MpD: “O PAICV, passados oito anos, continua a não perceber que está na oposição”

PorAndré Amaral,28 jul 2024 8:40

Paulo Veiga, líder parlamentar do MpD
Paulo Veiga, líder parlamentar do MpD

Paulo Veiga, líder da bancada parlamentar do MpD, faz uma avaliação “definitivamente positiva” da actuação do governo.

Estamos a terminar mais um ano parlamentar, na visão do MPD que balanço é possível fazer?

É um balanço misto, não conseguimos chegar a acordo entre os sujeitos parlamentares, isto por o grupo parlamentar do PAICV não ter conseguido eleger uma nova liderança parlamentar, o que se reflecte na nossa incapacidade de conseguir acordos sobre os órgãos externos à Assembleia Nacional. É mais um ano parlamentar em que, além de termos anunciado, tanto eu como o líder parlamentar do PAICV, que iríamos eleger os órgãos externos ao Parlamento, isso não foi possível. Portanto, acho que este é um factor negativo. Estamos a falhar, nessa perspectiva, com as nossas responsabilidades. Nós, no discurso 5 de Julho, chamamos atenção para isto. De os partidos, afectarem o andamento do país e a nossa democracia. Nesse aspecto falhamos. Do lado das vitórias, conseguimos parte da reforma do municipalismo e estamos a trabalhar para finalizar as questões da justiça, portanto, é um sabor agridoce.

Os partidos têm a função de fiscalizar a governação do país, o trabalho do governo. Que avaliação é que fazem da actuação do Executivo?

Nós achamos que temos feito fiscalização. Nós é que chamamos e que agendamos as CPIs para os fundos. Portanto, a nossa avaliação do governo é positiva, é definitivamente positiva.

O PAICV fala de alguma cristalização do governo, que o primeiro-ministro tem sido incapaz de fazer alterações na sua equipa, concorda com esta visão?

O PAICV, passado oito anos de estar na oposição, continua a não perceber que está na oposição. Portanto, as remodelações são da responsabilidade do Primeiro-Ministro e ele é que, avaliando o desempenho dos seus membros do governo, faz ou não essa dita remodelação. Portanto, nós aqui achamos que, e mantemos total confiança no Primeiro-Ministro e na sua equipa.

Tivemos greve dos professores, temos agora também os pilotos da aviação civil a anunciar que vão partir para a greve. Esta contestação é provocada por o quê, na vossa visão? É descontentamento das pessoas ou algo mais?

Eu acho que é uma mistura das duas coisas. Não podemos esquecer, nós passamos pela pandemia da Covid, com a qual a nossa economia bateu no fundo. E acho que a recuperação foi tão rápida que criou a expectativa nessas classes e na população em geral de que as coisas deveriam melhorar ao mesmo ritmo. Acho que isto aumentou essa expectativa e é uma das razões dessas reclamações para se resolver os problemas. O que é de se notar é que a nossa democracia está viva, as pessoas têm direito à manifestação, não estão com medo de se manifestar e o bom de tudo isto é que se têm encontrado soluções intermédias de acordo. E essas manifestações a maioria não tem ido avante porque o governo tem tido a abertura de negociar e de falar e de encontrar caminhos para a resolução dos programas.

Mas não vos preocupa esta contestação constante? Por exemplo, os professores têm estado em permanência a reclamar junto do governo por melhores condições, têm-se manifestado contra a implementação de algumas reformas e de alguns planos estabelecidos pelo governo.

É claro que preocupa e por isso é que estamos a governar para resolver os problemas e as pendências. Isto tem que ser dito. Aqui é de relembrar que herdamos muitas pendências e temos vindo a resolver e vamos continuar a resolver. Eu acredito que se não fosse pela pandemia e pela crise que o mundo passou a maioria dessas reivindicações já estariam resolvidas. Mas mais uma vez dizer que é um direito que lhes assiste e é obrigação do governo tentar encontrar as soluções, as ambições dessas reclamações e é o que tem sido feito dentro das possibilidades do país. Agora, havia pendências e há pendências que têm que ser resolvidas e que são profundas e em que não é fácil ter a concordância de todos, como essa questão dos professores. Há uma proposta intermédia, satisfaz alguns sindicatos, não satisfaz outros, e, portanto, vamos continuar a procurar as melhores soluções.

Com a Covid, houve uma perda grande do poder de compra. A economia retraiu-se à volta de 17%. A recuperação aconteceu, a economia voltou aos níveis pré-pandémicos, mas a verdade é que o crescimento dos preços foi elevado e que estes não voltaram ao que eram antes da pandemia. O poder de compra das famílias acabou por não recuperar da mesma forma. O que é que podemos esperar para o futuro? Há espaço para um aumento real dos salários em Cabo Verde?

Eu quero acreditar que sim. Continuando o crescimento do primeiro trimestre, penso que haverá alguma folga para se ajustar e repor parte do poder de compra. Os efeitos dos aumentos de preço não dependem nem do governo, nem dos empresários ou da sociedade cabo-verdiana. A maioria são produtos importados, tem muito a ver com as guerras que estão a rebentar por toda a parte do mundo, e os conflitos, mesmo os que não são conflitos armados na Ásia. Depois temos os conflitos armados na Europa, no Médio Oriente e mesmo em África. Isto impacta e o que Cabo Verde tem demonstrado, é uma capacidade de reagir e minimizar estes impactos. Ao dizer minimizar, não quer dizer que os custos de vidas não aumentaram mais do que os salários. É um esforço que se está a fazer.

Já se superou a barreira do milhão dos turistas, que era um alvo a atingir há bastantes anos. Que expectativas é que têm relativamente ao turismo? É para continuar aumentando? É preciso investir para melhorar ainda mais a qualidade?

Aqui eu acho que é importante a diversificação do turismo, do tipo de turistas e também aumentar a qualidade. Mais do que aumentar os números, eu acho que temos que iniciar o debate sobre qual é o número de turistas que queremos e como é que o queremos. Há muito debate pelo mundo fora, vê-se nos noticiários muitas populações a reclamarem pelo número de turistas nos países, há países que estão a encerrar e mesmo a proibir ou a limitar o número de turistas. O turismo é bom, mas também tem o seu lado menos bom, e é preciso nós termos esse debate. Eu acho que ainda temos folga para crescer mais, mas também para começarmos desde já a pensar qual o número de turistas que podemos aceitar sem deixar de ser sustentável e sem alterar significativamente o nosso modo vida.

Falando de segurança, o governo tem anunciado por várias vezes que a criminalidade tem vindo a diminuir. A Ministra da Justiça anunciou que a taxa de reincidência criminal baixou de 33% para 21%, mas a verdade é que a população prisional tem vindo a aumentar. Que visão é que vocês têm sobre este tema?

Eu considero que sim. A percepção, pode não ser esta. E eu entendo. Eu entendo isto perfeitamente. Agora, a verdade é que nós temos uma sociedade que tem estado a perder valores e eu acho que a criminalidade se combate através da reposição de valores. Isto não é uma actividade de responsabilidade exclusiva do governo, mas sim das famílias, das organizações, das empresas, de todos nós. Temos estado a permitir uma perda de valores e a responsabilizar o município, a responsabilizar os governos locais ou o governo central ou os políticos, quando, na realidade, isso só acontece se todos nós estivermos envolvidos. E eu não acredito na desculpa da pobreza. Cabo Verde já foi muito mais pobre do que hoje, e as pessoas já sofreram muito mais do que sofremos hoje, e não havia este nível de perda de valores e de criminalidade. Portanto, nós temos que reflectir profundamente sobre que caminho seguir para nos voltarmos a sentir seguros, o que não quer dizer que o país não esteja seguro.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1182 de 24 de Julho de 2024. 

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Autoria:André Amaral,28 jul 2024 8:40

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  16 set 2024 17:21

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