Como foram as primeiras semanas na presidência da UCID?
Essas quatro semanas foram suficientes para tomar pulso da situação – porque estar como vice-presidente e presidente são coisas completamente diferentes – e começar a preparar a agenda de trabalhos, para podermos, efectivamente, arrancar em força e, como dizia o lema do nosso congresso, fazer a UCID crescer mais e servir melhor as ilhas.
O João Luís foi vice de António Monteiro e a sua candidatura não foi propriamente uma surpresa. O que espera fazer de diferente?
Eu sou gestor de profissão, sou uma pessoa bem organizada, gosto de trabalhar com a antecipação necessária, com a agenda devidamente organizada e penso que esta atitude será muito benéfica para o partido. Defendemos uma moção de estratégia no congresso, temos a linha traçada para conseguirmos uma penetração máxima em todas as localidades do país e estou certo que, com a equipa que saiu do congresso, iremos consegui-lo. Até final do ano, temos como prioridade a eleição das direcções regionais. Com a eleição destas direcções, iremos iniciar os trabalhos no terreno, para que possamos ter uma maior abrangência e fazer com que o partido seja conhecido e reconhecido, para alcançarmos o equilíbrio de poder, a nível local e nacional. Temos constatado que ainda existem, infelizmente, algumas pessoas que não estão preparadas para a partilha de poder, mas pensamos que isto, se calhar, é uma transição. As pessoas devem entender e predispor-se para a partilha de poder, porque o povo de São Vicente e de Cabo Verde já disse várias vezes que quer maiorias absolutas construídas, não eleitas. Vivemos num Estado de direito democrático, mas infelizmente existem abusos de poder de maiorias absolutas. Com maiorias absolutas construídas pós-eleições é possível trabalhar com discernimento e diálogo.
Diria que, do ponto de vista nacional, o objectivo continua a ser evitar maiorias absolutas?
O objectivo mantém-se em atingir o equilíbrio do poder e atingir este equilíbrio significa acabar com as maiorias absolutas no país e, quiçá, nas câmaras municipais. Entendemos que, com equilíbrio, nacional e local, as populações serão melhor servidas.
Fala de poder local e certamente que na sua mente está a Câmara de São Vicente e aquilo que tem sido a experiência de governação destes dois anos, em maioria relativa. Se a situação de São Vicente se reproduzir noutras câmaras e a nível nacional, será que acabar com as maiorias absolutas não criará situações de bloqueio?
Claro que não cria. De facto, desde as eleições e tomada de posse, têm havido situações não muito boas na Câmara Municipal de São Vicente. Infelizmente, ainda existem pessoas que não estão preparadas para partilhar o poder. O presidente da Câmara Municipal terá que ter a hombridade e a inteligência necessárias para partilhar o poder e criar condições para que os restantes vereadores trabalhem e dêem a sua colaboração para o desenvolvimento da ilha. Isso não tem acontecido até esta data. Inclusive, a atitude do presidente tem sido de intimidação, tanto dos vereadores como dos funcionários. A UCID não tem interesse em eleições antecipadas, porque as eleições custam caro ao bolso dos contribuintes. Estamos a pedir bom senso e diálogo, para podermos ultrapassar esta fase e colocarmos a nossa capacidade política e técnica ao serviço do povo de São Vicente.
O presidente faz uma leitura diferente da sua e diz que os vereadores da oposição são apenas uma força de bloqueio.
Isso é falso. Tenho comigo documentos sobre esse processo. Inicialmente, havia muita confusão por parte do edil, depois chegaram a um eventual consenso e assinaram um memorando de entendimento na atribuição de pelouros, etc. Mesmo com o documento, o presidente continua a asfixiar os vereadores da oposição – não somente os da UCID – no sentido de lhes retirar as competências que o mesmo assinou, através do memorando. O edil quer continuar a fazer as coisas da forma que quer e como fazia anteriormente.
Em relação ao caso Amadeu Oliveira, a sua direcção mantém o essencial do posicionamento da direcção anterior?
Este dossier tem sido conduzido de forma muito conturbada por parte dos tribunais, do sector da justiça. Na UCID, logo no processo de apresentação de candidaturas [para as legislativas de 2021], dissemos que não gostaríamos que nenhum deputado se escondesse atrás das imunidades parlamentares para não responder às suas responsabilidades. Continuamos com esta atitude. Queremos que o Amadeu responda pelos crimes que, eventualmente, tenha cometido. Mas nem sabemos se são crimes porque, do nosso ponto de vista, nesta vertente, existe um bocado de vingança, mais do que outra coisa. O artigo 170 da Constituição diz que nenhum deputado no exercício das suas funções pode ser preso preventivamente fora de flagrante delito. Entretanto, o deputado está preso preventivamente há quase 10 meses e o mandato não foi suspenso. Isto é uma ilegalidade tremenda. A UCID não pode compactuar com esta ilegalidade.
O seu antecessor disse-nos que todo este processo teria sido conduzido de forma diferente se não estivesse em causa o Amadeu Oliveira, que tem protagonizado muitas críticas ao sistema de justiça. Concorda?
Com certeza. Por isso é que eu disse que há uma tentativa de vingança ao cidadão e deputado Amadeu Oliveira, isto é claro. Agora vão juntar todos os eventuais crimes, até um artigo de opinião que teria escrito em 2017, constituíram-no arguido por causa disso. O que estão a fazer com o Amadeu Oliveira é uma tentativa de aniquilação, de silenciar o deputado.
Na semana passada, levou para o encontro com o Primeiro-Ministro a vontade de participação da UCID no processo de eleição dos órgãos externos da Assembleia Nacional. Parece-lhe que o seu partido é desconsiderado naquilo que é o jogo político e escolhas políticas no país?
Até este momento, sim, temos esta percepção. No primeiro encontro que tivemos com o Primeiro-Ministro e presidente do MpD deixámos claro que não gostaríamos que as coisas continuassem a decorrer desta forma. Queremos ser respeitados, como também respeitamos os restantes partidos, as restantes lideranças. Queremos, de facto, fazer parte do processo democrático e não dá para estar a discriminar de forma negativa um partido que está no parlamento desde 2006. Se esta discriminação acontece com um partido que está na Assembleia Nacional, imagine-se um partido que ainda não conseguiu entrar no parlamento.
Como é que avalia a forma como o governo tem lidado com a escalada de preços e perda de poder de compra?
Esta foi uma das razões do encontro com o Primeiro-Ministro e a sua equipa, onde nos foi apresentado o impacto da crise alimentar e energética. Estas situações terão impactos macroeconómicos bastante relevantes. Fomos claros e dissemos ao governo que, neste momento, apoiamos as medidas de mitigação que o governo está a protagonizar junto das empresas.
Parece-lhe que são suficientes?
Não são suficientes, fui claro com o Primeiro-Ministro. Queremos muito mais, mas estamos em crer que o país, neste momento, não consegue. Temos que reconhecer as fragilidades do país. Estamos prontos para apoiar a implementação das medidas de mitigação, pedimos paciência à população. Também fomos claros que iremos estar atentos às questões que devem ser corrigidas e que devem seguir um outro rumo.
Como por exemplo?
Por exemplo, neste momento, temos empresas públicas em que há pessoas com uma dose de arrogância colocadas à frente dessas empresas. Em pelo século XXI, vemos alguma discriminação negativa relativamente aos funcionários que têm uma sensibilidade política diferente.
Que empresas?
Nomeadamente a ENAPOR, ASA, etc. Temos umas quatro dessas empresas onde ainda prevalecem essas questões, para além do nepotismo, que está num nível exacerbado, e também o medo. Por exemplo, na empresa onde trabalho há cerca de 44 anos, de há uns tempos para cá, há pessoas com medo. Isto é inadmissível. Medo porque pensam de forma diferente.
Ainda sobre a questão dos preços, acha que há margem para se ir mais longe, nomeadamente, fixando preços?
Numa economia de mercado isto fica um pouco difícil, mas nós sabemos, e o governo também sabe, que existem instrumentos e instituições vocacionadas para antecipar a especulação de preços. A IGAE é fundamental para cuidar deste aspecto. Fomos peremptórios com o Primeiro-Ministro, pedindo que analise bem, mesmo sabendo que é um pouco complicado, uma possível actualização do salário mínimo nacional e das pensões do sistema contributivo e não contributivo, para que as pessoas mais vulneráveis possam ganhar fôlego e acompanhar a evolução dos preços. As reuniões com o Primeiro-Ministro são trimestrais. Se a situação se mantiver, iremos agendar uma reunião extraordinária, para forçar o governo a procurar soluções alternativas, porque pode até chegar-se ao ponto de as pessoas não terem dinheiro para comprar alimentos para sobreviverem. O próprio governo não terá interesse em deixar a situação chegar a esse ponto.
Uma das críticas que tem sido apontada à UCID, interna e externamente, é de alguma incoerência ideológica, alguma dificuldade em posicionar ideologicamente o partido, que se apresenta como democrata-cristão…
Estamos preparados para críticas, tanto internas como externas. São críticas legítimas, porque muitas vezes não se consegue saber qual o verdadeiro posicionamento do partido. Mas a nós o que mais nos preocupa, neste momento, são os problemas do país, que definimos no início do nosso mandato. Os sectores da educação, económico e saúde. O sector educativo é o pilar de desenvolvimento do país, aquele que fornece os quadros para o sector económico. Temos que ter uma educação pujante que consiga suportar a economia. O turismo representa 25% do PIB, mas ainda não é de qualidade. Também temos que trabalhar no sentido de diversificar a economia, através de um investimento forte no sector primário. Temos condições naturais para dar o salto, mas os sucessivos governos têm sido preguiçosos, porque o sector primário é mais trabalhoso. Por outro lado, os dados do INE dizem que cerca de 48% da população bebe água não tratada e 15% não tem sanita. É uma questão de saúde pública. Esses três vectores – educativo, económico e saúde – são fundamentais, para além do sector da justiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1066 de 4 de Maio de 2022.