São Vicente: Os desafios, as expectativas, a diferença

PorJorge Montezinho,26 jan 2019 10:13

​Foi descoberta no dia 22 de Janeiro de 1462 por Diogo Afonso, mas São Vicente manteve-se desabitada durante quase quatro séculos (se descontarmos as esporádicas visitas dos navios piratas). Depois de finalmente conseguir fixar população, a ilha conheceu um crescimento rápido e Mindelo atinge o estatuto de cidade em 1879, quarenta anos depois da sua fundação. Hoje, 557 anos depois do ‘achamento’, São Vicente debate-se com desafios profundos e continua à procura de respostas para as expectativas dos seus habitantes.

O porto e o contacto com o mundo desenharam as particularidades que hoje fazem parte de São Vicente. Em 1850, a companhia inglesa East India estabelecia em São Vicente o primeiro depósito de carvão. O Porto Grande torna-se um importante ponto estratégico nas ligações entre a Europa e o Atlântico e a ilha recebe fortes influências provenientes do mediterrâneo, com destaque para as oriundas da Madeira e Açores, e mais tarde de outros países europeus, como Inglaterra e Itália. Como escreve Lucy Bonucci, no blog A Esquina do Tempo, “a sua economia depende, quase na sua totalidade, das actividades relacionadas com o Porto, principal fomentador do comércio e actividade da região. Mindelo enche-se de oficinas de toda a espécie. A vida fervilha por toda a ilha. Por essa altura, Mindelo tornou-se num importante centro cultural agregador de culturas dos mais diversos pontos da Europa, com especial relevo para a música, a literatura e o desporto”.

O resto da história é também conhecida, com o início da navegação a Diesel e a perda da importância do carvão, nos inícios do século XX, o porto perde a sua importância estratégica, a economia desenvolvida à volta da actividade marítima começa a estagnar e a ilha entra numa espiral negativa que continua até hoje. O Expresso das Ilhas falou com os deputados de todos os partidos com assento no Parlamento e todos são unânimes quando apontam o principal desafio com que a ilha se debate actualmente: o desemprego.

“São Vicente tem um grande desafio, a atracção de investimentos externos e a criação de emprego”, diz ao Expresso das Ilhas João do Carmo, deputado do PAICV. “Entendemos que com a atracção de IDE pode-se criar postos de trabalho para a juventude, contudo são desafios que o momento que São Vicente vive não os favorece. Os investidores externos que estão em São Vicente estão a padecer. A economia de São Vicente está bloqueada”.

“São Vicente enfrenta uma série de desafios, mas diria, em primeiro lugar, a questão do crescimento económico da ilha”, sublinha António Monteiro, deputado da UCID. “Actualmente esse crescimento está muito aquém da sua potencialidade e com o crescimento económico fraco temos o reverso da medalha em termos sociais que é um alto nível do desemprego”.

“Os desafios que se colocam a São Vicente, continuam a ser os mesmos de há dezena e meia de anos a esta parte, mas o essencial para mim, é, sem dúvida alguma, fomentar a economia da ilha”, reforça João Gomes, deputado do MpD. “Fizeram-se investimentos públicos, como a requalificação do aeroporto e a sua elevação à categoria de aeroporto internacional, extensão do porto e outros mais, mas a economia local, infelizmente, manteve-se estagnada, pelo que, urge medidas ou politicas que facilitem o investimento privado, de modo a criar riqueza, novos e melhores postos de trabalho, de modo a aumentar o rendimento das famílias, reduzir o desemprego, sobretudo o jovem e assim permitir o desenvolvimento que nós Sanvicentinos e os Cabo-verdianos em geral almejamos”.

O poder local

Até aqui, todos os parlamentares estão de acordo. Mas é só até aqui. Um exemplo? Ambos os partidos da oposição se unem nas críticas ao poder local, a quem atribuem a culpa, também, do marasmo que se vive na ilha. “O poder local, de algum tempo para cá, dá sinais de desgaste, de falta de criatividade”, diz João do Carmo. “O MpD está em São Vicente desde 2004, o tempo que lá está não é proporcional àquilo que devia trazer para a ilha. Neste momento, consideramos que o poder local tem sido mais de impedimento ao desenvolvimento. Há falta de visão, falta de capacidade de realização, falta de capacidade de sair da ilha para trazer investidores, falta de capacidade daquilo que era a nossa grande força que era a geminação”.

António Monteiro também considera que um dos grandes problemas é a gestão da câmara municipal. “Achamos que fica muito aquém do que é a necessidade da ilha, porque com todas as potencialidades, quer ao nível da economia, da cultura, da indústria ligeira, nenhuma delas é aproveitada porque temos uma câmara que não consegue fazer valer a prerrogativa que tem de ser o número um da ilha e a entidade que poderia estar a exigir para que as coisas estivessem a acontecer. Sem investimentos fortes, quer a nível nacional quer externo, sem um comércio dinâmico, São Vicente só poderia estar como está”.

As expectativas para 2019

Razões que levam os políticos do PAICV e da UCID a estarem pouco confiantes para este ano que agora começa. Para João do Carmo, as perspectivas não são as melhores. “Infelizmente os Sanvicentinos não irão ver melhorias com esta dupla poder local/central. Vamos ter de continuar a sermos criativos, e ainda bem que o Sanvicentino o é, para darmos a volta à economia local e para nos aguentarmos até um dia que tenhamos um governo local e central sintonizados para os problemas da ilha”.

Um pessimismo partilhado por António Monteiro. “O que esperamos para 2019 é a retoma do voo da companhia aérea nacional. A segunda questão são os investimentos no sector marítimo, queremos ter em São Vicente a pujança marítima a funcionar, não só na teoria, mas na prática. E aqui a questão da Zona Económica Especial deve desde já começar a formar-se, a desenharmos o que será essa ZEE porque se acontecer São Vicente terá uma oportunidade de ouro como nunca teve. Mas ainda não estamos a sentir uma vontade política forte. A terceira questão que gostaríamos de ver seria a iniciativa da câmara, em sair para fora da ilha para ir atrair mais investimento para que possam surgir mais hotéis em São Vicente, para termos maior disponibilidade de camas e uma ilha com condições para receber turistas. Se essas três coisas acontecerem São Vicente poderá dar o salto qualitativo, enquanto isso não acontecer dificilmente estaremos satisfeitos”.

O contraponto mais optimista é dado pelo deputado do MpD. João Gomes acredita que este será o ano em que São Vicente vai começar a ver os resultados das políticas que o Governo vem implementando para a ilha. “A nível público, vamos ver a conclusão das obras de asfaltagem da estrada Mindelo/Baia das Gatas; iniciação das obras de requalificação das praias do norte da Baia; o inicio do projecto de requalificação de bairros de lata, por exemplo a «Portelinha» financiado pelo Governo Chinês e outros projectos de grande alcance a nível da saúde como a construção do Centro de hemodiálise e ampliação do HBS. De igual modo, a nível do sector privado, sabemos do empenho do Governo, particularmente do primeiro-ministro e vice-primeiro ministro, no sentido de vermos o arranque de alguns empreendimentos privados (hotéis de grande dimensão) que vão dinamizar o turismo e a economia local”.

Também não há dúvidas entre os parlamentares que São Vicente tem características únicas que poderiam ser aproveitadas pelo país se fossem exponenciadas. “Pela história, pelas suas potencialidades – é uma ilha com os indicadores de desenvolvimento melhores em Cabo Verde, acesso a água, acesso a iluminação pública, acesso a esgoto – somos a ilha melhor posicionada há muito tempo”, diz João do Carmo. O problema, segundo o deputado do PAICV é que São Vicente sempre sofreu pela comparação por baixo com as outras ilhas e os outros municípios. “São Vicente não pode ser comparada com nenhuma ilha e nenhum município, por baixo. Todos os governos, incluo o do PAICV, tinham de ver e pensar São Vicente no ritmo que a ilha tinha e foi aqui que perdemos. O que se fez foi esperar-se que o resto do país chegasse ao nível de São Vicente, enquanto isso, São Vicente ficou parado e esse foi o maior erro que se cometeu. Agora, como recuperar esse tempo perdido? São Vicente é uma ilha com um potencial tão grande que é capaz de surpreender os cabo-verdianos. Porque a ilha está preparada para a indústria ligeira, para o turismo, para a economia marítima, mas nesta matéria o governo só fala e não tem nada de concreto”.

“São Vicente precisa de economia marítima”, reitera António Monteiro. “Infelizmente o que tem sido feito nesse sentido é praticamente nada. É só ver as infra-estruturas, no Parlamento falei de uma delas – os estaleiros da CABNAVE – que está morta. Tem quadros competentes, mas com a infra-estrutura como está corremos o sério risco de uma paralisação iminente. Tanto é que alguns navios já não sobem na plataforma porque há um medo grande que possa rebentar a qualquer momento”.

“São Vicente tem uma tradição, a nível cultural, própria do povo da ilha”, continua o deputado da UCID, “que a diferencia da realidade das outras ilhas. Além disso, por ter convivido com vários povos, principalmente ingleses e italianos, a questão da tecnologia, a indústria ligeira, devia ser melhor aproveitada e não é. E há também a questão da educação, São Vicente tem um grande potencial, a política direccionada para a ilha devia ser transformar a ilha numa ilha universitária e trazer não só estudantes cabo-verdianos, como de todas as partes do mundo, com especial atenção aos com origem nos países da CPLP, para assim contribuir para a criação de mais riqueza”.

João Gomes concorda que São Vicente tem especificidades que não existem em mais nenhuma ilha, mas alinha num diapasão mais positivo em relação aos colegas de Parlamento. “São Vicente tem uma história que orgulha os Sanvicentinos e os Cabo-verdianos em geral, tem cultura, tem potencial económico, tem tudo para oferecer às demais ilhas do arquipélago e ao país Cabo Verde, algo de diferente. Neste sentido estou particularmente convicto, que a política gizada pelo Governo para o médio e longo prazos, com epicentro na ilha de São Vicente (Zona Económica Especial e Escola do Mar com um Campus do Mar), vai permitir à ilha e seus habitantes, darem contributo único e decisivo para o desenvolvimento de Cabo Verde”, defende o deputado do MpD.

A regionalização

A última questão lançada pelo Expresso das Ilhas foi a da regionalização. Será solução? E já em 2019? O não venceu por 2 a 1.

“O que o governo propôs para a regionalização, exactamente como está, não vai resolver nenhum problema”, diz João do Carmo. “Vamos neste ano parlamentar discutir a proposta do governo na especialidade, infelizmente não temos bons sinais, mas convém esperar e o propósito do PAICV seria de um aprofundamento sério desta matéria. O projecto da regionalização não é só São Vicente, o projecto é político e profundo, mexe com a administração pública, merece uma análise profunda antes da sua decisão. A regionalização não pode ser pensada de forma eleitoralista. Temos um país vulnerável, a regionalização mexe com o funcionamento do Estado, esta nossa vulnerabilidade faz com que devamos pensar muito bem, antes de tomar uma decisão. Pedimos ao governo que se sente à mesa connosco e que discuta seriamente a questão da regionalização”.

“A proposta do MpD a nós não nos agrada”, salienta António Monteiro, “mas mais vale ter algo que possa ser melhorado ao longo do tempo do que continuar como estamos. Temos esperança que possa ser o ano da regionalização, mas isso não depende de nós. Se dependesse, teríamos as ilhas regionalizadas desde 1978. É nosso entendimento que libertar as ilhas das amarras do poder central em questões sociais e económicas é fundamental. Com esta regionalização continuaremos amarrados ao poder central”, conclui o deputado da UCID.

“Esperamos que 2019 seja o ano da Regionalização”, diz João Gomes “e para isso queremos contar com os apoios necessários do PAICV e da UCID, uma vez que este é o desejo e o empenho do MpD. Apostamos muito na Regionalização, estamos convictos que ela vai contribuir sobremaneira para a resolução dos problemas de São Vicente e de todas as Regiões do País, mas ela por si só, não responde ao grande desafio que se coloca a São Vicente. A regionalização é um dos caminhos, quiçá, o mais importante, mas um entre outros que terão de ser trilhados, para o sucesso e a felicidade dos Sanvicentinos”, defende o deputado do MpD.

São Vicente procura construir outro futuro, mas não esquece as palavras de Cesária Évora: Quem q’oiá/São Vicente di longe/Ca ta imaginá/Qui tromente nô ta passa.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 895 de 23 de Janeiro de 2019.

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Autoria:Jorge Montezinho,26 jan 2019 10:13

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  17 out 2019 23:21

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