“O governo mostrou que com a saúde não se brinca” - Gil Évora, PCA Emprofac

PorJorge Montezinho,6 jun 2020 7:45

A Portaria Conjunta nº 17/2020, do Ministério da Saúde e da Segurança Social e do Ministério da Indústria, Comércio e Energia, publicada no Boletim Oficial nº 53, I Série, de 28 de Abril, aprovou as directrizes para a produção e utilização das máscaras não médicas, de uso social ou comunitárias, a definição das especificações de dimensões e de materiais e ainda os requisitos mínimos ao nível de proteção e à capacidade de filtração e de respirabilidade.

Três dias antes, o Decreto-Lei nº 47/2020, publicado no Boletim Oficial nº 52, I Série, de 25 de Abril de 2020, estabelecia as regras de utilização de máscaras faciais e explicava quando era obrigatório o seu uso.No início de Maio, uma nova portaria dizia que as máscaras comunitárias produzidas em Cabo Verde tinham de ser entregues à Emprofac, que assumia a competência exclusiva de distribuição. Num ápice, surgiram unidades de produção de máscaras comunitárias. Há um mês, o país produzia 5 mil máscaras comunitárias e esperava duplicar esse número. Hoje, como diz o presidente da Presidente da Empresa Nacional de Produtos Farmacêuticos (Emprofac) ao Expresso das Ilhas, já se fazem mais de 60 mil.


No meio de toda esta crise, emergiu uma oportunidade de negócio.

É verdade. Penso até que desta ideia defendida pelo governo em relação às máscaras comunitárias de produção nacional, se há coisa que estamos a constatar é que, de repente, famílias que estavam paradas, por um ou outro motivo, resolveram dedicar-se à produção de máscaras comunitárias e as coisas têm corrido bem. Temos agora unidades produtivas em, pelo menos, três ou quatro ilhas que já estão certificadas pelo IGQPI [Instituto da Gestão da Qualidade e da Propriedade Intelectual] e, de facto, estamos a ver várias famílias a aproveitar este período difícil e estão a fazer da produção de máscaras a actividade principal, o que lhes dá um rendimento certo porque temos feito questão de pagar as máscaras 24 horas depois das receber.

É possível contabilizar o volume do mercado? E falo da produção nacional, claro.

Estamos com uma capacidade de introdução no mercado de cerca de 65 mil máscaras, por semana. Por cada máscara pagamos 170$00 e vendemos a 195$00. Aliás, as margens estão fixadas pelo decreto-lei: 15 por cento para nós e 20 por cento para as farmácias, que as vendem a 235$00. Mas estamos a falar de um processo que tem sido gradual, quando o governo avançou com o decreto-lei [Decreto-Lei nº 47/2020 do Conselho de Ministros, publicado no Boletim Oficial nº 52, I Série, de 25 de abril de 2020, e que estabelece as regras de utilização de máscaras faciais] ainda não havia capacidade nacional de produção instalada, o que está a acontecer agora, pouco a pouco. Há um mínimo de burocracia, porque a IGQPI tem de ir certificar o local, certificar as máscaras, e depois dessa certificação envia-nos o chamado certificado de conformidade e a partir desse momento, elaboramos o contrato e começamos a receber semanalmente, de acordo com a capacidade de produção de cada unidade.

Qual é a capacidade actual?

Esta semana, estamos com a capacidade, que referi, de cerca de 65 mil máscaras.

Todo esse processo de certificação garante que o consumidor pode confiar nas máscaras nacionais?

Claro. E isso é importante porque, contrariamente ao que muita gente estava a dizer no início, não há nenhum monopólio da EMPROFAC, porque todas as unidades produtivas que existem e confeccionam máscaras comunitárias, continuam a fazê-lo. Existe uma pequena diferença, agora temos máscaras comunitárias certificadas e são essas que são vendidas através da EMPROFAC. Mas todo o outro mercado continua a existir, o das máscaras fabricadas, digamos, de forma mais artesanal, onde muitas pessoas continuam a preferir comprar. A EMPROFAC apenas vende as que são certificadas, essa é a diferença, e estas cumprem os requisitos elaborados pela ERIS [Entidade Reguladora Independente da Saúde].

Recentemente, a EMPROFAC teve de importar cerca de 100 mil máscaras comunitárias. A produção local actual é de cerca de 65 mil. Cabo Verde vai continuar a depender do mercado externo, ou essa dependência é cada vez menor?

É cada vez menor, sentimos claramente que a tendência é de redução. Quando importámos essas 100 mil, a nossa capacidade ainda não estava instalada, não tínhamos atingido, digamos, a velocidade de cruzeiro e o consumo das importadas era maior. Agora não, vemos claramente que os cabo-verdianos dão uma preferência às máscaras de produção nacional certificadas. Ainda temos um stock de máscaras importadas, mas estão a sair a um ritmo menor. Confesso que fiquei surpreendido com a qualidade da produção nacional, que não ficam a dever nada às importadas.

O que acaba por favorecer a economia nacional.

É, não temos de gastar divisas e, neste momento, não temos nenhuma perspectiva de importar máscaras comunitárias e mesmo no que diz respeito às máscaras cirúrgicas, importámos cerca de um milhão e quinhentas mil, sentimos que a sua saída é menor e não ao ritmo alucinante a que estavam a sair antes. Isso tudo é devido à existência da produção nacional.

Ou seja, os próprios profissionais de saúde estão a optar pelas máscaras nacionais, é isso?

Alguns. De qualquer maneira, há diversos sítios onde os profissionais continuam a preferir as máscaras cirúrgicas, descartáveis, mas sentimos que muitos profissionais preferem as comunitárias. De qualquer maneira, penso que o país nunca esteve com um stock tão grande de máscaras cirúrgicas e comunitárias como agora. Para além das quantidades importadas pela EMPROFAC, o próprio governo importou da China mais de um milhão e meio de máscaras, que acabaram de chegar. Pelos meus cálculos, nos próximos meses o país não terá necessidade de importar nenhum tipo de máscaras, a não ser as mais profissionais.

Problemas de stock não existirão, portanto, mesmo não sabendo até quando vamos ter de usar máscara.

Sim, temos stock suficiente e quando chegarmos ao mínimo, falo de 300 mil ou 400 mil, voltaremos a fazer uma nova importação. Mas penso que só deveremos pensar nisso nos finais do mês de Julho.

De qualquer forma, máscaras nunca foram o negócio principal da EMPROFAC, como se readaptaram?

A EMPROFAC foi muito criticada, injustamente, e as pessoas não pensaram que estávamos a fazer uma viragem de 180 graus no nosso core business. O nosso negócio, em 80 por cento, está virado para o medicamento e mesmo nos chamados não medicamentos, a percentagem de álcool gel e das máscaras é muito ínfima no nosso negócio. Aqui em Cabo Verde temos mais de 20 empresas que estão certificadas para importar máscaras, o grande público raramente procurava a EMPROFAC. Importávamos máscaras cirúrgicas para os hospitais, quando nos pediam, para algumas clínicas, porque muitas faziam importação directa, e o álcool gel nunca foi o negócio da EMPROFAC. De repente, todas as superfícies que vendiam álcool gel, quando começaram a ter problemas de importação devido à escassez no mercado europeu e americano, se viraram para a EMPROFAC e começaram a criticar-nos como se o álcool gel fosse um negócio da empresa. Não, practicamente não vendíamos. Vendíamos álcool 70, álcool 90, mas álcool gel, nunca. Perante a escassez do produto fomos obrigados a também começar a importar o produto e foi o que fizemos, mas deparámos-nos, primeiro, com a falta que havia no mercado, segundo, com a directiva da União Europeia que proibia que países europeus exportassem para fora da União Europeia. E fomos confrontados com vários problemas que só foram ultrapassados devido à entrada em campo da nossa diplomacia e, pouco a pouco, fomos conseguindo autorizações do Ministério dos Negócios Estrangeiros portugueses que nos ia possibilitando a importação de álcool gel. Neste momento já temos o mercado estabilizado, com a importação e a produção da INPHARMA. Mas passámos por momentos difíceis e houve muita incompreensão da sociedade civil em relação a esse aspecto.

E tiveram de agir numa questão de dias.

Em cerca de duas semanas tivemos de reinventar tudo, pôr a nossa direcção comercial e a nossa direcção de compras a fazer um trabalho a que não estavam habituados, mas penso que foi uma aprendizagem grande, como está a ser a questão das máscaras comunitárias. Foi uma decisão do governo que aceitámos, mas foi algo de novo, comprar produção nacional e revender, era algo a que a empresa não estava devidamente preparada, mas estamos a fazê-lo.

Falou da acção da diplomacia para desbloquear situações, acha que as empresas públicas saem mais reconhecidas desta crise?

Sim. Mesmo os neo-liberais, em situação de crise, viram-se para o Estado. Em relação à EMPROFAC, penso que acabou por desempenhar bem o seu papel, porque tem uma responsabilidade acrescida pelo facto de sermos uma empresa monopolista. Mas a questão é que não estamos a falar de medicamentos, que é onde somos monopolistas, em tudo o resto – máscaras, álcool gel, batas, etc. – o mercado é aberto. O que se viu é que num momento de crise, em que o sector privado não teve capacidade de ir buscar esses produtos lá fora, teve de ser a EMPROFAC a fazer o seu papel de empresa pública e tivemos de ir ao mercado para termos acesso a estes produtos. A única diferença é que fomos obrigados a sair um pouco do nosso negócio principal e atacar um mercado que representava muito pouco para nós.

Esta diversificação vai fazer parte do futuro da EMPROFAC?

Como sabe, a empresa está num processo de privatização, e penso que a empresa estará sempre vocacionada para os medicamentos, que representa cerca de 75 por cento do negócio. Mas também acredito que, dentro dos 25 por cento dos chamados não medicamentos, a empresa seja obrigada a concentrar-se um pouco mais neste tipo de produtos. Eram negócios que representavam muito pouco em termos de verbas, mas agora não. Penso que seremos obrigados a investir mais também nesses produtos.

Para terminarmos, como analisa esta rápida transformação do sector da saúde para responder à pandemia, em Cabo Verde, mas também no continente?

Nem todos os governos olham da mesma maneira para o sector da saúde. a escassez de meios obriga a repartir o bolo por diversas áreas. Em toda esta crise consegui ter um apreço cada vez maior pelos nossos profissionais de saúde. Vejo o trabalho que fazem diariamente e penso que o país evoluiu muito. Quem viu o país no mês de Março, quando tínhamos de enviar os testes para o Instituto Ricardo Jorge ou para Dakar, e quem vê hoje, temos de reconhecer a evolução. Quando vemos um país que consegue trazer da China 40 toneladas de material, e conta-se pelos dedos os países africanos que o conseguiram, penso que mostra muito bem que, apesar de todas as limitações orçamentais, o governo deixou a mensagem que com a saúde não se brinca. Todos os meios que foram necessários, o governo colocou à disposição. Penso que devemos estar gratos por isso. Acho que há uma evolução grande e a tendência será de melhorarmos cada vez mais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 966 de 03 de Junho de 2020. 

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Autoria:Jorge Montezinho,6 jun 2020 7:45

Editado porSara Almeida  em  18 mar 2021 23:20

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