O fardo que oprime a dívida pública

PorJorge Montezinho,12 nov 2022 8:36

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É o retrato actual das empresas públicas, as 33 onde o Estado tem participações que variam entre os 2% e os 100%. O relatório do desempenho do Sector Empresarial do Estado (SEE), publicado pela UASE, sobre o exercício de 2021 mostra que houve alguma recuperação económica, mas o nível de risco continua elevado.

Apesar das melhorias, o desempenho do SEE continua no vermelho – “O volume de negócios registou uma dinâmica negativa, embora menos acentuada do que em 2020”, escreve Sandeney Fernandes, coordenador da UASE [Unidade de Acompanhamento do Setor Empresarial do Estado] na mensagem que abre o relatório. 

A crise financeira provocada pela pandemia teve um impacto significativo nas actividades das empresas do SEE. Em linha com a dinâmica negativa do volume de negócios (VN), de aproximadamente 28,2%, registada em 2020, em 2021 verifica-se a continuação desta tendência, embora menos acentuada, com uma diminuição global de 10,0%. 

Até ao final do ano de 2021, o total do activo do SEE era de 120.545.673 milhões de escudos cabo-verdianos (40.718.904 mECV em activos corrente – bens e direitos que podem ser convertidos em dinheiro em curto prazo – e 79.826.747 mECV em activos não corrente) tendo o activo diminuído 2,5% entre 2020 e 2021. Já o passivo do SEE totalizava 107.175.163 mECV, representando 89% do balanço do SEE e 60% do PIB. 

Este passivo serviu para financiar 36% do activo corrente e 66% do activo não corrente, tendo sido superior em 4 pontos percentuais em relação ao ano anterior. Isto significa que os capitais próprios ao longo dos anos têm sido muito reduzidos e que o financiamento do activo tem sido feito, sobretudo, via financiamento de terceiros ou empréstimos. 

Passivo contingente

As empresas do SEE, muitas vezes, precisam de conseguir empréstimos em condições preferenciais, não só para baixar o custo do financiamento como também para diminuir o risco para quem concede o empréstimo. 

Ao longo dos anos, o Estado tem concedido avales e empréstimos de retrocessão às várias empresas do SEE com esse objectivo. Mas, se as empresas não conseguirem pagar os empréstimos nos períodos contratualizados, a concessão de avales pode constituir potenciais riscos fiscais e impactar o stock da dívida pública. 

Este stock dos avales concedidos pelo Estado ao SEE é considerado um passivo contingente e deve estar sempre sobre a estreita vigilância. Em 2021, o stock do passivo contingente alcançou 10,9% do PIB, correspondendo cerca de 19.653.716 mECV. 

Em 2021, três empresas contabilizavam stock de empréstimos de retrocessão nos seus balanços: a ELECTRA com 13.875.087 mECV, a IFH com 8.102.360 mECV e a ENAPOR com 1.773.614 mECV, totalizando quase 24 milhões de contos. 

Risco fiscal 

A análise ao risco fiscal, calculado com base no SOE Health Check Tool (que se pode traduzir por ferramenta de diagnóstico da saúde do SEE) do Fundo Monetário Internacional (FMI), evidencia que o nível de risco das empresas em 2021 foi favorável, tendo quatro empresas saído da categoria de high risk (risco alto). 

As empresas ASA, CABEÓLICA, CVT e CERMI passaram de high risk para moderate risk (risco moderado), a FIC passou de very high risk (risco muito alto) para low risk (risco baixo) e a RTC de very high risk para high risk. 

Da análise do risco esperado para 2022, espera-se a manutenção dos níveis da ELECTRA e TACV (very high risk) e ENAPOR e IFH (high risk). Por outro lado, espera-se uma melhoria para a EMPROFAC, de high risk para moderate risk. 

A situação das seis maiores 

As seis maiores empresas do SEE (ASA, ELECTRA, EMPROFAC, ENAPOR, IFH e TACV), em 2021, contribuíram com cerca de 70% do volume de negócios e 66% da riqueza criada pelo SEE, com 51% do activo e 59% do passivo do sector. 

A Empresa Nacional de Aeroportos e Segurança Aérea (ASA) é detida 100% pelo Estado. A empresa cuja actividade está centrada nos serviços de navegação aérea e na gestão aeroportuária, após o atípico ano vivido em 2020, devido à pandemia, retomou as suas atividades de forma gradual em 2021. 

O Volume de Negócios (VN) aumentou 8,4%, face a 2020, para 2.657.901 mECV. A ASA obteve um Valor Acrescentado (VA) de 1.428.931 mECV, um aumento de 57,5% face a 2020. 

Estas evoluções tiveram impactos nos resultados da empresa, com um resultado operacional positivo em cerca 146,6%, tendo passado de 769.463 mECV negativos para 358.874 mECV positivos. Apesar da melhoria, o Resultado Líquido (RL) foi negativo em 928.919 mECV, uma melhoria de 47,6%, face a 2020, mas 139% abaixo do resultado de 2019. 

A ASA não possui avales do Estado e o seu nível de risco apresentou uma melhoria face ao ano anterior, tendo obtido a avaliação de moderate risk em 2021. 

A ELECTRA é detida em 78% pelo Estado. A empresa que produz e distribui eletricidade e água registou, em 2021, um aumento de 22,4% no VN em relação a 2020, fixando-se em 10.391.336 mECV. Não obstante o VA e o EBITDA [Lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização] terem sido positivos, o EBIT [Lucro antes dos juros e Impostos] sofreu uma deterioração em relação ao ano anterior, em 378,0%. Isto levou a uma degradação dos RL em 164,7% face a 2020, que já tinha sido negativo, situando-se em 1.338.082 mECV negativos em 2021. 

O capital próprio, que vem sendo negativo ao longo dos anos, colocando a empresa numa situação de falência técnica, degradou-se na ordem dos 26,6% passando a um capital próprio de 6.364.774 mECV negativos. 

Todos os indicadores de rentabilidade, liquidez e solvabilidade, à semelhança dos exercícios anteriores, encontraram-se em níveis desfavoráveis, devido aos sucessivos resultados negativos que a empresa tem vindo a registar. 

A ELECTRA não recebeu avales do Estado até finais de 2021, no entanto, o stock de avales ascendia a 4.765.198 mECV. A nível de risco, em 2021, a empresa manteve a avaliação de very high risk, igual aos últimos anos, fazendo parte do leque de empresas que representam maior risco fiscal, com probabilidade de uma intervenção futura por parte do Estado. A empresa tem em curso o processo de reestruturação e privatização, no quadro da agenda de privatização do Governo. 

A EMPROFAC é detida em 100% pelo Estado. A empresa que assegura o abastecimento do mercado em medicamentos de forma contínua e efetiva, registou, em 2021, uma diminuição de 17% do VN em relação ao ano anterior, fixando-se em 2.106.923 mECV. 

Apesar do VA ter sido positivo, o EBITDA e o EBIT tiveram uma queda em relação a 2020, de 147,9% e 178,2%, respetivamente. Isso levou à degradação dos RL em 137,4% em relação ao ano anterior, situando-se em -51.206 mECV em 2021. 

A diminuição do RL deveuse, por um lado, à desvalorização dos inventários, que no momento crítico da pandemia foram adquiridos a um preço elevado, estando agora a ser comercializado com um desconto de 81%. Por outro lado, como consequência da pandemia, registou- se uma diminuição das consultas e consequentemente das prescrições médicas, o que levou que a EMPROFAC não conseguisse escoar o stock de medicamentos que tem um prazo de validade médio de dois anos. 

A empresa teve uma diminuição do ativo em 22,1% em relação a 2020, fixando o valor em 2.411.429 mECV em 2021. 

A EMPROFAC não possui empréstimos avalizados no seu balanço. Em relação ao risco, a sua avaliação deteriorou-se para high risk no período em análise, devido ao impacto do resultado negativo nos indicadores de rentabilidade. 

A ENAPOR é detida 100% pelo Estado. A empresa que tem como principais atividades a gestão e exploração económica dos portos de Cabo Verde, terminais e zonas de jurisdição portuárias e ainda exerce as atividades de autoridade portuária, à semelhança de outras empresas ligadas ao sector dos transportes, também sofreu com a crise económica causada pela pandemia. 

Em 2021, a empresa registou um aumento de 7% no VN, comparando com 2020, fixando- se em 2.962.100 mECV. No entanto, a empresa teve uma degradação dos RL em 1,1% em relação ao ano anterior, situando-se em 156.288 mECV, principalmente por causa dos custos com financiamentos que aumentaram em cerca de 45%. 

A estrutura do balanço mostra que a empresa continua sólida, com 45% do activo financiado com recursos próprios. Os rácios de liquidez e de solvabilidade continuaram em níveis que permitiram à empresa cumprir com as suas obrigações tanto de curto como de médio e longo prazo. 

A IFH – Imobiliária, Fundiária e Habitat é detida em 100% pelo Estado. A empresa que como principais actividades a infra-estruturação de terrenos, construção e comercialização de habitações, registou uma diminuição do Volume de Negócios de 2.092.937 mECV, fixando se em 851.962 mECV. O VA diminuiu 62,6% em relação ao ano anterior, atingindo o valor de 178.567 mECV. 

Os activos da empresa totalizaram 13.371.726 mECV em 2021, uma diminuição de 15,9% em relação ao ano anterior. O capital próprio da empresa registou uma diminuição de 3,3% em relação a 2020. O passivo diminuiu 18,1% em relação ao ano anterior, passando para 11.068.222 mECV, representando 10,6% do passivo do SEE e 6,2% do PIB. 11% são avalizados e 16% dizem respeito a empréstimos de retrocessão. 

O rácio de endividamento mostra que 83% do activo foi financiado com recurso ao capital alheio, com destaque para os empréstimos de retrocessão, cujo stock em finais de 2021 ascendia a 8.102.360 mECV. A nível de risco, a empresa manteve a avaliação de high risk, obtida nos últimos anos. 

Os TACV – Transportes Aéreos de Cabo Verde, é uma sociedade detida em 90,0% pelo Estado. Após a suspensão do transporte aéreo de passageiros e cargas, por causa da pandemia, a companhia retomou as suas actividades no último mês de 2021. O seu VN foi de 18.596 mECV, uma diminuição de 99%. No entanto, o VA, o EBITDA e o RL melhoraram face ao ano anterior, embora tenham registado valores negativos. A melhoria registada é explicada pela diminuição dos custos operacionais, nomeadamente, o custo com fornecimento dos serviços externos em 90%. 

A estrutura do balanço mostra que houve uma diminuição do activo em 54% face a 2020, fixando o valor do activo em 731.838 mECV em finais do ano de 2021. 

O capital próprio tem sido negativo nos últimos anos, colocando a empresa numa situação de falência técnica. Em 2021, fixou-se em 11.240.241 mECV. O valor do passivo aumentou em 16,9% em relação a 2020, fixando-se em 11.972.079 mECV, representando 11,5% do passivo do SEE e 6,7% do PIB. 49% são avalizados, o que demonstra que a empresa não tem capacidade de se financiar com um prémio de risco baixo. 

Os indicadores de rentabilidade da empresa, ROE e ROA, têm sido negativos ao longo dos anos, devido aos RL negativos, que têm levado os TACV a uma situação de falência técnica. 

Os indicadores de liquidez diminuíram em relação ao ano anterior, mostrando que a empresa tinha capacidade de honrar apenas 10% dos seus compromissos. O rácio de endividamento mostrou um elevado nível de endividamento da empresa. 

Os TACV receberam avales do Estado, no valor de 1.874.505 mECV em 2021, contribuindo para um stock de 5.826.183 mECV. 

A nível de risco, nos períodos em análise, a companhia manteve a sua avaliação de very high risk, obtida nos últimos anos, fazendo parte das empresas que representam o maior risco fiscal, com probabilidade de uma intervenção futura.

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Texto publicado originalmente na edição nº1093 do Expresso das Ilhas de 09 de Novembro

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Autoria:Jorge Montezinho,12 nov 2022 8:36

Editado porDulcina Mendes  em  3 ago 2023 23:29

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