“Sonegação de documentações por parte do governo já não vem de hoje”

PorAndré Amaral,23 jul 2023 12:50

João Santos Luís, Presidente da UCID
João Santos Luís, Presidente da UCID

Presidente da UCID admite que o governo tem tentado introduzir mudanças em alguns sectores importantes do país. No entanto, as políticas não têm sido as mais correctas. João Santos Luís diz que relatórios dos fundos do Ambiente e do Turismo “colocam em causa a transparência da administração pública”.

Estamos a pouco mais de duas semanas do debate do estado da nação. Que balanço é que faz? Em que situação é que se encontra o país?

Para nós, em 2023, o estado da nação é preocupante. No aspecto económico nós consideramos que o país tem sido reconhecido como um centro regional de investimento em diversos sectores, mostrando algum crescimento promissor. Mas, por enquanto, somente o sector de turismo consegue ser uma das principais fontes de renda do país, registando um aumento notável do número de visitantes. Além do turismo, o país tem tentado diversificar a sua economia em sectores como energias renováveis ou tecnologias do agronegócio. Mas tem-no feito de forma muito tímida. Precisamos acelerar esta diversificação para que o país possa efectivamente entrar no rumo que devia estar há muito tempo. O sector primário da nossa economia continua sendo o parente pobre. Ilhas como o Fogo, Santo Antão, Santiago ou Maio, com grandes potencialidades agrícolas e pecuárias continuam sem poder desenvolver a sua actividade agrícola e pecuária com intensidade por falta de políticas acertadas para o sector. A UCID tem vindo a chamar a atenção para isso desde há muito tempo e infelizmente em 2023 ainda encontramos a mesma situação. A pesca continua na mesma, sem condições apropriadas para os profissionais poderem exercer e desenvolver esta actividade. Os problemas persistem e impedem o desenvolvimento do sector. Nós reconhecemos o esforço do governo, mas é muito pouco. Para um país que quer efectivamente diversificar a sua economia, tem de investir muito mais e melhor no sector primário da economia. O sector secundário continua à espera de políticas. Importa salientar que este sector se afigura de extrema importância para transformação e conservação de produtos tanto agrícolas como de pescados. Nós temos ilhas, por exemplo, o Fogo, em que por vezes, em algumas zonas, há excesso de produção e que os produtos ficam a estragar, é uma grande falha que se está a cometer nesse sentido. O desemprego e a desigualdade social, infelizmente, ainda continuam a ser problemas persistentes e que precisam de cuidados e abordagens assertivas por parte do governo. Nós temos neste momento uma taxa de desemprego de 12,1% o que, para nós e para o cidadão, é muito preocupante. Temos taxas bastante elevadas tanto de pobreza como de pobreza extrema. O governo tem tentado fazer algo nesse sentido, mas ainda não se pode dizer que esteja no caminho certo. Do nosso ponto de vista, a forma como o governo tem vindo a trabalhar não é a melhor. Os índices de coesão territorial falam por si.

O governo, no entanto, tem apontado para valores de crescimento económico históricos.

Eu vou chegar lá. No campo de educação, em 2023, há muitas falhas, muitas pendências com os profissionais da área. Estou a referir-me aos professores. O governo diz que está a resolver ou já resolveu, mas as pendências continuam. A formação contínua de professores não existe. O problema dos agrupamentos tem criado situações desagradáveis, como por exemplo de transportes, infelizmente ainda, e, portanto, da mobilidade dos alunos de um lado para outro. De forma que nós estamos a pedir, digamos e, aliás, já temos feito este pedido. O país tem tentado fortalecer as suas instituições com a promoção de leis, mas muitas delas ainda não estão regulamentadas e com isto não há responsabilização. Há indícios que colocam em causa a transparência da administração pública como os casos conhecidos dos relatórios dos fundos de ambiente e do turismo. São questões que devem ser acauteladas. Quanto ao crescimento económico, este ano o governo anunciou que foi de 17%, mas nós queremos aqui dizer que este crescimento foi à custa da inflação. Este crescimento, repito, registou-se à custa da inflação. Não se registou nenhuma alteração fiscal no país, para que houvesse efectivamente o aumento de receitas. Houve um crescimento sim. Mas nós entendemos que não teve impacto na vida das pessoas. Entendemos que no país os crescimentos económicos não têm tido impacto na vida das pessoas. Temos um país em que os salários são de miséria. Eu estou a falar da classe mais baixa, em que as pessoas com dez, vinte, trinta anos de trabalho ganham o salário mínimo. O governo não tem tido a coragem suficiente para, junto das empresas, junto das fábricas existentes no país, pedir uma renovação dos convénios que estabeleçam efectivamente um equilíbrio entre o trabalho e o salário.

Como é que a UCID vê esta recente onda de imigração?

A UCID vê esta situação como uma situação normal. O país é que tem de criar as condições para fixação de pessoas. Nós temos um nível de assimetria bastante grande no país. Isto deve-se às políticas do governo em fixar-se somente numa ou outra parte do território e esquecer-se que nós somos ilhas e que se deve tentar criar as condições de desenvolvimento locais para que as pessoas se fixem nos seus municípios e isso não tem acontecido. A cidade da Praia, que é a capital do país, está praticamente sufocada e isto prejudica a cidade e o país.

O que leva a problemas de segurança…

Com certeza. Problemas de segurança para cidadãos e turistas. Nós somos um país que quer aumentar a percentagem do PIB no sector turístico, mas com estas políticas é difícil. Nós temos de ter condições para que os turistas nos possam visitar e sentir-se tranquilos.

Que avaliação é que a UCID faz deste ano político?

Eu acho que foi um ano político com alguma com alguma turbulência por causa da questão da transparência. A transparência é fundamental, esta questão da sonegação de documentações por parte do governo aliás já não vem de hoje, não é? Lembro que em 2018 foi feita uma auditoria à Câmara Municipal de São Vicente e que o relatório da auditoria só veio a ser publicado depois das autárquicas de 2020. Agora houve a moção de censura. O governo tem uma fuga em frente. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1129 de 19 de Julho de 2023.

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Autoria:André Amaral,23 jul 2023 12:50

Editado porSheilla Ribeiro  em  15 abr 2024 23:28

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