Pluralismo reforça estabilidade

PorHumberto Cardoso, Director,21 jun 2021 8:55

​Foi aprovada esta segunda-feira a moção de confiança ao Governo após a apreciação do seu programa. Finalmente depois das eleições de 18 de Abril, há quase dois meses atrás, vai-se ter um governo legitimado para mais um mandato de cinco anos e em pleno uso das suas competências constitucionais.

Já se fazia tarde, considerando os extraordinários desafios postos pela pandemia da covid-19 e pela crise económica e social que a acompanha. A demora, sentida como excessiva nesta situação em particular, deverá ser um lembrete para no momento próprio em sede de revisão constitucional se adequar os prazos que marcam o processo de transição de uma legislatura para outra e a transferência de poder para um novo governo. De qualquer forma já se tem governo e se espera que a maioria absoluta obtida em Abril garanta a estabilidade política que o país precisa nestes tempos calamitosos e que, supõe-se, terá sido um dos grandes determinantes do voto nas eleições.

Estranhamente, considerando o resultado eleitoral obtido, constatou-se que os dias que antecederam a aprovação da moção de confiança foram rodeados de alguma tensão. Em princípio não devia haver nenhuma, mas a aparente existência de fracturas internas expostas tanto em processos eleitorais como em relatos na imprensa citando fontes do grupo parlamentar deixou antever que poderia aparecer problemas. As dúvidas, porém, dissiparam-se rapidamente logo no início da sessão parlamentar com as declarações da UCID. Mesmo sem ainda ter feito a apreciação do programa do governo, dispôs-se logo em aprovar a moção de confiança. O enunciar de algumas reivindicações por parte da UCID seguidas imediatamente da disponibilidade do governo em dar uma resposta positiva deixou claro para todos que previamente as duas forças políticas tinham acordado em garantir a maioria necessária para a aprovação da moção de confiança.

No fim do dia tudo ficou claro na votação da moção com 42 votos a favor (38 do MpD e 4 da UCID) e 30 abstenções do PAICV. Pela primeira vez na história parlamentar cabo-verdiana uma outra força política que não a maioria votava uma moção de confiança do governo. Assim é porque no parlamento cada partido tem uma plataforma eleitoral contendo a sua perspectiva de governação e ocupa o número de lugares de deputados correspondentes aos votos recebidos. Ou seja, no parlamento há uma configuração plural recebida das urnas que convém manter pelo respeito pelos eleitores e para o bem da democracia e da persecução do interesse geral pela via do exercício do contraditório. Não faz sentido que no momento seguinte um partido dê o seu voto de confiança ao projecto de governação de outro.

Situação diferente seria se das eleições resultasse a possibilidade de governos minoritários ou governos de coligação. Até agora não se verificou tal situação e por isso não houve necessidade de acordos partidários de coligação pré-eleitoral, ou pós-eleitoral, ou mesmo do tipo da chamada “geringonça” portuguesa. A acontecer, porém, os acordos devem ser transparentes e claros, envolvendo, quando se trata de coligações, para além das convergências programáticas, a participação no governo.

O que, contudo, se passou na passada segunda-feira, não é claro. Depois da apresentação do programa do governo pelo Primeiro-Ministro, a UCID, pela voz não do seu presidente, mas de um deputado independente, veio declarar ainda no início do debate o seu sentido de voto favorável ao governo e prosseguiu entremeando a sua intervenção com reivindicações que depois veio-se a constatar, tiveram acolhimento da parte do governo. Aparentemente o jogo político ali patente tinha o objectivo de, à partida, declarar garantido o voto da aprovação da moção de confiança. Com isso provavelmente queria-se esvaziar qualquer ideia de que o governo podia não ter maioria suficiente para passar a moção.

O MpD ganhou com maioria absoluta e não devia haver razões para que a vitória não se traduzisse numa maioria parlamentar coesa. É verdade que na sequência do processo de eleição da direcção do grupo parlamentar e dos membros da mesa da assembleia nacional terão ficado mágoas ou surgido sinais de alguma fractura. Mas certamente que não seriam nada de tão profundo que não pudesse ser ultrapassado, considerando o forte engajamento de todos na recente campanha eleitoral. Pode-se compreender que não se quisesse correr o risco de se ver o governo cair por falta da maioria necessária para aprovar a moção de confiança e a solução encontrada foi recorrer à UCID. O problema é que ao não resolver o problema internamente e servir-se de uma solução do exterior num momento importante, mas pontual, não elimina a questão de fundo e cria outros talvez mais difíceis de resolver.

Dá-se um sinal de fraqueza, porque está-se a dizer que afinal a maioria absoluta não é segura e cria-se uma dependência da UCID num momento algo difícil para esse partido porquanto não conseguiu nas últimas duas eleições atingir os grandes objectivos de conquistar a câmara municipal de S. Vicente, eleger deputados nas outras ilhas e ter dimensão exigida para constituir um grupo parlamentar. O país quer estabilidade política e isso não é garantido com uma espécie de “geringonça” não assumida em particular nos seus custos. Quem deve garantir estabilidade é quem recebeu o voto maioritário para isso e tem a responsabilidade de tudo fazer para restaurar a coesão interna no seu grupo e assegurá-la ao longo de toda a legislatura. Não é via coligações informais que se baixa a crispação política, mas fundamentalmente com disposição para o diálogo, com a aderência aos factos e com capacidade de chegar a compromissos a partir de um entendimento de base em que todos procuram o interesse do país e ninguém é mais patriótico do que o outro. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1020 de 16 de Junho de 2021.

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,21 jun 2021 8:55

Editado porAndre Amaral  em  3 abr 2022 23:20

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