Na vossa perspectiva que balanço é que se pode fazer deste ano político?
Nós diríamos que o balanço é suficiente. Isto apesar de a nossa opinião ser que o que deveríamos estar a dizer era que a governação era boa. Porque se assim fosse estaríamos a admitir que a população cabo-verdiana estava bem, as empresas estavam bem e as instituições também. No entanto, o nosso desejo não corresponde à realidade e daí dizermos que a avaliação é suficiente. Suficiente na medida em que os parâmetros importantes macroeconómicos ainda continuam desacertados para aquilo que foi a promessa feita pelo MpD. Veja-se a questão da dívida pública, quer em termos relativos quer em termos percentuais do PIB, que continua extremamente alta rondando os 124% se excluirmos os TCMF, que são valores avultados. O défice público ainda continua elevado, os dados do Orçamento do Estado para 2019, rondamos os 2,6%. E também o nível de desemprego, que é de 12,2%. Também temos de analisar a questão social. E aí achamos que o país está numa situação extremamente complicada, porque aumentou, neste último ano, o número de pessoas que não se mostram interessados em procurar emprego. Isto faz, para nós, com que o valor de 12,2% seja fictício, porque não representa o número de pessoas que podemos considerar no desemprego. Achamos, ainda, que a governação foi suficiente porque apesar do que dissemos em termos económicos e sociais consideramos que o governo está a tentar agilizar alguns processos, algumas medidas de políticas que a serem bem-sucedidas poderão ajudar o país. Aqui referimo-nos à questão da privatização dos TACV. Apesar de considerarmos que a privatização, em si, foi uma medida boa, o facto de o governo ter retirado a empresa das linhas domésticas foi negativo. Nós entendíamos que haveria outras soluções ou, melhor dizendo, o encerramento dos TACV num dia e a sua abertura num outro dia, com um nome ou uma sigla diferente. Mas o governo optou por destruir completamente os TACV assumindo, como é óbvio, o passivo de mais de 15 milhões de contos. Mas a atitude de terem privatizado pensamos que foi boa, se bem que o processo não ter sido o melhor. Também consideramos que há alguns avanços no que diz respeito ao programa PRRA que consideramos um programa interessante. Isto se for levado em consideração àquilo que é o fundo do programa sem que seja utilizado, mais tarde, nas eleições autárquicas. O Programa vai ajudar as famílias com mais dificuldades, vai permitir recuperar determinadas partes das cidades de Cabo Verde e isso consideramos que é interessante.
Economicamente foi um ano, segundo os números do INE, de crescimento a 5%. Sinal de que as políticas do governo estão a resultar?
Não. Temos que analisar a fundo o que é esse crescimento de 5%. É preciso chamar a atenção, primeiro, para o facto de o Banco de Cabo Verde vir dizer que o crescimento não é este. Depois das contas refeitas o BCV diz que o crescimento está aquém desse valor, até porque o INE, relativamente ao ano de 2017, em que se previa um crescimento de 4%, o INE veio dizer que nas Contas Finais o crescimento era de 3,7%. Isto preocupa mas não é a maior preocupação que nós temos. Respondendo concretamente à sua pergunta, temos de ver que parcelas da economia compõem esse crescimento. E se formos ver a grande parcela tem a ver com o aumento das despesas do funcionamento do Estado. Ou seja, o Estado aumentou as suas despesas, o Estado conseguiu arrecadar mais receitas em termos de impostos e é aqui que temos esse crescimento. Provisoriamente é 5% mas se formos considerar o efeito de 2017 e de 2018, provavelmente o crescimento será menor. O que nós gostaríamos era que o governo fosse mais claro e mais previsível na tomada de decisões. Acima de tudo na tomada de medidas de política em termos económicos para que todos nós saibamos o que vai acontecer. Porque infelizmente hoje o governo diz uma coisa, amanhã diz outra e depois de amanhã diz outra. Isso deixa-nos num mar de dúvidas e sem saber realmente o que irá acontecer. Economicamente, o crescimento não está a reflectir-se na vida do cidadão comum, não está a reflectir-se na disponibilidade financeira das empresas privadas, de forma que é um crescimento que é feito mais às custas das despesas do Estado do que propriamente à custa de investimentos privados e de consumo privado o que seria, para nós, a melhor forma.
Os cabo-verdianos não sentem no bolso este aumento da riqueza do país?
Arthur Okun, um economista americano, dizia que para cada aumento entre 2,5 a 3% do PIB o desemprego deveria baixar 1%. Nós estamos a falar de um crescimento de 5% a 5,5% mas o que verificamos é que não há esta diminuição do desemprego, não há mais dinheiro a circular principalmente naquelas pessoas que não têm um rendimento garantido ao fim do mês, porque para as pessoas que têm rendimento houve alguns ajustes, e aqui temos de ser honestos, e houve alguma melhoria. Mas essas pessoas são um número bastante reduzido tendo em conta os 550 mil habitantes que Cabo Verde tem. Ora, dar a meia dúzia de pessoas um rendimento mais substancial e deixar a grande maioria dos residentes sem ter a possibilidade de ter um único tostão faz-nos pensar que essa distribuição do crescimento económico a 5% não é, de maneira nenhuma, sentida no bolso dos cabo-verdianos de uma forma geral. Entendemos que o governo apesar de tomar algumas medidas que, à priori, deviam ser medidas que trariam para o bolso dos cabo-verdianos, para os cofres das empresas mais receitas infelizmente isso não está a acontecer.
Socialmente foi um ano de alguma agitação e foram feitas manifestações um pouco por todo o país. O que está na origem destas manifestações?
O que estará na origem é a esperança que o povo depositou nas propostas que o MpD fez em 2016. Propostas audazes e bastante apelativas para as pessoas que procuram ter uma vida melhor. Com o andar dos anos as pessoas começaram a sentir que foram enganadas e que aquilo que o MpD prometeu não está a conseguir materializar. É por isso que assistimos às manifestações em São Nicolau, na Brava, no Sal, em São Vicente e também na Praia. Isso tudo não é obra do acaso e nem é obra da oposição como o governo quis fazer passar. Achamos que a população está a reagir porque está a ver que aquilo que foi prometido está muito aquém de se realizar passados estes três anos e cinco meses.
A segurança foi também uma das bandeiras do MpD em 2016. Há mais segurança hoje?
Aqui nós devemos dizer que pelos dados que temos e pelas conversas que fomos tendo com as pessoas, apesar de algum sentimento de insegurança, nós diríamos que sim. Que há um pouco mais de segurança. Pessoalmente digo que não porque a minha casa foi assaltada há dias. Mas não pode ser pelo facto de eu ter sido assaltado que irei dizer que há menos segurança no país. Acho que a Polícia Nacional, a Polícia Judiciária e os Serviços de Informação da República têm feito um trabalho que temos de reconhecer. Mais, a instalação, na Praia, das câmaras de video-vigilância deve ter trazido um pouco mais de ânimo e deve ter trazido algum travão para os amantes do alheio, não obstante em determinados bairros, segundo o que sabemos, já há alguns meliantes que nem sequer as câmaras respeitam o que quer dizer que para além das câmaras é preciso que a Polícia continue a manter uma presença mais assídua nos espaços mais complicados para se conseguir transmitir um sentimento de maior segurança à população. Cabo Verde tem muito a ganhar se conseguir transmitir para a sua população e para aqueles que nos visitam um sentimento profundo de segurança. A segurança deve ser um trunfo do desenvolvimento do país e aqui o governo deve investir, dentro das suas capacidades, tudo o que for necessário para que tenhamos o país - de Santo Antão à Brava - seguro e para que possamos ter turistas e cidadãos a passear de forma tranquila, possam sair à noite e a qualquer hora do dia sem terem o receio de serem assaltados. É um processo. E aqui temos de dizer que a UCID dá nota positiva ao governo nesta matéria.
Não vê, então, razão para as críticas de que o ministro da Administração Interna tem sido alvo?
Não vejo razão. É preciso dizer que no ano passado pedimos a demissão do ministro por considerarmos que a atitude dele, na altura, relativamente à greve dos polícias não foi a melhor. Mas hoje reconhecemos que, independentemente de ele ter falhado do nosso ponto de vista, há um trabalho e esse trabalho te de ser reconhecido.
A nível político houve vários diplomas que foram trazidos à Assembleia Nacional. A regionalização acabou por não ser aprovada. Como é que a UCID, um partido de grande expressão regional e que lutou pela regionalização, viu a conclusão deste processo?
Nós vimos o enterro, ainda que momentâneo, deste processo com muita tristeza e muita mágoa. Nas ilhas, todas elas, uma parte da população tinha esperança na regionalização. Não é o nosso modelo, porque a UCID defende uma regionalização política, com alguns rearranjos da máquina do Estado. Mas não obstante isso nós dissemos na altura que se era para as coisas continuarem como estavam, então vamos dar a pedrada no charco, ter a regionalização possível e depois trabalharmos para, no futuro, termos uma regionalização mais profunda e que sirva realmente os interesses da população nas diversas ilhas. Infelizmente, o MpD, que tinha essa responsabilidade de avançar com o processo – porque foi quem durante a campanha de 2016 acenou para a população com o tema da regionalização – prometeu a conclusão rápida do processo mesmo sabendo que não tinha a maioria de dois terços necessária para a aprovação da lei. Durante a campanha fui esclarecendo as pessoas, dizendo que não era possível porque para isso acontecer era preciso negociar com o PAICV e com a UCID. Mesmo assim, o MpD manteve a promessa e passado todo este tempo o MpD traz a regionalização para o parlamento. Mas nós tínhamos a intuição que o MpD trouxe a proposta só para cumprir aquilo que prometeu, mas não com a convicção firme de que queria passar essa proposta e que queria fazer valer aquilo que prometera por altura da campanha eleitoral. Porque se assim fosse tinha, em primeiro lugar, criado as condições institucionais para um diálogo forte e profundo com o líder do maior partido da oposição que é o PAICV. A UCID discutiu com o MpD, é verdade, mas os nossos três deputados não seriam suficientes. Era preciso envolver o PAICV logo de início e teria de ser a nível da cúpula da liderança dos partidos. Isso não aconteceu. O que quererá dizer que o MpD fingiu dar mas retraiu-se no momento em que era necessário fazer avançar a carruagem. De forma que nós entendemos que há aqui responsabilidade do MpD, mas também do PAICV. Nós, no debate, no último dia ainda tentamos dizer ao governo para suspender a proposta, para nos sentarmos à mesa, para falarmos com todos e salvar a face. O governo não entendeu assim e acabou por retirar a proposta metendo-a na gaveta, mas nós consideramos que a proposta deve ser retomada porque o país precisa de uma regionalização para poder alavancar todas as potencialidades das ilhas e podermos ter uma sinergia que seja capaz de fazer a economia crescer e fazer as pessoas mais felizes. Porque enquanto nós não tivermos este somatório do saber fazer de cada uma das ilhas, o somatório da economia de todas as ilhas, dificilmente o país conseguirá avançar à velocidade que gostaríamos que avançasse.
A UCID acredita no discurso que o governo tem tido relativamente a São Vicente e aos projectos de investimento que têm sido anunciados ou acha que são promessas para os eleitores?
Nós gostaríamos de acreditar, porque a acontecer aquilo que diz o governo, São Vicente daria um salto qualitativo. Tanto a nível económico como social. Mas temos de ver o seguinte: estamos com três anos e pouco deste governo, falta mais um ano e alguns meses para as eleições. Se formos ver o Orçamento do Estado para 2019, pouca coisa tem para São Vicente. Pouca coisa mesmo. Tem o valor necessário para o terminal de cruzeiros e nada mais do que isso. Nem sequer tinha o dinheiro para a asfaltagem da estrada entre Mindelo e Baía das Gatas, porque é um projecto que vem do ano anterior que também não estava inscrito no Orçamento do Estado para 2018. Mas como dizia, se o governo fizer acontecer as promessas feitas será bom. Mas ainda não está a acontecer nada em São Vicente. Nós tínhamos a esperança que se iniciaria ainda este ano o terminal de cruzeiros, mas está ainda à espera das burocracias das várias instituições nacionais e internacionais. Tínhamos esperança que fossem construídos os hotéis ao pé da Escola Técnica e ao pé da ex-Congel e não estamos a ver nada. Fala-se, fala-se, fala-se mas a verdade é que nada está a acontecer. Mas uma coisa tenho de dizer, o governo ao tomar a decisão de não solicitar o voo São Vicente-Lisboa causou um grande mal à ilha, porque a asfixiou economicamente. Pode parecer coisa pequena, que não ter um voo não afecta nada, mas a verdade é que afecta. Graças a Deus o governo já deu a mão à palmatória dizendo que a companhia vai adquirir, em regime de leasing, um Boeing 737 para retomar as ligações. Esperamos que isso venha realmente a acontecer. Eu vou acreditar que aquilo que o governo está a dizer para São Vicente vai acontecer. Mas de conversa já basta. Usando a expressão do ministro das Finanças basta de conversa e vamos à acção. Os são-vicentinos e os cabo-verdianos de uma forma geral querem ver aquilo que o governo anuncia a acontecer na prática. E essa décalage entre os anúncios e a prática está a prejudicar Cabo Verde, está a prejudicar São Vicente e está a fazer com que a população deixe de acreditar nos políticos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 921 de 24 de Julho de 2019.