“Para os SIDS, a Década do Oceano é uma necessidade vital. Uma plataforma de convergência para reequilibrar a nossa relação com o mar — com base na ciência, na equidade e na cooperação genuína”, afirmou José Maria Neves, na qualidade de Patrono da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável.
O PR alertou que as ameaças à sustentabilidade dos oceanos, como a subida do nível do mar, a acidificação, a sobrepesca e a poluição, exigem “uma resposta corajosa, coordenada e solidária”, e sublinhou que “não haverá desenvolvimento sustentável sem oceanos saudáveis”.
Neste quadro, defendeu que a centralidade da ciência deve nortear as políticas públicas para o mar, mas advertiu que “a ciência, por si só, não basta”. É, no seu entender, “indispensável garantir financiamento adequado, transferência de tecnologia e reforço efectivo de capacidades, sobretudo nos países mais vulneráveis, para que todos possamos participar, de forma plena, na acção em prol do oceano”.
José Maria Neves reiterou ainda a urgência de reconhecer o oceano como “vector de desenvolvimento sustentável” e condição para “a segurança alimentar, a saúde planetária e a estabilidade económica global”.
Governação do Oceano
Na sua intervenção, sublinhou três eixos concretos que, na prespectiva de Cabo Verde, devem nortear os compromissos internacionais sobre a governação do oceano, que é a mobilização de financiamento climático e azul, robusto e acessível, sensível às particularidades dos SIDS, a governação oceânica inclusiva, que integre comunidades locais, povos indígenas e juventude nos processos de decisão, e parcerias para a transferência de tecnologia e capacitação adaptada às realidades específicas de cada país.
O Chefe de Estado saudou também a adopção do Tratado sobre a Biodiversidade Marinha em Áreas para Além da Jurisdição Nacional (BBNJ) e assegurou que Cabo Verde irá “concluir o processo de ratificação com a maior brevidade”. Este instrumento jurídico é visto por José Maria Neves como uma peça-chave para garantir a preservação da biodiversidade em alto-mar, longe das águas territoriais dos Estados.
Em paralelo à conferência, Cabo Verde confirmou avanços na cooperação bilateral com parceiros estratégicos, como a Alemanha. No domingo, 8, o Presidente da República encontrou-se com o Ministro Federal do Ambiente, da Acção Climática, da Conservação da Natureza e da Segurança Nuclear da Alemanha, Carsten Schneider, com quem discutiu o reforço da cooperação no domínio da economia azul e da acção climática.
Durante a reunião, os dois dirigentes destacaram os mais de 20 anos de colaboração entre os dois países no campo da investigação oceanográfica, através do instituto alemão GEOMAR.
“Trocamos impressões sobre as relações entre Cabo Verde e Alemanha e destacamos a excelência da cooperação no domínio da investigação oceanográfica. Ficou o compromisso do reforço da cooperação entre os dois países no domínio da economia azul e da acção climática”, escreveu José Maria Neves nas redes sociais.
Esse reforço poderá traduzir-se no alargamento de programas conjuntos de monitorização oceânica, na criação de infraestruturas para a observação científica marinha, na formação de quadros cabo-verdianos em áreas técnicas ligadas ao mar e na mobilização de fundos para projectos resilientes à mudança climática nas zonas costeiras.
No plano interno, José Maria Neves destacou os avanços na implementação da “agenda azul” nacional, estruturada em torno de investimentos em conservação marinha, pesca sustentável, turismo ecológico, literacia oceânica e soluções baseadas na natureza, com foco na resiliência das zonas costeiras.
“Estamos a reforçar o quadro institucional, a alargar as áreas marinhas protegidas e a integrar a acção climática na gestão dos nossos recursos”, afirmou, acrescentando que Cabo Verde continuará empenhado na criação de sinergias entre desenvolvimento, ciência, juventude e justiça climática.
III Conferência sobre o Oceano
A conservação e gestão sustentável dos ecossistemas marinhos e costeiros foi o ponto de partida da III Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, que decorre até sexta-feira em Nice, França. Especialistas alertam que, desde a última conferência em 2022, a degradação dos ecossistemas não foi travada, ameaçando os ODS (Objectivos do Desenvolvimento Sustentável). A intensificação da exploração dos recursos marinhos e as práticas destrutivas estão a causar uma “tripla crise”: alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição. O aquecimento dos oceanos agravou-se na última década — a mais quente já registada — num momento em que quase 500 milhões de pessoas dependem da pesca em pequena escala.
Apesar dos avanços na protecção de áreas marinhas e na consciencialização pública, os especialistas consideram que a situação continua crítica. Apelam a uma acção urgente e coordenada de governos, organizações e cidadãos, com base nos recentes acordos internacionais, como o Quadro de Biodiversidade Kunming-Montreal e o Tratado BBNJ.
O evento inclui painéis temáticos e terminará com a adopção do Plano de Acção para os Oceanos de Nice, uma declaração política consensual e orientada para a acção, acompanhada de compromissos voluntários.
A III Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, organizada pela França e pela Costa Rica, reúne líderes políticos, representantes de agências internacionais, cientistas, ONGs, povos indígenas e investidores, e tem como principal objectivo acelerar a implementação do ODS 14: conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos.
* Com Inforpress e Lusa
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1228 de 11 de Junho de 2025.