Coronavírus: Cabo-verdianos na China estão apreensivos

PorAndre Amaral,2 fev 2020 9:00

Cabo-verdianos residentes em Wuhan estão a ser acompanhados pela embaixada de Cabo Verde na China por causa da epidemia de coronavirus que já causou a morte a mais de 100 pessoas. Naquela cidade vivem 16 estudantes cabo-verdianos. OMS admite erro e altera risco mundial de moderado para elevado.

Lilyan Barros está a estudar em Wuhan há sete anos onde se encontra a fazer um mestrado em Linguística aplicada depois de ter concluído o seu curso de licenciatura.

Em conversa telefónica com o Expresso das Ilhas, Lilyan explica que “da parte dos estudantes não há grandes mudanças” na sua vida diária. “Continuamos a trabalhar na prevenção e a seguir as instruções das autoridades e das escolas. Claro que com o passar dos dias e o aumentar dos casos, do número de mortos principalmente, o medo aumenta. Mas acho que isso é normal”.

Estudante de mestrado na cidade de Wuhan, epicentro da doença, Lilyan refere que da parte das autoridades chinesas “soubemos que já começaram a fazer investigações mais profundas em relação ao vírus”. “Disseram-nos para mantermos a esperança porque as coisas podem mudar para melhor”.

Esta foi a primeira semana desde que fecharam a cidade de Wuhan, a sétima maior cidade chinesa com cerca de 11 milhões de habitantes que agora tem as ruas desertas e as prateleiras dos supermercados vazias. Para Lilyan “o aumento de casos não é necessariamente um mau sinal, é sinal de que as autoridades estão a fazer um melhor trabalho de despistagem. É essa a mensagem que as autoridades chinesas tentam passar”.

Da parte do governo de Cabo Verde esta estudante refere que há orientações para “seguirmos as indicações das chinesas”. “A embaixada diz que está em contacto constante com o governo para seguir a nossa situação”, acrescenta.

“No total somos 16 estudantes em Wuhan mas, devido ao período de férias – a China comemora por estes dias o Novo Ano Lunar – há três estudantes que não estão em Wuhan, que também estão bem, que saíram antes desta época de maior contágio”, aponta ainda esta estudante. “Os outros que estão aqui também estão bem. Estamos todos em quarentena praticamente. Só saímos quando é extremamente necessário, mantemos o contacto diário na plataforma WeChat, por estarmos em diferentes universidades é a única forma de sabermos como é que os outros estão”.

Em Shangai, cidade litoral com 24 milhões de habitantes e que dista cerca de 830 km de Wuhan, tem sido a residência de Veríssimo Bettencourt no último ano.

Treinador de basquetebol naquela cidade, Veríssimo já tem regresso marcado para Cabo Verde para este fim-de-semana.

“Aqui em Shangai vive-se um clima de tensão igual às outras cidades chinesas. O número de casos tem vindo a aumentar gradualmente como nas outras cidades e províncias chinesas. Não é tão alarmante como em Wuhan mas os casos vão aumentado”, relata Veríssimo.

Numa cidade com as dimensões de Shangai os problemas de abastecimento de alimentos e outros bens já se começam a fazer sentir.

“Em termos de contingência alimentar já se vai sentido nos supermercados a falta de alguns produtos e, tal como em Wuhan, já não existem máscaras à venda, já não existem luvas. O álcool etílico que usamos para desinfectar já não se vende nas farmácias”, relata.

A vida diária é feita em casa e as saídas à rua só acontecem quando é realmente essencial, especialmente agora quando começam a faltar materiais de protecção. “Não sendo impossível é imprudente», explica Veríssimo Bettencourt. «Há um médico chinês que colocou um vídeo online em que mostra às pessoas como fazer pequenas máscaras usando produtos que têm em casa como papel higiénico. Estamos numa situação em que não há máscaras no mercado e as pessoas precisam de ir à rua”.

As autoridades chinesas diariamente fazem comunicações e actualizam as informações, “mas para dizer a verdade eu não acredito em tudo o que vejo online. A China é um país que depende muito do seu comércio e os países de primeiro mundo, como a China, fazem coisas e tomam decisões de não divulgar todas as informações”.

“Há um comunicado a circular que diz que a partir do passado dia 26 é preciso muito cuidado com as informações que divulgamos em massa. Imagino que seja uma medida de precaução, porque existem muitas informações falsas”, acrescenta ainda Veríssimo Bettencourt.

A corrida às lojas também já começou em Shangai. “As pessoas estão a ir às lojas tentando comprar o máximo de coisas para ter em casa. Nós aqui em Shangai estamos dependentes dos nossos meios. Os que estão nas escolas, mesmo em Wuhan onde vivi durante três anos, estão a fazer diariamente um check-up médico voluntário, noutras os alunos dirigem-se a centros médicos. Na universidade de Wuhan entregam comida nos dormitórios”.

Quanto ao acompanhamento por parte da embaixada, Veríssimo diz ter contactado a embaixadora “para saber como estão a ser planificadas as coisas. A embaixadora disse-me que o governo tem feito os possíveis e vem acompanhando muito de perto a situação que se vive aqui. Mas nós somos adultos. Se se disser a uma criança que se está a acompanhar a situação ela é capaz de acreditar, mas quando tratas com adultos tens de dizer especificamente o que se está a fazer”.

Cabo Verde em prevenção

Esta terça-feira, o Director Geral de Saúde, Artur Correia, explicou ao Expresso das Ilhas quais os procedimentos que estão a ser adoptados pelo governo caso cheguem a Cabo Verde passageiros vindos da China.

No caso de haver uma evacuação dos cabo-verdianos que residem na China, Artur Correia explicou que estes à chegada serão sujeitos a medidas especiais de controlo. “Vamos acompanhá-los de perto durante o tempo que for necessário tendo em conta o que se sabe, neste momento, do período de incubação da doença”.

A quarentena não está, pelo menos para já, a ser equacionada. “Vamos precaver-nos em termos de medidas preventivas para salvaguardar eventuais casos suspeitos e o risco de transmissão. Mas são medidas normais caso eventualmente algum tenha contraído o vírus. Mas vamos estar preparados”.

O controlo à chegada, explicou Artur Correia, será feito através de um inquérito por profissionais de saúde e “os casos que forem considerados de risco serão encaminhados para seguimento” nos hospitais centrais – Hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, e Hospital Agostinho Neto, na Praia – que terão condições para receber estes possíveis casos em isolamento. “Já demos indicações para que esses espaços sejam criados nos dois hospitais centrais para eventuais situações” e também já há “profissionais devidamente identificados que farão a devida atenção a esses eventuais casos”. O primeiro controlo será feito imediatamente após a chegada ao aeroporto.

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Não há casos entre cabo-verdianos

A embaixada de Cabo Verde na China tem acompanhado de perto a situação dos estudantes que estão reti­dos em Wuhan devido à quarentena decretada pelo governo chinês.

Num comunicado publicado no Facebook, a embaixadora de Cabo Verde naquele país, Tânia Romualdo, fez um ponto da situação.

“A fim de manter a nossa comunidade residente na China, particularmente os nossos estudantes, devida­mente informada e também para que os familiares possam acompanhar a situação com base em informação fidedigna somos a informar que no geral os nossos estudantes estão bem e não se regista nenhum caso no seio da nossa comunidade”.

“Temos vindo a manter também contactos individuais pois entendemos que na presente conjuntura uma voz amiga e umas palavrinhas em crioulo ajudam a levantar um pouco o ânimo. As Universidades introduziram medidas preventivas e de controlo. Os espaços estão a ser desinfectados regularmente e os alunos estão a ser observados, duas vezes por dia, nomeadamente através do controlo da temperatura”, acrescenta o comunicado da embaixada.

O Expresso das Ilhas contactou o ministro dos Negócios Estrangeiros para obter esclarecimentos sobre a situação dos cabo-verdianos residente na China mas, até ao fecho da edição, Luís Filipe Tavares não respondeu às questões colocadas.

Ninguém entra e ninguém sai de Wuhan

Situada no centro da China, a cidade de Wuhan foi colocada na semana passada sob uma quarentena de facto, com saídas e entradas interditas pelas autoridades durante período indefinido, apanhando os residentes de surpresa.

Um cidadão português residente em Wuhan contou à Lusa que na cidade o silêncio é “total”, com os “estabelecimentos encerrados e as ruas vazias”.

Após a notificação das autoridades, na quinta-feira passada, legumes e outros bens esgotaram rapidamente nos supermercados da cidade, à medida que as famílias vão acumulando mantimentos.

Entretanto, a China elevou esta terça-feira para 106 o número de mortos causados pelo coronavírus detectado em Wuhan. O número de novos casos também aumentou para 1300 e o mais recente balanço indica a existência de 4000 infectados.

A emergência de saúde pública ocorre quando a China celebra o Ano Novo Lunar, o feriado mais importante do calendário chinês, equivalente ao natal nos países ocidentais, e durante o qual centenas de milhões de chineses viajam.

Pequim está a considerar a possibilidade de prolongar as férias do ano novo e adiar a reabertura das escolas, como parte do esforço para conter a propagação da doença.

O vírus foi inicialmente detectado no mês passado num mercado de mariscos nos subúrbios de Wuhan, que é também um importante centro de transporte domés­tico e internacional.

Os últimos dados levaram Hong Kong a adoptar uma nova estratégia para tentar evitar a propagação da doença. Carrie Lam, chefe do executivo local, anunciou na noite de segunda-feira a suspensão das ligações por barco e comboio e a redução para metade dos voos de e para a China continental. A emissão de autorizações de entrada no território a partir da China está igualmente suspensa.

“O fluxo de pessoas entre os dois locais tem de ser reduzido drasticamente”, afirmou Carrie Lam, citada pelo South China Morning Post.

OMS admite erro

A Organização Mundial da Saúde (OMS) admitiu nesta segunda-feira um erro na divulgação do risco global do novo coronavírus descoberto na China em Dezembro. 	 Deacordo com a agência de saúde da Organização das Nações Unidas (ONU), o risco global é “alto”, e não “moderado” como havia informado anteriormente.  A correcção foi feita em um relatório no qual a OMS informou que o risco é “muito alto na China, alto regionalmente e alto globalmente”.  Em uma nota de rodapé do texto, a OMS explicou que havia declarado“incorrectamente” em seus relatórios publicados nos três dias anteriores que o risco global era “moderado”.  Esta correcção não significa, no entanto, que uma emergência internacional de saúde tenha sido declarada. A porta-voz da OMS, Fadela Chaib, disse apenas que houve “um erro na redacção” dos documentos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 948 de 29 de Janeiro de 2020. 

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Autoria:Andre Amaral,2 fev 2020 9:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  28 out 2020 23:21

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