A rápida intervenção do Estado terá sido essencial para evitar o rápido alastramento da COVID-19. Essa é a conclusão que se tira dos dois estudos apresentados na passada sexta-feira.
Hernando Agudelo, representante da OMS em Cabo Verde, explicou no início da sua apresentação que os cálculos efectuados, sobre a evolução da COVID-19 em Cabo Verde, foram feitos com base em dados “estatísticos recolhidos na evolução da doença na Alemanha, China, Itália e Espanha”.
E segundo essas projecções Cabo Verde teria, no dia 9 de Abril, atingido o pico de infecção com 4.338 casos de infecção e uma morte. “Entre os casos de infecção”, explicou Hernando Agudelo, “2.170 seriam assintomáticos, 207 seriam moderados, 207 leves, 2 graves e 1 crítico”.
Além disso, “três pessoas teriam necessidade de estar ligadas a ventiladores e 38 pessoas internadas”.
Ao final de um ano, ou seja, em Março de 2021 Cabo Verde teria registado “102.221 casos de infecção” dos quais a grande maioria – 85.077”, segundo o representante da OMS – seriam assintomáticos. “Já o número de mortes rondaria as 40 pessoas”, referiu Hernando Agudelo.
Mas este é um cenário que, como já foi referido, analisa Cabo Verde à luz de dados estatísticos recolhidos em países onde a evolução da doença foi muito mais rápida e severa do que em Cabo Verde.
Com base nos dados fornecidos pela Direcção Nacional de Saúde, José Augusto Fernandes, consultor do Ministério da Saúde, destacou que, também na eventualidade de o Estado não ter tomado qualquer medida preventiva de contenção, a epidemia resultaria “no número máximo de infectados de 165.501 pessoas” e deveria ocorrer “entre o vigésimo sétimo e vigésimo oitavo dia do início da epidemia, ou seja entre os dias 27 e 28 de Abril, o que significa que cerca de 30% da população será infectada”.
A estimativa deste outro estudo aponta que, num mesmo cenário de não intervenção preventiva do Estado, haveria “uma grave situação em relação ao número de mortos, totalizando cerca de 1.821 mortes até o pico máximo de infectados, correspondendo a uma média de 67 mortes por dia. Estima-se que entre o vigésimo quinto e vigésimo sexto dia a seguir à epidemia, poderá haver cerca de 348 mortos num só dia”.
Já no que respeita às necessidades hospitalares – recorde-se que no mesmo cenário de não intervenção estatal – “o modelo estima que haverá uma grande pressão nos hospitais, com cerca de 3.972 pessoas com necessidades hospitalares (dos quais 3310 com necessidade de internamento e 662 com necessidades da UCI)”.
Mas este é um cenário, uma vez mais, em que o Estado não tomava qualquer medida preventiva e que o Estado de Emergência não tinha sido declarado pelo Presidente da República.
Entretanto, José Augusto Fernandes defende que se tem notado “por parte de todas as instituições responsáveis pela definição das medidas de combate ao COVID 19, a preocupação geral de alertar para a necessidade do distanciamento social e de medidas de higiene pessoal, como essenciais para a eliminação da epidemia”.
“O Governo, que definiu desde logo a quarentena, o Presidente da Republica, que reforçou essa medida pela declaração do Estado de Emergência, as Instituições de Saúde, que reforçam aquela medida e ainda o lavar de mãos e o uso de desinfectante”, foram factores decisivos, defendeu.
Foi também analisado o impacto das medidas de isolamento, considerando diferentes níveis de quarentena.
Segundo este quadro apresentado por José Augusto Fernandes, fica demonstrada a necessidade de se implementarem medidas preventivas de isolamento e distanciamento social.
Ou seja, com os “diversos cenários de projecção equacionados, fez-se uma análise comparativa com a evolução real da COVID-19 a nível nacional, que teve o seu início no dia 19 de Março. Comparando a evolução dos casos reais com os cenários projectados, verifica-se que a evolução real está entre os cenários Quarentena_50% e Quarentena_80%, conforme o gráfico.De notar que as projecções estão a ser feitas a nível nacional, ou seja considera-se que todos os parâmetros, nomeadamente taxa de transmissão são iguais a todas as ilhas”. No entanto, caso se constatar “que os comportamentos definidos pelos parâmetros acima expostos, diferem de Ilha para Ilha, então poderão ser desenvolvidas projecções específicas” para cada uma das ilhas de Cabo Verde.
A encerrar a conferência, Artur Correia falando “não como Director Nacional de Saúde, mas como técnico de saúde pública”, defendeu que o Estado de Emergência “deve ser prolongado”.
Questionado sobre existirem ilhas onde, até agora, não se registou qualquer caso suspeito, Artur Correia explicou que “esse Estado de Emergência deve levar em consideração essas nuances que temos nas ilhas, porque a dinâmica de diagnóstico varia de uma ilha para a outra, mas não sei se juridicamente isso é possível”.
Críticas
As críticas a estes estudos não se fizeram esperar. Principalmente ao estudo apresentado por José Augusto Fernandes.
Para Dario Dantas dos Reis, médico e ministro da Saúde durante o primeiro governo liderado por José Maria Neves, do ponto de vista médico os números das projecções sobre a Covid-19 em Cabo Verde são exagerados e assustadores.
“Eu acho que para quem não está dentro da situação são números assustadores, as pessoas irão ficar obviamente com medo. Dizer que até Julho íamos ter 430 mortes em Cabo Verde, eu considero isto um exagero enorme. Da mesma forma considero um exagero os casos confirmados”, disse.
“Há factores de influência humana que são dificilmente valorizáveis. Por exemplo, até este momento nós não sabemos quando é que a doença entrou aqui em Cabo Verde. Em princípio, nós pensamos que o primeiro caso foi o da Boa Vista. Pode não ser verdade e eu acredito que antes disso devem ter andado vários casos por aqui que eram assintomáticos, mas que estavam infectados com o vírus”, explicou em entrevista à Rádio de Cabo Verde.
Neste sentido, sublinhou que esse estudo poderá ser matematicamente meritório, mas que a do ponto de vista epidemiológico e da medicina é pouco significativo.
Já o Presidente do Conselho de Administração do Hospital Agostinho Neto, Júlio Barros Andrade, defende que é indiscutível “a importância de estudos científicos que facilitam a tomada de decisões”. No entanto, ressalva, “é sempre prudente ter-se em conta as limitações do próprio estudo”.
“Das informações vindas a público, parece que se utilizou uma metodologia com modelos retirados da evolução da epidemia noutros países. Pode ser aceitável não só como exercício académico, mas também como uma simulação, mas há que ter em conta as limitações que devem ser explicitadas”, reforça.
Num texto publicado no Facebook, Júlio Barros Andrade, explica, entre outros pontos, que os dois estudos apresentados na passada sexta-feira não servem “para tomada de qualquer decisão racional no Sector da Saúde” e que foram apresentados ao público “muito extemporâneos”, isto “numa altura em que a evidência mostra o contrário das previsões dos dois estudos apresentados”.
Cabo Verde, reforça o PCA do Hospital Agostinho Neto, “apesar de ter muitas fragilidades no Sector da Saúde”, tem um Serviço Nacional de Saúde “minimamente estruturado e relativamente resiliente e com as medidas assertivas já tomadas pelo Governo não prevejo nenhum dos cenários apresentados”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 959 de 15 de Abril de 2020.