Com o que podemos contar para este ano económico?
Vai ser um ano de incerteza. A nível mundial, desconhece-se o que vai ser o programa da nova administração Trump nos Estados Unidos. A Europa está praticamente no fundo do poço. Não se sabe que soluções vai encontrar para relançar a sua economia. E Cabo Verde, que depende quase totalmente da Europa, nosso principal fornecedor, vai por arrastamento. Embora, como pequena economia, possamos fazer algo diferente para contrariar alguns determinantes.
Que factores internos e externos podem influenciar as projeções económicas para Cabo Verde?
Cabo Verde, internamente, tem de melhorar a sua atratividade e competitividade. Porque não temos outra solução senão continuar a atrair o capital estrangeiro para dinamizar a nossa economia, criando emprego, criando rendimento. Infelizmente, isso nem sempre é feito da maneira que gostaríamos. Por exemplo, ao ver o orçamento de Estado, o governo, contrariamente a tudo que se poderia esperar, introduziu novas taxas no investimento externo, particularmente na fase de investimento. Não estou a falar de tributação das operações hoteleiras, de turistas e outros, mas estou a falar no acto de investimento, e o governo, sob pressão do Banco Mundial e do FMI, que estão a dar cabo de nós, introduziu uma taxa que chamam de taxa moderadora, mas não é nada moderadora quando falamos de montantes elevados, 5% nas importações. Isso não é normal e não vai melhorar em nada a nossa economia. Por isso, temo que continuemos a não ter muitos investimentos e podemos até ficar aquém dos 5% de taxa de crescimento. Se não crescermos acima de 7%, não conseguiremos sair do ciclo vicioso de país a desenvolver-se, mas nunca o suficiente para dar o saldo colectivo para a frente.
Considera que não há medidas para atrair o investimento directo estrangeiro?
Não há, não há. Ao introduzir 5% de taxa de direitos aduaneiros até pode retrair alguns investimentos. Porque, pelo menos, desarma as pessoas que vinham até esse momento a falar, a tentar promover Cabo Verde no mundo, para atrair investimentos. Que não é fácil. O investimento vai para os grandes países: Estados Unidos, China, Alemanha, Reino Unido, França, Espanha, etc. Os países pequenos, onde quer que estejam, não são muito atractivos, porque são pequenos. Portanto, têm de ser muito atractivos para poderem conquistar a simpatia de alguns potenciais investidores.
Uma vez que conhece bem os bastidores, sabe de algum investimento directo estrangeiro que estava à espera e que agora se calhar entrou um bocadinho em stand-by por causa dessas situações?
Os investimentos que estavam preparados para arrancar este ano, 2025, tanto no Sal como na Boa Vista, vão arrancar, até porque vão estar a coberto da lei antiga ainda. Mas novos investimentos, ou novos investidores, com novos projectos, as pessoas vão parar e pensar, vão comparar entre Cabo Verde e outros destinos. Temos de ter a consciência clara que não somos destino único, nem dos melhores. Temos algumas vantagens, nomeadamente, não estarmos longe do mercado europeu, o principal mercado emissor, temos a vantagem de ser, talvez, o país que tem o melhor clima tropical ou subtropical mais perto da Europa. É uma grande vantagem, é uma vantagem natural. Mas, para além dessa vantagem natural, compete ao governo e também nós, as Forças Vivas, as Câmaras do Comércio, Câmara do Turismo, etc., discutir isso e dizer ao governo certas coisas em termos de melhorar grandemente a nossa competitividade, porque temos de melhorar grandemente a competitividade para podermos atrair novos investimentos. Se reparar, aliás, o Banco do Cabo Verde há pouco tempo referiu-se a isso, que tem havido uma quebra no fluxo do investimento externo, particularmente se tomarmos o período 2016-2020.
Por falar em Banco Central, com este novo aumento dos juros, e com essas questões fiscais que referiu, poderá haver uma influência negativa para o ambiente de negócios cabo-verdiano?
Para o ambiente de negócios cabo-verdiano pode haver. Bom, em termos de investimentos, os nacionais não têm muita alternativa. Ou investem, ou investem. Mas, em termos de aumento das taxas de juros, possivelmente os bancos comerciais também vão aumentar a sua instância, e se o fizerem, com certeza que isso vai encarecer a vida. Tão simples como isso. Os produtos tornam-se mais caros. Portanto, isso vai reduzir o poder de compra, real, das pessoas.
O ano de 2024 teve dois momentos marcantes: a derrota do MpD nas autárquicas e os leilões do INPS. São dois temas que vão ter impacto na economia neste ano de 2025?
Acho que sim. Em termos políticos, na sequência da derrota estrondosa nas autárquicas de Dezembro, o MpD vai fazer tudo para tentar reconciliar-se com o eleitorado. E é legítimo usar certas políticas públicas para essa reconciliação. Não se pode condenar o MpD se agir assim. Quanto aos leilões, os leilões foram, infelizmente, uma falsa crise. Porque a situação já era crítica. É estranho que até Dezembro do ano passado ninguém tivesse falado nisso, que o INPS estava a perder dinheiro, financiando os bancos comerciais. Portanto, o governo e o próprio Banco Central, estavam assobiando para o lado. De repente, o presidente do INPS e a sua comissão executiva exercendo a sua obrigação profissional de trazer soluções para evitar que, de facto, o INPS caminhe para derrocada, para a falência, começaram a mexer na situação que não podia continuar por muito tempo. E aí, com certeza, a reação não me espantou, porque, é como alguém que está sempre a comer gratuitamente, a quem, de repente, se diz que tem que passar a pagar, a primeira reação é resmungar. Essa foi a atitude dos bancos, mas o governo e o Banco do Cabo Verde deveriam agir de outra forma. Mas pronto, agiram da forma como agiram, vamos esperar que em 2025, necessariamente, o princípio dos leilões seja clarificado e reconfirmado como o principal mecanismo que o INPS vai utilizar.
Em 2025, a diversificação da economia deverá ser, mais uma vez, um dos temas mais falados, será desta que vamos ver algo de concreto?
Mas diversificar para que sectores? Que tipo de actividade? O problema que se põe é esse: em que actividade podemos diversificar a ponto de essa actividade se tornar uma das alavancas a par do turismo. Não estou a ver muitas. Mas gostaria que alguém dissesse. Diversificar em quê? Agricultura? Indústria? Já vimos o que é a possibilidade de indústria em Cabo Verde. Logística, em termos de redistribuição internacional? Há vários anos que se está a falar da hipótese de privatização da gestão de alguns portos, ou de todos os portos, para tentar encorajar a criação de um hub marítimo, tal como existe nas Canárias, no norte do Marrocos, sul da Espanha, etc. Não sei, sinceramente, de momento não vejo muitas alternativas na diversificação. É uma palavra bonita, mas não vejo ainda por onde começar ou por onde continuar.
Geralmente, fala-se da economia azul, das empresas tecnológicas…
Economia azul? Ok, vamos ver. O mar está lá. Se a economia azul está ligada ao mar, tudo bem, façamos. Estamos à espera. Mas não estou a ver muito, não conheço grandes projectos ou projectos interessantes que poderiam convencer-me que vai haver, de facto, uma alavancagem. De tempos a tempos, inventam-se palavras de ordem que ficam bonitos no papel: economia verde, economia azul, etc., etc., mas, na prática, vamos ver. Temos o projecto, que foi aprovado, da Zona Económica Especial de São Vicente. E antes disso já havia a zona industrial de Lazareto. Quantas empresas estão lá? É ver se aquilo vai, de facto, alavancar grandemente a nossa economia. Não estou a dizer que não tragam algum benefício, algum impacto, mas não é assim tão grande como se pretende.
Vamos ao turismo. Por acaso, saíram há pouco as estatísticas da movimentação de hóspedes do terceiro trimestre: quase 86% dos turistas vão para os hotéis e mais de 84% vão para Sal e para a boa vista, 60% para o Sal, 24% para a Boa Vista, ou seja, no fundo, estamos a falar do all inclusive, e apesar das narrativas o turismo continua o que sempre foi.
No âmbito dos produtos turísticos, o principal produto de Cabo Verde é sol e praia. E não devemos sentir nenhum complexo sobre isso. E não somos o único. Nós, Marrocos, Tunísia, Egipto, Turquia, países das Caraíbas, é essencialmente sol e praia. Portanto, é normal que 85% dos turistas escolham, essencialmente, os destinos Sal e Boa Vista. O resto é que se distribui pelas ilhas, Santiago, São Vicente, Santo Antão ou Fogo. Não podemos, nem poderemos, proibir as pessoas de fazer isso e nem devemos tentar gastar muito dinheiro em certas coisas, porque senão estaremos a desperdiçar. Uma das ideias de esbanjamento foi o pessoal de Carnaval em São Vicente pedir mais recursos do Fundo Turismo. O Fundo Turismo não é para isso, o Fundo Turismo não é para retalhar entre várias actividades que não têm nada a ver com o turismo. E não me venha dizer que o Carnaval, quer de São Vicente, quer da Praia, quer de qualquer outra ilha, é um produto turístico que possa ser autossustentável. Não é! Portanto, não podemos pensar que os recursos do fundo de turismo deve ser desviado. O turismo deve ser usado com cabeça, tronco e membros. Um exemplo? Uma das coisas onde se deveria usar o fundo de turismo é no desenvolvimento da infraestruturação e alojamentos, assentamentos populacionais nas ilhas do Sal e Boa Vista, para evitar que renasçam novamente guetos. Isso é possível. É, inclusive, necessário, porque quando se criou o Fundo Turismo, em 2013, um dos argumentos fortes foi que iríamos melhorar o destino. Melhorar o destino começa por melhorar as condições de vida das pessoas cabo-verdianas que vão trabalhar nas infraestruturas hoteleiras e turísticas. Portanto, aí sim, pode-se usar o turismo para esse fim. Pode-se também incentivar os transportes para Cabo Verde. Graças ao turismo os nossos aeroportos estão cheios. Ao ponto que a Vinci viu que tem possibilidades, negociou com o governo, assumiu a gestão dos aeroportos, e acreditamos que isso vai ser um bom negócio, tanto para Vinci como para Cabo Verde. Mas isso é tudo graças ao turismo esse desenvolvimento do sector de transportes aéreos. E, talvez, amanhã também desenvolva o transporte marítimo com essa alavancagem. Mas é preciso estruturar e organizar bem os puzzles para não confundirmos a árvore com a floresta.
O que acabou de dizer leva-me a duas questões. Uma é, neste momento a cultura cabo-verdiana ainda não tem influência na experiência do turista?
A cultura cabo-verdiana? Não. Aliás, dê-me um exemplo de um destino, a não ser, digamos, Paris. Paris é visitado, temos turismo cultural. As pessoas vão visitar Paris, pelo universo de monumentos, actividades artísticas e outras, esse é, de facto, o turismo cultural. Madrid, Barcelona, Berlim. Mas agora, por favor, não me venham dizer que é a actividade cultural que atrai os milhares de turistas. Já estamos quase a conseguir consolidar um milhão de turistas. Não é a cultura que os atrai. Com certeza, quando almoçam, ou jantam, querem ouvir a música, apreciam e deve-se pagar por isso. Mas é um produto complementar. Não é o produto principal.
A segunda questão é que, mais de duas décadas depois de termos começado o negócio do turismo a sério, pelos vistos ainda não sabemos muito bem como tratar este sector.
É verdade, não sabemos ainda, não. Lembro-me, uns anos atrás, de um antigo director geral de contribuições e impostos ter compreendido que, de facto, não estávamos preparados nem sabíamos o que era a economia do turismo. Ele até estava preparado para organizar uma equipa de inspectores e outros técnicos das finanças, para poderem ir estudar a economia do turismo e poderem saber como lidar, como tributar o turismo. Neste momento, não há grande ligação orgânica entre a administração fiscal e o Instituto do Turismo. Porque quem deve conhecer melhor o turismo em Cabo Verde, deve ser o Instituto do Turismo. E, trabalhando em estreita colaboração e articulação obrigatória com a administração fiscal, poderemos melhorar o impacto que recolhemos do turismo, mesmo em termos fiscais, mas é preciso estudarmos melhor, é preciso estudarmos mais, compreendermos os mecanismos para, inclusive, sabermos discutir com as pessoas, sabermos discutir. Não basta o eu quero porque sim, porque sou a autoridade. Não, quando vais discutir com um investidor ou com um hoteleiro, tens de conhecer um pouco da sua actividade para poder discutir com ele. Se não conheces isso, estás a perder tempo. A perder tempo e a correr o risco até de ser ridicularizado porque, claro, não sabes do que estás a falar.
O perfil do turista que visita Cabo Verde vai mudar a médio prazo?
Vai, vai. Está a mudar. Há 10 anos, 15 anos, era essencialmente proletário. Agora, vimos que um dos principais detentores de hotéis aqui em Cabo Verde, que é o Grupo RIU, já tem três Palace. É uma qualidade superior. A diária que os turistas pagam também é superior, o impacto, o IVA, que recai sobre o custo da noite ou da estadia, também deve ser superior. Se não estamos a ver essa diferenciação, é porque estamos a agir mal. Outra prova da mutação do universo de visita a Cabo Velho, é que pela primeira vez tivemos um hotel da cadeia Robinson, que é a marca mais elevada do grupo TUI, no Sal, que foi inaugurado em Dezembro de 2019, infelizmente teve quase um ano e meio parado devido à pandemia, mas agora está em pleno vapor e sabemos que também ali, por turista. Há mais impacto, nas finanças públicas em termos fiscais, do turista que está no RIU Palace ou no Robinson que nos outros hotéis, à excepção, claro, do Hilton. A instituição fiscal tem de compreender isso e saber como utilizar isso. E também está na forja o aparecimento, ainda este ano – vão começar as construções – de dois hotéis também de patamar elevado, de cinco estrelas. Um na Boa Vista, outro no Sal. Portanto, quero acreditar que há uma melhoria permanente. Às vezes, quando estamos lá no dia-a-dia, não notamos. Mas se compararmos, por exemplo, o impacto fiscal por turista, em cada 5 anos, necessariamente vemos que há melhorias em termos de impacto fiscal per capita de turistas que visitam Cabo Verde. Isso mostra-nos que há melhorias, são cada vez mais pessoas de maior rendimento que passam a visitar Cabo Verde. E isso é bom, porque já muita gente clama que Cabo Verde não deve ser um destino barato. Não temos capacidade de ter uma grande massa de turistas, como as Canárias, 12 ou 14 milhões, mas um, dois ou até o máximo de três milhões que possamos ter, devem ser pessoas de rendimento médio-alto, a fim de termos o impacto positivo necessário ou desejado.
Para terminarmos, quais serão as tendências futuras?
Penso que já há algum dinamismo preparatório da parte de algumas administrações, tanto do Ministério do Turismo como do Ministério das Finanças. Se essa dinâmica continuar e for posta em prática, vamos ter bons produtos, novos produtos nos próximos dois anos e bons produtos, o que vai contribuir para melhorar o PIB de Cabo Verde. Sabemos que gostamos de nos comparar com a África Ocidental, mas isso é um oportunismo intelectual, nós devemos comparar-nos com os países chamados SIDS, Small Island Developing States, e ali vemos que nós e São Tomé e Príncipe estamos em pior situação. Portanto, temos que melhorar o nosso desempenho, os nossos números no quadro dos SIDS. Por isso temos de aumentar as nossas taxas de crescimento anual – estamos contentes com 4,5% ou 5% - isso não é bom, não é suficiente. Temos que estar acima de 7%, para que, digamos, a cada 10 anos possamos subir um degrau na nossa classificação.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1206 de 08 de Janeiro de 2025.