Fazer mais e falar menos

PorJorge Montezinho,13 jul 2019 8:42

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O mundo está diferente e os políticos, os empresários e os cidadãos têm de acompanhar essa mudança, esta foi a principal mensagem deixada pelo Ministro das Finanças na entrevista exclusiva ao Expresso das Ilhas. Entre recados para a classe empresarial e política cabo-verdiana, Olavo Correia afirmou que só com mais trabalho e menos discussões é que o país poderá avançar.

Se pudermos resumir o Fórum: de um lado estavam investidores à procura de projectos, do outro projectos à procura de financiamento e no meio o governo a fazer uma ponte?

Exactamente, acho que qualquer palavra a mais estraga tudo, já explicou. Os empresários cabo-verdianos têm de ter projectos bancáveis e nós, governo, temos uma equipa permanente de consultores que recrutámos e pagamos para apoiar o sector privado. Por que ninguém vai financiar projectos sem ter projectos, não basta ter uma ideia. Os empresários têm de demonstrar serem capazes de criar valor com o dinheiro que lhes é entregue, caso contrário ninguém vai dar dinheiro. Se não houver confiança no projecto, ou nos promotores, ou nos gestores, ninguém dá dinheiro, como é evidente. E temos de trabalhar com o sector privado numa base de parceria. O governo e o sector privado não podem estar a atirar pedras um ao outro. Existe espaço para discutirmos as questões, para encontrarmos compromissos, mas temos de passar uma mensagem à nossa sociedade de que estamos alinhados em relação ao que queremos. É importante que nessa relação de parceria haja confiança, haja lealdade, haja cumprimentos de princípios e de regras para que possamos garantir que é uma boa relação, não só institucional, mas também pessoal. O Estado não vai conseguir investir nas energias, nas tecnologias, nos transportes aéreos, nos transportes marítimos, o Estado não tem dinheiro para esses investimentos. Portanto, sai, cria um quadro regulador, cria um quadro fiscalizador, tem a capacidade para gerir as parcerias público/privadas e convida os privados a investir.

O balanço já foi feito, os empresários e os investidores falam em sucesso, portanto vou perguntar-lhe: que Cabo Verde foi mostrado ao mundo durante este fórum?

Penso que conseguimos demonstrar um Cabo Verde confiante, repleto de oportunidades, um país fiável, seguro e que quer ser útil ao mundo, nos domínios do turismo, dos transportes aéreos, marítimos, das telecomunicações, do sistema financeiro, mas também um país que quer aproveitar todas as capacidades que existem na diáspora para que possamos acelerar a dinâmica de crescimento económico e para que possamos criar melhores condições de vida para os cabo-verdianos. Com uma regra muito simples: o Estado não tem nada para dar a ninguém, o Estado prepara a juventude com educação e formação, o Estado cria oportunidade para que as empresas criem empregos e os jovens têm de trabalhar para viverem na base do seu esforço e poderem ter uma vida melhor. Se essa regra for respeitada penso que temos as condições para actuarmos com qualidade, sustentabilidade e segurança em todos os domínios.

Considera este Fórum o pontapé de saída para que Cabo Verde se transforme nessa ambicionada plataforma no Atlântico Médio?

Repare, este é um processo de construção, vem de trás, mas o mais importante é que tivemos investidores de todas as origens no Sal. Gente que tem uma agenda apertadíssima, que estiveram cá durante três dias a ver Cabo Verde, a ouvir os cabo-verdianos, a analisar as perspectivas, a fazer B2B, portanto, é gente que tem interesse e que vem cá por que sabe que Cabo Verde será um player importante no futuro. Não vem cá para brincar, ou para perder o seu tempo, vem cá por que Cabo Verde tem oportunidades nos domínios do turismo, dos transportes, finanças, energias renováveis, mas também de aproveitamento do mercado étnico. Cabo Verde quer ser um país plataforma, estamos a trabalhar para que isso seja concretizado e temos que diversificar a economia. Cabo Verde não pode ser uma economia baseada na monocultura do turismo, com emprego menos qualificado e muitas vezes mal remunerado. É um sector importante, como é óbvio, mas não podemos querer que os nossos jovens licenciados, engenheiros, juristas, economistas, gestores, estejam a trabalhar nesse nível de remuneração. Temos de criar oportunidades para que tenham empregos bem remunerados e qualificados nessas novas áreas do saber. Temos em Cabo Verde de qualificar o discurso político. O nosso discurso político é o discurso do passado, o discurso político das estradas, dos portos, dos aeroportos, das infra-estruturas. O discurso hoje do mundo é o da modernização, da 4ª revolução industrial, do 5G, do Fintech, o discurso da colocação da tecnologia, do digital, ao serviço das pessoas, esse é o debate do futuro. O debate do futuro não são as estradas, a estrada do futuro é a tecnologia, e estamos atrasados, temos de mudar o chip. Temos de orientar a nossa juventude para aquilo que é a modernidade e a modernidade é isto: qualificação para sermos e estarmos no mundo, aproveitamento das oportunidades tecnológicas e fazer de Cabo Verde um país plataforma. Temos tudo para sermos um país desenvolvido, não somos pobres, nem pequenos. Dizer que somos pequenos é dizer que o nosso mar não conta? A nossa ambição não conta? A nossa diáspora não conta? Cabo Verde não é pequeno e é pobre por uma questão de circunstância. Portanto, tudo depende de nós e da visão dos líderes, da nossa capacidade de transmitir confiança à sociedade e, sobretudo, trabalhar para fazer as coisas acontecer. Menos conversa e mais acção. Menos conversa e fazer mais.

Considera que o novo hospital da Praia enquadra-se nesse falar menos, fazer mais?

Quero destacar essa questão da saúde. Há mais de quarenta anos que andamos para trás e para a frente na questão da saúde. O país não conseguiu ter um hospital que se preze, obrigando a evacuações constantes, com as pessoas muitas vezes a passarem dificuldades, muitas vezes até vergonha, em Portugal e noutros países. Cabe a nós enquanto líderes mudar este estado das coisas. Não podemos construir um hospital em condições para os cabo-verdianos? Podemos sim. E vamos construir esse hospital para servir todos os cabo-verdianos, para eliminar as evacuações, para prestar um serviço de saúde que possa fazer de Cabo Verde um destino de turismo de saúde, mas também para que os nossos quadros da diáspora, médicos, possam trabalhar em Cabo Verde.

Mas sabe que os quadros da diáspora enfrentam alguns constrangimentos para trabalharem em Cabo Verde.

Nós vamos acabar com essa restrição para proteger interesses instalados em Cabo Verde. Se temos necessidade de termos médicos a trabalhar em Cabo Verde e não temos essa capacidade de oferta a nível nacional, podem vir cabo-verdianos dos Estados Unidos, da França, de qualquer país do mundo e lá onde a lei estiver a bloquear temos de ter a coragem para mudar a lei. Por que mais do que servir o técnico temos de servir as pessoas, temos de estar voltados para as pessoas. Portanto, nos próximos tempos vai aqui haver uma pequena revolução no domínio da saúde. Estamos muito engajados, tanto eu como o nosso ministro da Saúde, com um mandato claro do nosso Primeiro-Ministro, para mudarmos esse quadro e criarmos as condições para termos um serviço de saúde de qualidade para os cabo-verdianos, para os turistas que nos visitam, mas também aberto aos médicos cabo-verdianos na diáspora e que estão disponíveis a ajudar Cabo Verde a ter um melhor serviço nacional de saúde.

Para já há um memorando de entendimento. Quais serão os próximos passos?

Três meses para termos todos os documentos necessários. A equipa das Finanças, da Saúde, sabem que têm de ser rápidas, portanto, estamos a trabalhar para ter todos os documentos financeiros, técnicos, o modelo de gestão – como sabe temos a parceria já disponibilizada da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que está disponível para ajudar a parte da gestão do próprio hospital. Portanto, três meses no máximo para levarmos os documentos ao Conselho de Ministros para aprovarmos. A partir daí estaremos em condições para avançar. O financiamento já está disponível, concessional, em óptimas condições, portanto é um modelo sem grande impacto sobre a dívida pública, e depois é começar com a execução. Não temos mais tempo, as pessoas precisam da saúde ontem e não podemos continuar a permitir que os nossos cidadãos continuem a passar aquilo que passam em matéria dos cuidados de saúde. Penso que passados todos estes anos sobre a Independência é nossa obrigação fazer tudo para que o quadro mude e tem de mudar de forma radical. Não podemos continuar a fazer mais do mesmo, a ter o discurso da lamúria, a mensagem do passa-culpas. Todos nós temos responsabilidades em relação ao futuro do nosso país e se cada um der o seu máximo, antes de estar a exigir mais dos outros, as coisas mudam tranquilamente. Tenho confiança no meu país, que tem tudo para dar certo.

A verdade é que depois destes três dias de contactos, de abertura ao mundo, de cosmopolitismo, vai ter de regressar ao país real. Nas suas intervenções, e nesta entrevista, foi deixando uma série de mensagens, não só para os políticos, mas também para os empresários nacionais. É por isso que fala na necessidade de haver uma mudança radical?

Claro. O contexto mudou. O pior que pode acontecer é pensar que são só os outros que têm de mudar. Só os outros é que estão errados, só os outros é que fazem coisas erradas. Isso tem de acabar. A questão é: podemos ter funções diferentes, mas a nossa responsabilidade com o futuro deste país é a mesma. Portanto, o que está em causa hoje é a mudança. Os empresários cabo-verdianos têm de mudar, mudar a gestão, estabelecer um novo quadro de parcerias, estar mais aberto ao mundo, por que quem quer receber um financiamento de cinco milhões, de dez milhões, ou de quinze milhões, não pode continuar a governar a sua empresa com base em métodos do passado, há novas exigências. Quem quiser ficar na bagunça, pode ficar, mas não pode querer que alguém lhe dê dinheiro, até por que ninguém lho vai dar. Se quiser ter acesso a esses montantes de financiamento tem de mudar o modelo de governação e tem de ser mais responsável naquilo que é a própria gestão empresarial e a prestação de contas. A regra é simples: a empresa só faz sentido se for para criar valor. Uma empresa que não pague salários a tempo, que não pague ao fisco, que não assume as suas responsabilidades sociais, o melhor é acabar. As empresas têm de existir para criar valor para todos, para os trabalhadores, para a comunidade, para os bancos, para a sociedade e tem de cumprir os seus compromissos. Nenhum país desenvolvido se desenvolveu à base de bagunça, indisciplina e desorganização, temos de ter um sentido de comprometimento e de cumprimento de compromissos, contratos e obrigações. Temos de ter uma alteração cultural, sob pena de continuarmos com os lamentos. O empresário não é político, o empresário faz, não fala. Se há uma oportunidade de negócio, o empresário empreende e acaba com a dificuldade. Se há uma dificuldade, em vez de estar a amplifica-lo, faz negócio. Se acha que temos poucas companhias aéreas em Cabo Verde, se acha que há uma oportunidade no sector aéreo, crie uma empresa, esse é o seu papel, não é falar. Para falar já existem muitos políticos, os empresários devem empreender, produzir, inovar, criar valor. E podem contar com todo o apoio do governo. É o que temos feito. Criámos todo um ecossistema de financiamento para as empresas, fundos de garantia, fundos para promover as empresas, isso nunca tinha acontecido em Cabo Verde. E o governo está disponível para fazer a ligação entre os empresários e as entidades financeiras internacionais, de qualquer parte do mundo. Levamos empresários connosco e trazemos as instituições a Cabo Verde e todos os anos vamos organizar este Fórum. Vamos ver onde será no próximo ano, por que é necessária uma logística adequada, até por que não podemos baixar o nível não é verdade? Em resumo, os empresários podem contar connosco, mas têm de cumprir. O Estado também vai cumprir, pagar a tempo e exigir que os outros cumpram com o Estado. Se não cumprirem o Estado tem de actuar. Regras claras, princípios claros. Cada um a trabalhar. E o país a mudar.

Isso é um pedido de confiança?

Temos de confiar. Quando a caminhada é longa há zonas de turbulência, mas não podemos perder de vista o destino final. Se voamos daqui para Portugal enfrentamos zonas de turbulência, mas confiamos que a tripulação conseguirá levar o avião até Lisboa. E vamos levar este país a bom porto. Temos tudo para fazer de Cabo Verde um país desenvolvido.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 919 de 10 de Julho de 2019. 

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Autoria:Jorge Montezinho,13 jul 2019 8:42

Editado porAndre Amaral  em  6 abr 2020 23:21

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