” e do facto de Ulisses Correia e Silva estar tendo sucesso no processo de transição do MpD da condição de frente política para a de partido político.

O eleitorado do Noroeste cabo-verdiano, das ilhas rasas e do interior de Santiago abraçou a proposta de segurança e continuidade - para a construção da resiliência à estiagem e às alterações climáticas; à pandemia; e à insularidade e aos choques externos - submetida pelo MpD de Ulisses Correia e Silva.

Mas apesar do desejo das forças políticas que militam na órbita externa do poder e de alguns setores do eleitorado, não foi desta que quebramos a bipolarização. Nem abandonamos o caminho da estabilidade governativa, votando no sentido da instalação de um governo minoritário que ficasse à mercê de chantagens e de joguinhos de poder.

Aliás, a bipolarização continuará instalada, e confortável, enquanto a UCID não deixar de ser um partido regional e/ou conseguir atingir um score que lhe permita ter uma bancada com todos os benefícios inerentes.

Já agora, porque não promover, em nome da boa vontade, alterações na lei permitindo que uma representação com 04 (quatro) deputados possa se organizar em grupo parlamentar, já nesta legislatura?

E, last but not least, já vai sendo tempo de se estabelecerem mínimos para a participação em eleições gerais. Para a dignificação do pleito e para a imunização do sistema.

Face à ameaça, sempre presente, de grupos marginais, nadando em dinheiro sujo, poderem assumir determinadas siglas para chegarem ao parlamento e, no limite, ao controlo do poder, vão ser precisas medidas que, sem tolher a liberdade de quem quer que seja, garantam que o sistema não seja infiltrado por indesejáveis, ávidos por conquistar um espaço que lhes permita minar, por dentro, o estado de direito e dar vazão a seus instintos predadores. Estão imaginando o tamanho do perigo?

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1012 de 21 de Abril de 2021. 

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Autoria:António Ludgero Correia,26 abr 2021 7:46

Editado porAndre Amaral  em  3 fev 2022 23:20

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