Fazer ouvir a voz de África

PorJorge Montezinho,16 jul 2023 8:45

African Caucus 2023
African Caucus 2023

Mais de 300 ministros, governadores dos bancos centrais africanos e outros responsáveis, de 66 nacionalidades, estiveram no Sal, a participar no African Caucus 2023, onde se debateu o futuro do continente. O tema principal foi as “Novas Modalidades e Mecanismos para Financiar o Desenvolvimento Económico em África” e dos três dias saiu a vontade clara para reformar o sistema financeiro internacional.

“Acredito na transformação do Continente”, resumiu o ministro das finanças Olavo Correia, no final do African Caucus. “África não está no lugar que deveria estar, pelo que precisamos agir, com escala, rapidez, mas sobretudo com impacto na vida das pessoas”, continuou o governante.

“Precisamos em África é de boa governação, de boas lideranças comprometidas, não apenas ao nível do Governo, mas a todos os níveis, para fazermos a transformação e fazermos da África um continente de oportunidades, positivo, de esperança e que nos orgulhe a todos enquanto africanos”, concluiu o ministro.

Cabo Verde foi escolhido, há mais de um ano, para presidir, e ser sede, do African Caucus 2023, reunião anual que se realiza desde 1963 e que junta os ministros das Finanças, Planeamento e governadores africanos dos bancos centrais junto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Grupo Banco Mundial (GBM).

O evento teve como principal objetivo fornecer aos Governadores Africanos do GBM e do FMI, um mecanismo para coordenação e harmonização das suas ações, de modo a salvaguardarem efectivamente os interesses dos países membros junto das instituições Bretton Woods. Teve como tema “Novas Modalidades e Mecanismos para Financiar o Desenvolvimento Económico em África”, e três subtemas: (i) o futuro da dívida como instrumento de financiamento para o crescimento em África, (ii) financiamento energético, (iii) financiamento climático e (iv) desenvolvimento do sector privado em África: o caso dos Pequenos Estados Africanos.

África hoje

África pode estar próxima de uma transformação económica e de fornecer soluções climáticas para o mundo, mas a falta de financiamento de baixo custo impede os países africanos de resolver as necessidades imediatas de desenvolvimento e investir no futuro.

Com uma população jovem, até 2050 o continente terá adicionado 796 milhões de pessoas à força de trabalho global. A Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA) quer criar um mercado único em todo o continente que une 54 países com uma população combinada de 1,3 mil milhões de pessoas e um PIB total de 3,4 triliões de dólares.

África tem 60% do melhor potencial solar do mundo, 71% da produção global de cobalto e 77% de platina, minerais essenciais para a transição energética. Mas, apesar de todo este potencial, espera-se que o crescimento africano desacelere para 3,2% em 2023. Além disso, mais de 600 milhões de pessoas, quase o dobro da população dos Estados Unidos, ainda não têm acesso à eletricidade no continente.

Como sublinhou o director executivo para África do Banco Mundial, Abdoul Salam Bello, “triliões de dólares serão necessários para responder às aspirações da população africana, transformar as economias e fazer a transição dos sistemas de energia”.

O secretário-geral da ONU já pediu um aumento no financiamento de pelo menos 500 mil milhões de dólares por ano para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O Banco Mundial foi criado para fornecer esse tipo de financiamento de baixo custo, no entanto, os países africanos pedem mudanças para atingir a velocidade e a escala necessárias.

Ao apresentar uma mensagem clara e consistente no African Caucus do Sal, os países africanos esperam moldar a agenda de reformas do Banco Mundial, antes dos importantes momentos de tomada de decisão que vão acontecer no G20 e nas reuniões anuais do FMI/Banco Mundial em Marrakech, em Outubro. Se forem bem-sucedidas, essas restruturações podem ajudar a transformar as economias africanas a enfrentar os desafios do desenvolvimento e as mudanças climáticas.

Os desafios

A Declaração do Sal responde à necessidade urgente de acção, até porque os desafios são muito significativos. 88% dos ODS até 2030 falharam. O progresso da redução da pobreza extrema estagnou e, em muitos casos, foi revertido em face da pandemia e da invasão da Ucrânia. Os preços globais dos alimentos estão em máximos históricos e 45% dos países africanos estão em dificuldades financeiras ou em alto risco de as ter.

E é perante este cesto cheio de crises que os países africanos pedem urgentemente um Banco Mundial maior, melhor e mais justo.

Como disse, no Sal, o Ministro para o Desenvolvimento e África do Reino Unido, Andrew Mitchell, “para cumprir a visão do novo presidente, precisamos de um Banco Mundial maior, que reconheça as crescentes necessidades dos mutuários”.

E no que se traduz isto? Na necessidade de o Banco Mundial ser muito mais rápido em levar liquidez onde é mais necessária. Atualmente, e em média, demora dois anos desde a concepção do projecto até ao desembolso. “E isso é simplesmente muito longo”, cosiderou Andrew Mitchell.

“Precisamos que o Banco apoie melhor os países no planeamento de crises, na construção de sistemas de proteção social sólidos e na implementação de financiamentos, para que o dinheiro flua rapidamente e para os lugares certos. Precisamos também de um Banco que apoie um sistema financeiro internacional mais justo”, reforçou o Ministro para o Desenvolvimento e África do Reino Unido.

As reformas do Banco Mundial

O primeiro-ministro defendeu, no African Caucus, uma reforma do Banco Mundial que seja ajustada aos novos tempos e capaz de o transformar num banco “mais próximo e mais ágil” nas operações.

“Juntos temos de fazer as reformas do Banco Mundial, ajustado aos novos tempos, ajustado ao futuro que temos que construir juntos. Big Bank – Better Bank. Os investimentos com impactos transformadores de longo prazo, exigem recursos concessionais, previsibilidade, efeitos de escala e tempo de execução dos financiamentos ajustados aos resultados que se pretendem obter”, referiu Ulisses Correia e Silva.

“O peso da dívida externa, os riscos soberanos e as condições de financiamento dos países e das empresas africanas são assuntos sérios que bloqueiam as saídas para o desenvolvimento. Precisam de soluções estruturadas e consistentes” acrescentou o Chefe do Governo.

“São precisos mecanismos que criem ciclos virtuosos”, pediu o Primeiro-ministro. “A transformação da dívida em financiamento climático e ambiental é um deles. Reduz a dependência dos combustíveis fosseis, cria valor económico aos recursos naturais como o sol, o vento e o mar, reduz a fatura energética, aumenta o nexo entre a água e a energia renovável, promove a gestão sustentável dos recursos marinhos e o desenvolvimento da economia azul, impacta na redução da emissão do carbono, cria oportunidades de investimentos para o sector privado e emprego qualificado. Este é um exemplo do que uma transformação da dívida em investimentos pode produzir”.

África como actor relevante

Ulisses Correia e Silva recordou o contexto geoeconómico e geopolítico mundial “muito desafiante” e lembrou que os países menos desenvolvidos, particularmente os africanos, viram agravar a pobreza, a insegurança alimentar e a dívida pública.

É neste contexto que o continente, disse o Chefe do Governo, tem de participar activamente nos debates para responder aos desafios mundiais ao nível da segurança: “segurança alimentar, segurança sanitária e segurança ambiental face às mudanças climáticas, às pandemias e às profundas desigualdades no acesso de milhões de famílias a bens tão básicos como a energia, a água e o saneamento domiciliários; segurança face ao tráfico de drogas, ao terrorismo, à proliferação de armas de destruição maciça, à pirataria marítima, à pesca ilegal, ao tráfico de pessoas e ao cibercrime”.

Como outros líderes africanos, Ulisses Correia e Silva quer que o continente tenha uma representação justa e relevante no concerto das nações, “nomeadamente ao nível do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI”.

“Participar e influenciar para ter mecanismos e condições de financiamento ao desenvolvimento ajustados às transformações estruturais que a África precisa para produzir impacto acelerado sobre o emprego, o rendimento, a pobreza e o aumento da resiliência”, explicou o Primeiro-ministro no discurso que proferiu no Sal.

“África precisa crescer mais e ter melhor inserção na economia mundial para produzir, exportar, criar empregos bem remunerados, eliminar a pobreza extrema e proporcionar felicidade aos seus povos”, disse o Chefe do Governo, “os ganhos serão para todos: para a África com uma população jovem e elevado potencial de consumo e produção, e para o resto do mundo que enfrenta o fenómeno de envelhecimento da população como um fator recessivo da economia”.

Somar em vez de subtrair

Num discurso com mensagens para fora, mas também para dentro do continente, Ulisses Correia e Silva apelou para que os países africanos não se coloquem na posição de vítimas da história, “mas na posição de protagonistas activos de mudanças impactantes e duráveis que a África precisa para construir novas e diferentes histórias”.

“Para além da necessidade de mudar os graves desequilíbrios na inserção da África no sistema económico mundial, temos que ser exigentes connosco mesmos. Devemos estar todos à altura dos desafios para responder com sentido estratégico e com acção, actuando com determinação sobre os factores internos, da nossa responsabilidade”, concluiu o Primeiro-ministro.

Criado em 1963 como um fórum para organizar e articular estratégias e acções de interesse comum para a África, as conclusões do African Caucus 2023 em Cabo Verde serão levadas à Assembleia Anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, marcada para Outubro próximo, em Marraquexe, Marrocos.

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A agenda de Cabo Verde

O African Caucus foi aproveitado por Cabo Verde para a sua agenda de encontros bilaterais. Com o Banco Mundial, a reunião teve como objectivo essencial a identificação de projectos estratégicos e prioritários para Cabo Verde, e a melhor forma de apoiar a agenda de desenvolvimento do país, no quadro do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde (PEDS).

As prioridades de Cabo Verde para esta agenda são: o acesso a água e energia; a promoção da Economia Circular; a Economia Azul; a Economia Verde; a Economia Digital; a Saúde e a Segurança Sanitária – com prioridades específicas como o Hospital Central, todo Sistema Nacional de Evacuações, como a produção de medicamentos; o Turismo – numa lógica de cadeia de valor; a reforma do sector empresarial do Estado.

Cabo Verde e o Reino de Marrocos reforçaram o diálogo político para a cooperação em áreas como a transição da economia informal para a formal, a habitação social, as energias renováveis, a agricultura e o turismo, podendo a Royal Air Marroc também fazer a ponte com os actuais e novos países emissores de turismo para Cabo Verde.

Com a UNECA [Comissão Económica das Nações Unidas para África], Cabo Verde quer reforçar o quadro de cooperação. Neste sentido, do encontro entre Olavo Correia e o Secretário Executivo da UNECA, António Pedro, saiu o compromisso da elaboração de um plano de acção conjunto entre Cabo Verde e a UNECA para enquadrar todas as áreas de cooperação, entre as quais, mudanças climáticas, transição energética, mercados de carbono, reconversão da dívida pública, e transformar isso em acção concreta.

Com Angola também se procura aprofundar as relações históricas, elevando-as a um novo patamar. O objectivo é colocar esta relação ao nível de uma parceria estratégica nas áreas da fiscalidade e em especial do contencioso fiscal, da gestão orçamental e financeira, da gestão das aquisições públicas e das finanças locais.

Cabo Verde e Angola reiteraram o interesse na efectivação do Acordo sobre a Dupla Tributação que protege e encoraja o investimento privado em Cabo Verde e em Angola.

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Worshop sobre o AGOA

A Embaixada dos Estados Unidos da América na Praia e a Cabo Verde TradeInvest, em parceria com as Câmaras de Comércio de Barlavento e Sotavento, o Ministério das Finanças e o Ministério da Indústria, Comércio e Energia promovem esta semana o workshop “AGOA e Estratégias de Acesso ao Mercado dos EUA”.

O programa do workshop inclui sessões de esclarecimento dirigidas às entidades públicas e privadas com responsabilidades no processo de exportação, formações práticas destinadas a empresas e a produtores cabo-verdianos, bem como encontros de trabalho com algumas empresas.

Entre outros elementos, o workshop abordará regras de exportação para o mercado dos EUA, os benefícios do AGOA, as regras de origem, as exigências alfandegárias, os procedimentos e a documentação para exportação, bem como dos padrões fitossanitários e os requisitos de rotulagem do mercado norte-americano.

Depois da Praia, esta quarta sessão decorre no Mindelo, a partir das 14h15, na sala de Conferências da Câmara de Comércio de Barlavento.

Vigorando até 2025, o AGOA – African Growth and Opportunity Act/ Lei de Oportunidades e Crescimento para África – é um elemento da relação económica e comercial dos EUA com África, oferecendo aos países elegíveis da África Subsaariana isenções de impostos para mais de 1.800 produtos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1128 de 12 de Julho de 2023.

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Autoria:Jorge Montezinho,16 jul 2023 8:45

Editado porEdisângela Tavares  em  10 abr 2024 23:28

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