Vamos falar da saúde mental dos professores

Ambiente na sala de aula, problemas laborais e dificuldades pessoais e familiares. A saúde mental de muitos professores deixa todos preocupados.

Ansiedade, depressão e burnout, ou síndrome de esgotamento profissional. Problemas que afectam muitos professores em Cabo Verde. Sinais de uma realidade já comprovada noutros países, consequência de um ambiente de trabalho marcado por exigência, burocracias e algum conflito.

No ano lectivo 2022-2023, o Gabinete de Apoio Psicopedagógico (GAP), criado e mantido pelo Sindicato Nacional de Professores (SINDEP), fez mais de 280 atendimentos nas ilhas de São Vicente, Santo Antão, São Nicolau e Sal.

Pedro Segredo, psicopedagogo, é o gestor do serviço.

“Temos ansiedade, depressão, também temos professores com [problemas no] relacionamento interpessoal, também casos de terapia de casal. Muitas vezes, falamos sobre a síndrome de burnout do professor, isso é claro”, refere.

Os casos mais graves são sujeitos a baixa médica, depois de um trabalho conjunto entre o Gabinete de Apoio Psicopedagógico e o serviço de psiquiatria do Hospital Baptista de Sousa. O Gabinete também atende e apoia no tratamento de situações de alcoolismo.

“Já tratámos alguns casos de alcoolismo, professores que já estavam fora da sala de aula e que já estão aqui, já retomaram as suas actividades graças ao apoio do escritório”, assinala.

A saúde mental do professor é um tema estudado e discutido em várias geografias. No Brasil, conforme dados de pesquisas feitas pela Nova Escola e Movimento Todos pela Edução, 60% dos docentes relatam situações recorrentes de ansiedade e stress.

Pedro Segredo alerta que a saúde mental do professor tem impacto no processo de ensino-aprendizagem.

“A saúde mental também afecta o ambiente de aprendizagem. Como pedagogo, tenho de trabalhar essa parte, para que o professor se sinta mais focado no que está a fazer”, explica.

“Digo que a saúde mental desempenha um papel significativo no ambiente de aprendizagem. Influencia o desempenho de alunos e professores e temos de estar muito atentos a isso. Eu sempre que vejo que o professor tem problemas de concentração na sala de aula, problemas de relacionamento interpessoal, vejo que ele terá fraco desempenho nas suas funções”, acrescenta.

O especialista em psicologia clínica, escolar e educacional defende uma rede de apoio nos estabelecimentos de ensino para dar suporte aos docentes. Ao mesmo tempo, sugere a criação de uma equipa multidisciplinar, entre profissionais dos ministérios da Saúde e da Educação.

“Quando digo que os professores têm turmas cheias, quando falo que eles levam muito trabalho para casa, quando digo que é muita preocupação ver o desempenho dos alunos, que o professor quase se sente um rotineiro, todos os dias fazendo a mesma coisa… muitos destes pontos também poderiam ficar sob responsabilidade da direcção escolar. É essencial estabelecer esta rede, para que a saúde mental seja bem trabalhada”, destaca.

Em 2022, e ao longo de nove semanas, Aristides Silva, psicólogo, gestor académico e especialista em mudanças de comportamento, trabalhou como voluntário com professores de quatro escolas de São Vicente. Agora, e depois dessa experiência, pede apoio a vários níveis.

“Escola, alunos e professores reflectem o que acontece na sociedade. Se formos falar com os professores, ver os desafios que enfrentam todos os dias, é difícil. Enfrentam várias dificuldades, precisam de suporte. Há quem precise de suporte financeiro, académico, profissional, outros a nível físico ou emocional”, resume.

“O professor tem a honra de transformar uma sociedade. Por isso, acho muito importante ouvir o que o professor tem a dizer, o pedido de ajuda, especialmente em termos emocionais”, apela.

Como com qualquer outra questão de saúde, a melhor forma de lidar com problemas de saúde mental é garantir um diagnóstico precoce. O preconceito e o estigma persistentes atrasam a procura de soluções.

Com 20 anos de experiência no ensino nos Estados Unidos da América, Aristides Rendall Silva defende o “papel fundamental” da própria escola na criação de um espaço que favoreça a saúde mental de toda a comunidade educativa. Sugere a criação de um centro de melhoria da qualidade emocional.

“Não só para os professores. Fazias de forma a começar dentro da sala de aula, para professores e alunos. Poderia abranger a escola e depois trazer a própria comunidade, porque se trabalhas apenas o aluno, a sala de aula, não trabalhas a comunidade”, menciona.

Os sindicatos não escondem a sua preocupação. Os representantes da classe não deixam de associar a actual situação profissional, marcada por contestação, à realidade enfrentada por muitos docentes. O presidente do SINDEP, Jorge Cardoso, traça um quadro difícil.

“Por causa da situação laboral, relativamente à classe docente, muitos professores estão com depressão e estamos até tendo morte prematura de professores, principalmente no ano de 2022. Se formos ver os casos a nível nacional, é muito preocupante”, avança.

O SINDEP não tem números organizados, mas percebe, até pelo nível de atendimento especializado a que os professores recorrem, com o apoio do sindicato, que “a situação é preocupante”. O sindicato planeia alargar o GAP ao resto do país, começando pela capital.

“Se calhar, também na região norte [de Santiago], porque muitas vezes constatamos professores que enveredam para comportamentos desviantes, uso de álcool e outras drogas”, diz.

Também Lígia Herbert, presidente do Sindicato Democrático dos Professores, tem recebido sinais de preocupação.

“A situação de saúde mental do professor é grave. Temos andado no terreno e temos visto vários professores com sinais de depressão, professores levados pelo alcoolismo, com a mente perturbada. Temos esta situação em Cabo Verde e não devemos negá-la”, avisa.

A sindicalista considera que a situação piorou com a pandemia de covid-19 e sugere que o governo aproveite o Ano da Saúde Mental, que se assinala em 2024, para dar maior atenção ao problema.

“O professor trabalha de manhã ou à tarde na escola, trabalha nos intervalos, trabalha em casa, para tentar fazer de tudo para que não haja insucesso, porque muitas vezes o professor é colocado perante uma forma de chantagem, ao ser avaliado pela quantidade de positivas ou negativas que tem”, identifica.

Sob o lema “saúde mental, prioridade e compromisso de todos”, 2024 foi declarado pelo governo como o Ano da Saúde Mental. A iniciativa visa dar mais visibilidade às questões da saúde mental e reforçar as políticas públicas e iniciativas que procuram uma melhoria na saúde mental.

De acordo com a organização Mundial da saúde, em 2019, quase mil milhões de pessoas – incluindo 14% dos adolescentes – viviam com um transtorno mental.

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Ministério da Educação

“É uma situação que existe e que preocupa”

O Ministério da Educação sabe da existência de casos relacionados com problemas saúde mental no seio da classe docente. A tutela admite preocupação.

A directora do Serviço de Inclusão Educativa, Maria Helena Andrade, diz que o ministério está a delinear estratégias para trabalhar o problema. A responsável não avança detalhes, mas informa que está a ser criado um projecto que envolve os ministérios da Educação e da Saúde, com foco na prevenção.

Mesmo não tendo dados, o Ministério da Educação reconhece que existem problemas a nível da saúde mental entre professores?

Sim, é uma situação que existe e estamos a criar algumas estratégias para trabalhar a questão junto dos professores, porque sabemos que realmente é uma situação que existe e que preocupa.

Que tipo de estratégias?

Estamos a finalizar agora, preparando um programa em parceria com o Ministério da Saúde, para fazer essa intervenção junto dos professores. Às vezes, fazemos com os alunos, mas torna-se realmente importante fazer esta intervenção também com os professores, mais no campo da prevenção. Porque prevenir é sempre o melhor caminho.

Qual é a importância de criar e manter um ambiente saudável dentro da comunidade educativa?

É extremamente importante. Acho que é fundamental termos uma educação de qualidade e termos, também, professores saudáveis, professores que estejam engajados e motivados e a saúde mental é extremamente importante. Muitas vezes, a pessoa já chega com algum problema, às vezes do meio social, do ambiente familiar, e na escola também tem de ter um bom ambiente de trabalho, que seja propício para que as coisas funcionem bem.

Sobre o projecto que mencionou, existe um prazo para a sua implementação?

Acreditamos que será implementado ainda este ano. Ainda estamos no início, mas acreditamos que sim, porque não é algo que demore muito e precisamos muito fazer essa intervenção junto dos professores. As escolas já dispõem de gabinetes de orientação profissional e prestam assistência aos alunos. Mas sabemos que para os professores devem existir outras condições, porque às vezes eles não se sentem confortáveis em serem atendidos na sala de orientação.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1159 de 14 de Fevereiro de 2024.

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Autoria:Fretson Rocha (Rádio Morabeza), Nuno Andrade Ferreira,18 fev 2024 9:17

Editado porJorge Montezinho  em  2 mai 2024 23:28

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