A economia que vamos ter em Cabo Verde e no mundo

PorJorge Montezinho,23 abr 2023 9:29

Alerta de spoiler, o que aí vem continuará a não ser fácil: a economia vai desenvolver-se menos do que o esperado, a inflação e a incerteza estão para durar, as dívidas públicas serão um problema. Ou seja, os desafios para a economia mundial são muitos e as preocupações do FMI também. Cabo Verde participou nas reuniões do FMI e do Banco Mundial, em Washington, entre os dias 10 e 16 deste mês, e o ministro das Finanças levou na bagagem, entre outras, questões como as alterações climáticas, a agenda de transformação, o combate à pobreza e o crescimento económico.

Cabo Verde quer ultrapassar meta de crescimento prevista pelo FMI. Em entrevista à Lusa, em Washington, Olavo Correia comentou as projecções de crescimento feitas pelo Fundo Monetário Internacional – 4,4% para 2023 – recordando que o país tem um histórico de ultrapassar essas expectativas.

“Em 2022, tinham previsto crescimento de 4% e crescemos quase 18%. Nós sabemos que temos condições e obrigação até para crescermos muito acima dos 5% se o contexto Internacional nos ajudar nesta estratégia de promoção do crescimento económico, ancorado também na diversificação da economia cabo-verdiana”, afirmou o ministro das Finanças.

As Reuniões de Primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional juntam bancos centrais, ministros das Finanças e Desenvolvimento, executivos do sector privado, representantes de organizações da sociedade civil e académicos para discutir questões de preocupação global, incluindo as perspectivas económicas mundiais, erradicação da pobreza, desenvolvimento económico e eficácia da ajuda.

Do encontro deste ano não saem as melhores notícias. O mundo vai crescer ao ritmo mais baixo das últimas duas décadas e vai estar mais endividado e fragmentado. Os dias de optimismo parecem ter ficado para trás, como já o antevia, aliás, o último Outlook do FMI, publicado também neste mês de Abril.

Outlook de Abril

É o regresso da incerteza por causa da turbulência do sector financeiro, da alta inflação, dos efeitos contínuos da invasão da Ucrânia e dos três anos de covid.

A previsão é que o crescimento caia de 3,4% em 2022 para 2,8% em 2023, antes de se estabelecer em 3,0% em 2024. Espera-se que as economias avançadas enfrentem um abrandamento acentuado do crescimento – de 2,7% em 2022 para 1,3% em 2023. Num cenário alternativo plausível, com mais stress no sector financeiro, o crescimento global poderá cair para cerca de 2,5% em 2023, com o crescimento das economias avançadas abaixo de 1%. A inflação nominal global deve cair de 8,7% em 2022 para 7,0% em 2023 devido aos preços mais baixos das mercadorias, mas a inflação subjacente [que não leva em conta o impacto dos factores temporários ou circunstanciais sobre o índice da inflação] provavelmente cairá mais lentamente. Uma baixa da inflação é improvável antes de 2025 na maioria dos casos.

Em termos de perspectivas e políticas globais, os sinais provisórios – no início deste ano – de que a economia mundial poderia ter uma aterragem suave – com a inflação a cair e crescimento estável – recuaram perante a inflação persistentemente alta e a recente perturbação no sector financeiro. Embora a inflação tenha diminuído à medida que os bancos centrais aumentaram as taxas de juros e os preços dos alimentos e da energia caíram, as pressões dos preços subjacentes estão a mostrar-se difíceis, com os mercados de trabalho apertados em várias economias.

No geral, a análise sugere que, uma vez passado o actual episódio inflacionista, é provável que as taxas de juros voltem aos níveis pré-pandémicos nas economias avançadas. O quão perto as taxas de juros chegarão a esses níveis dependerá da materialização de cenários alternativos envolvendo a dívida e o défice dos governos.

Ora, a dívida pública disparou globalmente durante a pandemia e deve permanecer elevada, representando um desafio crescente para os decisores políticos, principalmente porque as taxas de juros estão a escalar por todo o mundo.

Segundo o FMI, as consolidações orçamentais oportunas e concebidas de forma adequada têm uma elevada probabilidade de reduzir de forma duradoura os rácios da dívida. Em segundo lugar, quando um país está em situação de “super endividamento”, uma abordagem abrangente que combine reestruturação significativa da dívida – renegociação dos termos do serviço da dívida existente – consolidação fiscal e políticas de apoio ao crescimento económico pode ter um impacto significativo e perdurável na redução dos índices da dívida. A coordenação entre os credores é essencial.

Cabo Verde e a dívida pública

O stock da divida do Governo Central de Cabo Verde no final do 3º trimestre de 2022 situou-se em 299.056 milhões de CVE, representando 139,9% do PIB. Em Washington, Olavo Correia, disse à Lusa que este valor não preocupa o executivo.

“Nós, Cabo Verde, temos uma política de endividamento desde há vários anos” que “obriga a que o Estado contraia apenas dívida concessionada e multilateral”, explicou o ministro das Finanças. “Contrariamente a muitos outros países africanos, que têm uma dívida pública em percentagem do PIB inferior a Cabo Verde, a nossa dívida é sustentável.”

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“Todos os testes de stress que se fizeram até hoje apontam para a sustentabilidade da dívida pública, porque ela é uma dívida constitucional para ser paga a longo prazo 30, 40 anos junto de instâncias multilaterais.”, referiu ainda Olavo Correia.

O crescimento económico é uma das soluções do executivo para baixar o peso da dívida pública cabo-verdiana, numa “dinâmica sustentada a 10, 15 anos”, explicou.

Assim, o governo quer “aumentar a base tributária”, de modo a arrecadar mais receitas ficais que hoje incidem sobre 22% do PIB, procurando atingir os 30% em breve, com políticas de desmaterialização da relação do Estado com os cidadãos e mais combate à fuga fiscal, seguindo as boas práticas internacionais.

“Nós não queremos aumentar a incidência fiscal, queremos aumentar a base tributária, pôr todos a pagar por uma questão de justiça e permitir que o Estado arrecade mais impostos para melhor servir os cidadãos com serviços de qualidade”, afirmou o ministro das Finanças.

“A nossa meta é colocar este rácio à volta dos 100% do PIB, no horizonte de 2026 a 2030”, resumiu Olavo Correia.

Fragmentação Geoeconómica e Investimento Directo Estrangeiro

As interrupções na cadeia de abastecimentos e as crescentes tensões geopolíticas trouxeram os riscos e os benefícios e custos potenciais da fragmentação geoeconómica para o centro do debate político, como destaca o Outlook do FMI.

Os fluxos de IDE estão cada vez mais concentrados em países alinhados geopoliticamente, principalmente em sectores estratégicos. Vários mercados emergentes e economias em desenvolvimento são altamente vulneráveis à realocação de IDE.

No longo prazo, a fragmentação de IDE decorrente do surgimento de blocos geopolíticos pode gerar grandes perdas de produção, especialmente para os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento.

Reunião do Grupo Consultivo Africano

Olavo Correia é, atualmente, o presidente do African Caucus, uma vez que Cabo Verde foi escolhido para presidir e ser sede do African Caucus 2023, reunião anual que se realiza desde 1963 e que junta os ministros das Finanças e do Planeamento e governadores africanos dos bancos centrais junto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Grupo Banco Mundial.

Em Washington, Olavo Correia e Kristalina Georgieva, Diretora Executiva do FMI, tiveram um encontro, do qual saiu uma declaração onde se assume que os países africanos estão a enfrentar o impacto do enfraquecimento da atividade económica global. Além disso, a depreciação da taxa de câmbio, as taxas de juros globais mais altas e os spreads soberanos elevados tornam o financiamento mais caro ou até inacessível, ao mesmo tempo que o declínio da ajuda externa e os fluxos de investimento mais baixos fazem com que a região enfrente um grave aperto de financiamento.

“O Grupo reiterou a necessidade de abordar as crescentes vulnerabilidades da dívida e continuar a fortalecer a arquitetura internacional de resolução da dívida. O FMI continua a explorar maneiras de tornar a resolução da dívida mais eficiente. (...) O Grupo também concordou que o fortalecimento da proteção social é fundamental. As redes de segurança social podem promover um crescimento maior e mais inclusivo, melhorando os resultados da educação e saúde, aumentando o capital humano e a produtividade do mercado de trabalho e incentivando famílias vulneráveis a investir em atividades geradoras de rendimento que também beneficiam as comunidades locais”, lê-se nas conclusões.

“(...) Construir resiliência, inclusive às mudanças climáticas, continua a ser fundamental para a região. É imperativo desbloquear o financiamento climático concessional e atrair financiamento climático privado. Também discutimos os desafios únicos enfrentados pelos Pequenos Estados em Desenvolvimento, incluindo a mudança climática e a diversificação das suas economias”, refere ainda o documento.

“Concordamos que os governos da região, a comunidade internacional e o sector privado devem trabalhar em cooperação para responder aos desafios da região. Aumentar o espaço fiscal de forma favorável ao crescimento ajudaria a criar espaço para gastos sociais e de infraestrutura tão necessários. A mobilização de financiamento externo adicional para apoiar a recuperação continua crítica. O aprofundamento dos mercados financeiros domésticos, o fortalecimento da integração regional, a redução das barreiras comerciais e transfronteiriças e o aproveitamento das oportunidades oferecidas pela Área de Livre Comércio Continental Africana (AFCTA) ajudariam a criar resiliência diante de choques externos”. O FMI garantiu que continua firmemente comprometido com a região.

Os alertas de Washington

No decorrer das reuniões de primavera, todos os painéis convergiram para cinco sinais de alerta com que se depara a economia mundial nos próximos anos, e que deverão ser acompanhados de perto pelas autoridades políticas e económicas: o monstro da dívida pública global, o crédito mais caro e mais escasso, o modesto crescimento económico, as políticas orçamentais mais apertadas e o agravamento das desigualdades mundiais.

Desde o início da pandemia, o FMI emprestou cerca de 300 mil milhões de euros a 96 países. Só desde meados de Setembro, o FMI aprovou 23 novos programas de financiamento em cerca de 40 mil milhões de euros. Isto inclui programas de emergência financeira, novos programas de apoio financeiro.

Segundo o FMI, cerca de 15% dos países de baixo rendimento já estão numa situação de “super endividamento” e outros 45% enfrentam vulnerabilidades decorrentes dos elevados níveis de dívida que apresentam. Para resolver esta questão, o FMI tem procurado promover uma solução junto dos credores públicos e privados, que tem como objetivo alcançar uma espécie de reestruturação da dívida destes países.

E como refere o Outlook deste mês, os riscos para as previsões estão fortemente inclinados para o lado negativo. “Na maioria dos casos, os governos devem procurar uma postura geral rígida, ao mesmo tempo que fornecem apoio direccionado àqueles que mais lutam contra a crise do custo de vida”, conclui o documento. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1116 de 19 de Abril de 2023.

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Autoria:Jorge Montezinho,23 abr 2023 9:29

Editado porAntónio Monteiro  em  17 jan 2024 23:29

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