“Não governo a pensar em ciclos eleitorais” - PM

PorJorge Montezinho,3 ago 2019 9:07

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Esta quarta-feira debateu-se, no Parlamento, o estado da nação. Tempo para balanços, para falar do que foi feito e do que ficou por fazer. Para se avaliar a situação do país nas mais diversas áreas: da economia à sociedade, passando pelo emprego, a educação, os transportes, a segurança. Nesta entrevista exclusiva, realizada na passada quinta-feira, o Primeiro-Ministro diz ao Expresso das Ilhas como encontrou o país, como está Cabo Verde agora e qual será o futuro do arquipélago (parte I)

Começava por 2016, como encontraram o país e que reformas considera mais estruturantes?

Encontramos um país a crescer à taxa de 1 por cento e por um período relativamente longo, estamos a falar de 2009 até 2015, o que representa para um país como Cabo Verde não só não criação de riqueza, mas uma situação complicada. Quando temos a população a crescer à volta dos 2,4 a 2,5 por cento, um crescimento económico de 1 por cento gera pobreza. Portanto, a recessão económica era um facto, o endividamento do país estava muito elevado, cerca de 130 por cento do PIB, o nível de segurança do país, particularmente na cidade da Praia, tinha traços de alguma preocupação. Como é evidente, a vida das pessoas é afectada por esses indicadores, seja a nível de rendimento, seja da profundidade da pobreza, seja da tranquilidade. Esses factores criaram-nos a necessidade de reformas e políticas, sem contar com o risco fiscal que a TACV representava.

Considera que a extinta TACV era muito mais do que um problema de transportes?

Falava-se, de facto, da TACV, como um problema de transporte. Também era, sim, mas transformou-se num problema fiscal, de tal forma que tivemos durante muito tempo ajuda orçamental do Banco Mundial, por exemplo, congelada por causa da situação da TACV. E só conseguimos desbloquear esse problema este ano. No fundo, o quadro, quer o macroeconómico quer o social, era de alguma preocupação. E a reformas foram nesse sentido: inverter a tendência e criarmos um caminho de maior sustentabilidade.

E acha que isso foi conseguido?

O quadro macroeconómico hoje é estável, reconhecido pelas instituições internacionais, o FMI, o Banco Mundial, o BAD, o GAO, o país cresce cinco vezes mais, está a gerar emprego, apesar de dois maus anos agrícolas, é preciso dizer que em 2017 tivemos a pior situação em termos de produção agrícola desde 1982, com uma quebra de 22 por cento e a perda de quase 14 mil empregos. Mesmo assim o país cresceu, a situação no campo foi mitigada e a economia dá mostras de vitalidade. Este cenário mostra bem a inversão da tendência e a evolução da trajectória. A TACV que era um risco fiscal elevado hoje está em condições de operar, aumentou o número de aviões, operacionalizamos o conceito de hub, demonstrando mais uma inversão de uma tendência que estava a ser catastrófica, não há outra palavra para retratar a condição dos transportes e a credibilidade e a imagem do país. Em relação à segurança, hoje estamos também numa situação melhor, de mais tranquilidade, apesar de algumas situações que existem.

Senhor Primeiro-Ministro, se ouvir as pessoas, elas não têm essa opinião em relação à segurança. Pelo menos na Praia, não há essa tranquilidade de que fala.

Essa perceção de medo de ser atacado em qualquer lugar e em qualquer momento já não existe, sente-se isso. Até porque reforçamos os meios de segurança, instalamos a videovigilância, a própria motivação dos polícias é diferente, os meios disponibilizados têm tido efeito. O que existe são alguns fenómenos, como foi o caso de desaparecimento das crianças que está ainda sob investigação da Procuradoria-Geral da República, mas a vida social, a vida nas ruas, de noite ou de dia, mudou significativamente e essa é uma percepção sentida e vivida pelas pessoas.

Voltando ao início, tiveram várias situações complicadas num curto espaço de tempo: Monte Txota, Novo Banco, Casa para Todos, dívidas do Estado às empresas e às instituições internacionais, a seca, barragens com problemas. Como escolheram as prioridades?

A prioridade foi o nosso programa. Temos um programa de cinco anos que está sustentado em reformas e em políticas, mas os governos não governam apenas pelas reformas, é preciso resolver problemas. E nós tivemos de resolver vários problemas, alguns enunciou, como o Casa para Todos, com um volume de dívida mesmo em condições concessionais elevado. E temos estado a resolver, há casas inacabadas, outras acabadas mas sem redes de esgotos, tivemos que ir resolvendo, assim como a questão da elevada dívida pública, que tivemos de colocar numa trajectória descendente. São problemas que fazem parte da herança recebida que fomos resolvendo e temos estado a resolver. Mas mais importante foram as reformas. Conseguimos inverter a tendência do crescimento porque hoje, e desde 2017, há mais confiança na economia e a confiança é um factor gerador das mudanças da trajectória de crescimento. Quando o investidor acredita, confia e investe ou expande o seu investimento. Quando há confiança, há mais investidores a virem, porque confiam nas políticas e na consistência das políticas. Esse é um elemento fundamental das alterações que foram introduzidas para que o país pudesse crescer. Outros elementos têm a ver com o próprio ecossistema de financiamento, do ambiente de negócios, que não é apenas o Doing Business, é uma fiscalidade mais amiga em termos de impacto na tesouraria das empresas, são os incentivos fiscais, provocamos efeitos para ter impactos nos investimentos. É um ecossistema de financiamento essencialmente virado para criarmos as condições para que os nossos empresários nacionais tenham também condições de financiamento e de acesso a financiamento. Hoje, pequenas, médias, micro e grandes empresas têm mecanismos criados e está a produzir os seus efeitos.

Mesmo assim, o desemprego continua elevado. Houve medidas para combater o fenómeno, mas sinceramente acha que foram encontradas soluções, ou houve apenas paliativos?

Não acho que sejam paliativos.

Mas a verdade é que esse crescimento económico não teve reflexos no aumento do emprego.

Podíamos estar com emprego acumulado nestes três anos à vota de trinta mil empregos, mas só no campo houve a destruição de cerca de 14 mil, que podia estar no sentido contrário, e nem falo que houvesse bons anos agrícolas, mas pelo menos que fossem anos normais. Como disse, estamos com uma seca que só se sentiu em 1982. Este é um dos factores. Depois, é evidente que o stock de desemprego não desaparece de um dia para o outro. O efeito do crescimento económico é acelerador, vai provocando impacto, mas não há aritmética nesta questão. Cresce 5 por cento, aumenta x por cento de emprego, isso não existe. O que há é tendências, impactos, que depois irão provocar o efeito positivo na geração em emprego. E aqui estamos com um crescimento apesar do constrangimento dos maus anos agrícolas, que não podemos desprezar. A tendência é boa, há políticas assertivas para a criação de emprego. Quanto mais investimentos privados – e estamos com essa tendência e vão aumentar – mais geração de oportunidade de emprego. Depois temos as políticas dirigidas aos jovens: formação, estágios profissionais, promoção do empreendedorismo, a massificação de ofertas, tudo isto cria condições para que o emprego ganhe dinâmica, principalmente o emprego que não depende do investimento público, mas o gerado pelas empresas e pela economia. É isso que está a acontecer e a tendência é que vai aumentar nos próximos anos.

Fala de tendência, porque são projectos que levam o seu tempo. Eu percebo a estratégia: acesso ao financiamento, formação, parques industriais, mudanças fiscais, alfandegárias. Mas isso não vai acontecer amanhã. Acha que os cidadãos conseguem esperar? Não acha que as manifestações que têm acontecido nas várias ilhas são um sinal que as pessoas perderam a paciência?

O problema não é o tempo. E as manifestações não devem ser exageradas. Repare, somos mais de 560 mil cabo-verdianos, por isso não podemos pegar numa amostra – as manifestações – e dizer: esta é a imagem do país, porque não é.

Não era isso que eu estava a dizer.

Eu sei, mas há alguns que fazem esse exercício. Mais, nós não gerimos o tempo em função da pressão eleitoral. É o tempo para fazer as reformas e produzir resultados de uma forma sustentável. E este país precisa disso. Os paliativos servem para produzir efeitos imediatos e depois desaparecem. Dou-lhe um exemplo de que estamos no caminho certo: em São Vicente, o pacote de investimentos que está previsto para a construção de hotéis de referência vai criar cerca de 1114 empregos indirectos e 640 empregos directos, estamos a falar de 863 novos quartos, e isto vai acontecer entre 2020 e 2021, isto vai mudar o panorama de São Vicente, ilha que precisa de investimentos privados, precisa de economia e isso não aparece de um dia para o outro.

E está a aparecer agora porquê?

Porque nos esforçamos. Por apresentamos São Vicente como um destino turístico e fomos procurar investidores. O grupo Marriott aparece porquê? Por acção efectiva e intencional do governo em trazer um investidor de referência. Na Matiota, em Salamansa, vão investir porquê? Primeiro, porque são empreendedores nacionais, mas também porque o governo criou as condições para que eles tivessem acesso a financiamento. Isto são projectos que vão acontecer. Há outros empreendimentos que estão em curso e também vão gerar emprego. Não se pode por o país sob stress do interesse de alguns. Não se pode encurtar a vida de um país em dois ou três anos, a vida de um país é longa, o percurso é longo, os resultados têm de ser geridos no médio prazo. Não estamos a criar só expectativas, há factos concretos. Depois é preciso ver os dados. Porque trabalha-se muito na base de percepções, de “achismo” e o “achismo” interessado, de acordo com a conveniência daqueles que acham. Portanto, é ver os dados, ver as estatísticas, e ver qual tem sido a dinâmica de investimentos em Cabo Verde. Está tudo resolvido? Não, mas a tendência é o que é mais importante e o país está a crescer e a desenvolver-se. Costumo dar o exemplo do carro, não se entra numa viatura e arranca logo com a 4ª velocidade, mete a 1ª, depois a 2ª, a 3ª… É este o percurso que estamos a fazer para que a economia cresça mais, com mais criação de emprego e de forma mais equilibrada. O panorama está melhor que há 15 anos e está melhor do que em 2016. Isso não há dúvida.

Acha que a contestação não representa o sentimento dos cabo-verdianos?

Como lhe disse, somos quase 600 mil e temos dados, isto não é “achismo”, não é o interessado a fazer a sua própria avaliação. Temos dados científicos, objectivos e desinteressados. Portanto, não fico condicionado por causa de manifestações, se não os governos na Europa não estariam de pé. Não avalio motivações. O país mudou, há mais pressão no facebook, que não existia há dez anos.

Está a dizer que é uma minoria ruidosa?

É a minoria que usa os seus instrumentos, nós não podemos é ficar condicionados, ou em stress, porque há manifestações de dois ou três lados. Em Portugal quantas manifestações há por dia? Em França? Mas os governos continuam a funcionar. Porque não há uma tendência de extrapolar, de dizer que há caos, que há instabilidade. Quem faz esse discurso? É a parte interessada, geralmente a oposição que cavalga sobre as manifestações.

Mas há a pressão da crise, das pessoas que esperam ver as suas vidas a melhorar e não vêem.

Não vivem numa crise. Já viveram numa crise pior. Esta pressão está a ser induzida. Assim que apresentamos o nosso programa a oposição começou logo a perguntar: quando? A tentar encurtar o nosso mandato, dando ideia que é de um ano, ou dois, ou três. É de cinco. Os resultados estão a acontecer e o país está melhor do que em 2016, graças ao trabalho e ao esforço dos cabo-verdianos, à nossa capacidade empreendedora e graças às políticas do governo. Isto conta. Há que fazer avaliações para além das partes interessadas para podermos apurar o que é o sentimento dos cabo-verdianos de uma forma geral e não apenas de uma parte.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 922 de 31 de Julho de 2019. 

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Autoria:Jorge Montezinho,3 ago 2019 9:07

Editado pormaria Fortes  em  27 abr 2020 23:21

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