Os primeiros sinais de desconforto no seio do PAICV surgiram logo na sexta-feira ao final da tarde, imediatamente após a conclusão do acto eleitoral que levou Fábio Vieira a ser indicado como vencedor da eleição para o cargo de presidente do Conselho Directivo da ANMCV.
Comentando os resultados, Isaías Varela, presidente da Câmara Municipal de São Domingos e candidato ‘oficial’ do PAICV, explicou que foi a divisão de votos dentro do partido que acabou por ditar o resultado.
“Se contarmos internamente, quem votou em mim foram os presidentes das câmaras do PAICV. Agora, estamos numa eleição em que não contam só os presidentes das câmaras do PAICV. Houve uma junção entre alguns [autarcas] do PAICV e do MpD, e então acabou por ganhar o Fábio Vieira. Mas isso não vem ao caso, pois o que nós vamos fazer primeiro é felicitar o Fábio e disponibilizarmo-nos para trabalhar a bem de Cabo Verde”.
Já Fábio Vieira defendia que a ANMCV “não é um tabuleiro de representação político-partidária”, mas sim “uma instituição que representa os municípios, cuja missão é a defesa dos interesses destes” e explicava a estratégia que o levara à vitória: “É claro que o Congresso, enquanto órgão máximo para eleger os órgãos, tem a legitimidade de o fazer. Portanto, enquanto autarca, mantive contactos com todos os autarcas, independentemente das cores partidárias, porque um dos grandes desafios que nos se coloca é um desenvolvimento integrado dos municípios em Cabo Verde”.
Acusações e defesa
De nada valeu o discurso apaziguador do autarca mosteirense.
Durante o fim de semana, a sua vitória foi classificada como “uma traição” ao partido e vários foram os comentários condenando as negociações de Fábio Vieira e acusando-o de ter entregue a maioria dos lugares na ANMCV ao MpD.
Nas redes sociais, o autarca de Mosteiros comentou que, após “ter sido eleito Presidente do Conselho Directivo da ANMCV, pude perceber que a minha eleição não caiu no agrado de uma ínfima parte do meu partido, só para verem a que nível chegámos”.
Lembrando que “pela primeira vez, em 34 anos de municipalismo em Cabo Verde, o PAICV assume a liderança do Conselho Directivo da ANMCV”, Fábio Vieira responde aos críticos, dizendo que “ao invés de vangloriarmos este feito, surge um grupo de acólitos, freteiros da ala radical do partido, tentando vilipendiar, gratuitamente, o meu bom nome na praça pública”.
Tradição
Pela primeira vez desde a sua criação em 1995, a ANMCV vai ser liderada por um autarca do PAICV, tendo em conta que, até às últimas eleições autárquicas de 1 de Dezembro do ano passado, o MpD sempre foi o detentor da maioria das 22 câmaras municipais do país.
Ao longo destas três décadas, a atribuição de cargos neste organismo tem sido regida por um ‘acordo de cavalheiros’, que estabelece que o partido vencedor das eleições autárquicas assume a presidência do Conselho Directivo, enquanto o partido menos votado assume a liderança do Conselho Geral.
A eleição de Fábio Vieira manteve essa tradição ao conduzir Leida Santos, presidente da Assembleia Municipal de Ribeira Grande (Santo Antão), como sucessora de Clara Marques, que tinha ocupado o cargo desde 2020.
“Sempre foi tradição na vida da ANMCV os partidos políticos partilharem a liderança dos órgãos, de acordo com os resultados das eleições autárquicas, isto é, o partido vencedor preside o Conselho Directivo e o menos votado, o Conselho Geral. E esta equação tem garantido a estabilidade necessária para o funcionamento desta importante instituição. Vejamos: de 2020 a 2024, em que o MpD foi o partido mais votado nas eleições autárquicas de 2020, Herménio Fernandes (MpD) presidiu o Conselho Directivo e Clara Marques (PAICV), o Conselho Geral. Com a alteração do mapa autárquico resultante das eleições autárquicas de 1 de Dezembro de 2024, o cenário alterou-se: o PAICV foi o partido mais votado e, como tal, passa a presidir o Conselho Directivo, enquanto o MpD, por ser o partido menos votado, assume a liderança do Conselho Geral. Portanto, até aqui tudo está muito claro”, comentou o novo presidente da Associação Nacional dos Municípios Cabo-Verdianos.
Preocupações
Afirmando que não são as críticas dos seus opositores internos que o preocupam, Fábio Vieira defende que a sua grande preocupação vem da “ignorância de alguns dirigentes em relação à organização e funcionamento da ANMCV, que, volto a dizer, não pode ser confundida nunca com uma instância partidária, mas sim com uma organização que representa e defende os interesses de todos os municípios cabo-verdianos”.
A grande preocupação, defende o recém-eleito presidente da ANMCV, é “a definição de uma agenda comum, que incorpore as aspirações, anseios e expectativas de todos os autarcas e contribua efectivamente para o reforço do poder local e o aprofundamento do processo de descentralização em Cabo Verde”.
Quanto às acusações de traição, Fábio Vieira afirma que “não se pode confundir tradição com traição. Traição, sim, foi o que aconteceu durante a eleição do novo líder da bancada parlamentar do PAICV (enquanto órgão interno do partido) e o caso mais recente da eleição do 1.º vice-presidente da AN, no qual alguns deputados ‘rabentolas’ do PAICV votaram, contrariando a orientação e o sentido de voto do próprio partido” e defende que, no PAICV, “não deve imperar a lógica impositiva na escolha dos seus representantes, mas sim cultivar-se a cultura do mérito, a meritocracia e o reconhecimento do percurso de todos aqueles que emprestaram e emprestam a sua vida às causas partidárias”.
Sem reflexo nas eleições internas
Questionado pelos jornalistas sobre se o resultado desta eleição pode vir a ter consequências nas eleições internas do PAICV, Fábio Vieira respondeu negativamente.
“Penso que não. Estamos a falar de um órgão externo ao partido e com legitimidade própria, pelo que não haverá nenhuma interferência. O importante é que o PAICV passou a liderar o Conselho Directivo desta associação”.
Já Isaías Varela optou por afastar qualquer possibilidade de divisão no seio do partido. “Da minha parte, não, porque eu continuarei no PAICV e vou dar o meu contributo para o fortalecimento do PAICV e de Cabo Verde”.
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Leida Santos eleita para o Conselho Geral
Além da vitória de Fábio Vieira, o X Congresso da ANMCV ficou marcado pela eleição de Leida Santos como presidente do Conselho Geral.
Na cerimónia, durante o seu discurso de vitória, a presidente da Assembleia Municipal de Ribeira Grande de Santo Antão sublinhou a importância do poder local no país, reconhecendo que tem sido “determinante para o desenvolvimento económico das comunidades locais e para a melhoria de vida das suas populações”.
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Resultados
Fábio Vieira, presidente da Câmara Municipal dos Mosteiros, foi eleito presidente do Conselho Directivo da ANMCV, obtendo 71 votos contra 53 de Isaías Varela, presidente da Câmara Municipal de São Domingos. Para o Conselho Geral, Leida Santos venceu com 68 votos, superando Maria Clara Rodrigues, que obteve 56 votos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1213 de 26 de Fevereiro de 2025.