Sector da construção “é essencial para garantir alguma retoma económica”

PorAndre Amaral,6 jun 2020 7:32

Presidente da Associação Cabo-verdiana de Empresas de Construção (ACEC), Paulo Figueiredo, aborda nesta entrevista ao Expresso das Ilhas a situação do sector da construção civil em Cabo Verde no contexto da crise provocada pela COVID-19. Os prejuízos, diz, serão menores que os sofridos pelo Turismo e defende que a construção vai ter um papel importante na redinamização económica de Cabo Verde.

A pandemia de COVID-19 provocou uma paragem quase total das economias a nível mundial. Cabo Verde não é, obviamente, diferente e o sector da construção civil foi, a par do turismo, um dos mais afectados por esta crise. Como perspectiva o futuro próximo e médio prazo para o sector?

Não diria que o sector da CCOP (Construção Civil e Obras Públicas) seja um dos mais afectados por esta crise. Ou pelo menos, não na mesma extensão do sector do turismo, lazer e viagens. É verdade que serão significativos os prejuízos resultantes da paralisação de todas as obras durante o estado de emergência. Com a retoma após esse estado de excepção, haverá ainda dificuldades com as medidas sanitárias a implementar devido à pandemia, e as suas consequências em termos de organização do trabalho e da produtividade. Mas o sector da CCOP, designadamente a sua componente de obras públicas, é essencial nos próximos tempos para garantir alguma retoma económica, que se consegue através do peso que o sector tem no PIB – cerca de 10% – bem como no emprego que cria e no efeito induzido noutros sub-sectores económicos tanto a jusante como a montante. E por essas razões, será um sector em que o governo quererá apostar, mantendo as obras públicas em curso e em processo de contratação, assim se consiga obter recursos públicos para cobrir a redução significativa das receitas fiscais previstas para este ano. Em particular as provenientes do Fundo do Turismo, que eram alocadas a obras públicas. Outros segmentos da construção civil, como os mercados da construção imobiliária e hoteleira, poderão sofrer alguma retração, que esperemos não seja significativa nem longa, nos meses mais próximos. Mais nas ilhas do Sal e da Boavista onde existe maior dependência do turismo e os correspondentes investimentos relacionados com esse sector.

2020 é um ano perdido?

2020 é um ano perdido para Cabo Verde e para o mundo. O país que vinha numa trajectória ascendente do seu crescimento económico é agora confrontado com uma recessão, que se estima será de 5%, podendo até ser superior. A verdadeira dimensão da retracção estará ainda por apurar e dependerá de variáveis ainda não conhecidas na totalidade. Quanto à construção civil, como todos os outros sectores económicos sofrerá os impactos negativos da pandemia. No entanto, se o governo conseguir manter o seu programa de investimentos públicos e nalguns casos, sobretudo em áreas estratégicas, conseguir aumentá-lo, haverá alguma recuperação nestes meses que faltam até ao final do ano e as prespectivas para 2021 poderão ser animadoras. Isto no pressuposto que a pandemia em Cabo Verde se mantém controlada e não será necessário voltar à paralisação da actividade económica. E também que a situação pandémica internacional se mantém controlada e principalmente, que não haja uma segunda vaga no inverno europeu, o que para já, parece menos provável. Se isso acontecesse, o ano de 2020 seria um ano completamente perdido para o sector da construção civil.

Ao longo dos anos, os diferentes governos foram incentivando e apoiando a criação de pequenas empresas de construção civil, empresas de alcance local, que realizavam trabalhos de pequena escala. Há condições, tendo em conta o actual cenário, para a sobrevivência dessas empresas?

Não vejo porque não. Havendo procura, obras públicas e privadas para serem realizadas, esses pequenos operadores têm condições para sobreviver. Até porque têm estruturas leves e flexíveis que se podem adaptar com maior facilidade às diferentes situações. Os mais dependentes do sector imobiliário poderão sentir maiores dificuldades. Os que já estavam numa situação difícil, por diferentes razões, financeiras ou fiscais, por exemplo, esses terão menores condições de sobrevivência.

As obras públicas, programas como PRRA, poderão ser uma bóia de salvação para essas pequenas empresas?

Boia de salvação não direi. Mas sim, esses programas que foram desenhados para serem direcionados a esses pequenos operadores locais, criando emprego e economia local, são importantes para garantir trabalho a esses pequenos operadores e gerar emprego para muitos.

Já é possível contabilizar as perdas causadas pela crise?

Não, ainda não. Pode-se fazer estimativas apenas resultantes da paralisação de trabalhos. As quebras na produtividade estão para ser apuradas. Por outro lado, a duração, extensão e profundidade da crise, bem como o momento da retoma e recuperação económica mundial, designadamente, da Europa, nosso principal parceiro comercial, tornam incerto e difícil a contabilização da totalidade das perdas resultantes da crise. Mas serão sempre significativas. Para todos, no país e no mundo.

A nível global, a economia passa por um período recessão. A economia mundial, na sua visão, voltará aos níveis de crescimento pré-crise?

As incertezas são tantas e de tal ordem que é difícil ter uma perspectiva clara do que vai acontecer nos próximos meses. De qualquer modo, algumas das grandes instituições internacionais, como o FMI, Banco Mundial e EU, apontam para um verdadeira depressão e não para uma simples recessão. Algo comparável se calhar só à grande depressão dos anos 20/30 do séc. XX. A extensão e a duração dos seus efeitos estão ainda por determinar. Dependendo do tempo que demorar a descoberta de tratamentos eficazes ou de uma vacina contra o covid-19, assim será a retoma e a recuperação, que necessitará sempre de algum tempo a atingir os níveis conseguidos até 2019. Quanto tempo? É o que não se sabe. Em todo o caso, hoje os governos e as instituições financeiras compreendem muito melhor o funcionamento da economia do que durante a grande depressão de 1929-34, e dispõem de instrumentos de intervenção muito mais sofisticados e efectivos, pelo que a recuperação talvez possa ser mais rápida. Muito depende do controlo efectivo da pandemia. E fortes programas de estímulo fiscal, atingindo valores próximos dos 10% do PIB nos países desenvolvidos, estão já previstos e vão ser concretizados nos próximos tempos. O que atenuará e mitigará os efeitos negativos, económicos e sociais, da crise.

E o sector da construção civil, a nível internacional, como se fará e quanto tempo demorará a recuperação?

A situação do sector da construção civil a nível internacional é tão diversa de país para país, dos menos desenvolvidos aos mais desenvolvidos que não se consegue fazer esse tipo de análise.

Na semana passada o primeiro-ministro teve um encontro com os empreiteiros. O que saiu desse encontro? Quais as ideias do governo para o sector? Está previsto algum tipo de apoio que permita uma retoma do sector?

O encontro, na perspectiva da retoma do sector da construção civil após o estado de emergência, serviu para o governo apresentar a sua visão para os próximos tempos e auscultar os empreiteiros sobre as dificuldades conjunturais e estruturais que afectam a construção em Cabo Verde. Foi destacada a relevância do sector na economia, particularmente, num momento em que o turismo fechou e a retoma nesse sector será lenta e gradual, a construção poderá ter um papel importante na manutenção da actividade económica nos próximos meses em Cabo Verde. Além das medidas já tomadas de proteção do emprego e as de natureza financeira e fiscal, onde foram identificadas algumas dificuldades a necessitar de resolução urgente, foi também referido que o governo está a preparar um orçamento de estado rectificativo a apresentar já neste mês de Junho, que incluirá um programa de relançamento da economia.

No país devemos todos ter presente que as previsões do próprio governo indicam uma redução para metade das receitas fiscais no ano de 2020. Esse gap apontado de 180/200 milhões de euros estará a ser coberto através de donativos, mas principalmente através de nova dívida. Os tempos serão difíceis e será necessário muito trabalho. O primeiro apoio que o governo poderá dar será o de garantir a procura que vinha a ser concretizada através dos programas de investimentos em obras públicas. A conclusão de todas as obras em curso e a continuação das obras que estavam em processo de concurso e contratação será importante para garantir trabalho às empresas e emprego aos trabalhadores. Eventuais novas obras também serão úteis para esses objectivos. Do meu ponto de vista, não deverá ser uma aposta em obras megalómanas como aconteceu em anos passados, sem qualquer retorno económico e social, e que estão, neste momento, a pesar-nos na nossa dívida pública e a restringir-nos em eventuais outros investimentos. Programas públicos de investimento na infraestruturação e transição digital, com a prestação de serviços públicos digitais às empresas poderão constituir importantes factores para a melhoria do ambiente de negócios no país. Estes programas teriam aplicação em todo o universo empresarial do país. Um programa mais direcionado especificamente às empresas de construção civil poderia ter três eixos de intervenção: o reforço das suas capacidades de gestão, a aposta na melhoria das competências técnicas dos recursos humanos do sector, e uma linha de crédito destinada ao reforço da capacidade produtiva, traduzindo-se no investimento em equipamentos para responder às necessidades das obras contratadas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 966 de 03 de Junho de 2020. 

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Autoria:Andre Amaral,6 jun 2020 7:32

Editado porSara Almeida  em  18 mar 2021 23:20

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