Claro que hoje não se vai falar do JOSÉ do poema de Carlos Drummond de Andrade. Hoje, por aqui e por mais uns longos dias, só se vai falar de José Maria Pereira Neves, JMN, novo Presidente da República – Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas.
Goste-se ou não do homem, ele é um combatente aguerrido e, até agora, venceu todos os pleitos em que se envolveu.
Ainda menino e moço, ousou desafiar o Comandante Pedro Verona Pires na luta para a liderança do PAICV. Qual galinho de briga, vestiu seu casaquinho de guerra e vai de desafiar Pedro Pires. Do velho Comandante até disse que ele já tinha dado tudo o que tinha para dar (mais tarde, viria a equipará-lo a São Pedro, o chaveiro do céu e regulador das chuvas).
Mas agora vale falar do vencedor das eleições presidenciais de Domingo último, um campeão a quem não faltou nem a dita estrelinha da sorte. Mas vamos por partes que a estrelinha não brilhou agora, em Outubro.
Na segunda Legislatura desta segunda República a clique dirigente do MpD barrou a eleição de Felisberto Vieira (Filú) para o posto de Segundo Vice-presidente da Mesa da Assembleia Nacional. E porque o lugar cabia, por regra, ao PAICV, JMN é chamado a ocupar o lugar. E daí para frente, em uma galopada frenética, galgou os degraus todos, tendo chegado agora à Suprema Magistratura da Nação. E sempre derrotando candidatos do MpD (nem podia ser de outro modo, face ao sistema bipolarizado que vigora no país). É caso para dizer que o MpD criou o “monstro” que o vem devorando.
Depois da estrelinha da sorte (leia-se o MpD) o colocar na ribalta, em uma posição de destaque (na terceira linha de substituição do Presidente da República, nas faltas, ausências e impedimentos deste) JMN puxa de galões individuais e se candidata à Presidência da Câmara Municipal de Santa Catarina (Município de onde é natural). Deixando praticamente de lado as cores do partido e a estrela negra, conduz uma campanha forte, apostando na sua enorme aceitação entre os seus. E ganha as eleições. Foi a primeira de muitas.
Jurou que o seu compromisso era para com Santa Catarina e que não estava nem aí para outros voos. Afinal, nada que uma vaga de fundo de seus patrícios não ultrapassasse.
E a vaga de fundo surge com a decisão de Pedro Verona Pires de deixar a liderança do partido, logo no Congresso que elegeria o Presidente de partido às vésperas de umas eleições gerais, que é como quem diz, elege o candidato do partido à Chefia do Executivo nacional. Com Olímpio Varela e comandita conclamando JMN a assumir a liderança do partido e a se posicionar para a ascensão ao cobiçado posto de Primeiro-ministro (kêl homi ki tâ manda, no dizer da jornalista Leonesa Borges).
JMN monta um triunvirato com Manuel Inocêncio Sousa (MIS) e Basílio Mosso Ramos (BMR) e leva de vencida a eleição para Presidente do PAI. E em 13 de Janeiro de 2001 derrota um fragilizado MpD, comandado por António Gualberto do Rosário. Assume o posto de Primeiro-ministro, mas mantém o controlo sobre o partido, afinal a ferramenta que permite acesso ao poder, entregando a coordenação da região política do Nordeste a MIS e a região das ilhas rasas a BMR.
Com maioria absoluta, assume o Governo do país e logo a seguir soma mais uma vitória sobre o MpD de Gualberto do Rosário, ajudando o Comandante Pedro Pires a derrotar Carlos Veiga nas eleições presidenciais que aconteceram logo a seguir às legislativas.
Em 2006 volta a ganhar as legislativas – renovando o mandato de Primeiro-ministro – e volta a ajudar o velho Comandante a derrotar, de novo, o Dr. Carlos Veiga e… o MpD.
Em Fevereiro de 2011 volta a ganhar as legislativas, renova o mandato como Primeiro-ministro e comete a gaffe de dizer que comandou o partido naquelas eleições, mas que foi lá meio a contragosto. A vítima do costume: o MpD.
É então que anuncia a sua intenção de deixar a liderança do PAICV.
Aconteceu, nesse ano de graça, a entrada em vigor da décalage de seis meses entre as eleições legislativas e as presidenciais, em um esforço de evitar a contaminação dos resultados de uma eleição pelos resultados da outra. E nesse ano aconteceram coisas que vão levar anos a serem questionadas. “Chegada aquela que parecia a hora e a vez de Carlos Veiga, porque é que este entra na aventura de se “candidatar” a Primeiro-ministro e deixa passar a carruagem que o conduziria à Suprema Magistratura da Nação? Porque é que JMN, que já estava enfastiado de ser Primeiro-ministro, não assumiu o papel de tira-teimas, colocando para escanteio Manuel Inocêncio Sousa, Aristides Raimundo Lima e David Hopffer de Cordeiro Almada? Teríamos antecipado o páreo de Domingo último, se ambos agissem da forma que meio mundo esperava.
Mas creio que a resposta só pode ser uma: o SANTO de Jorge Carlos Fonseca (JCF) é FORTE qb. Em umas eleições em que teria que se haver com dois pesos pesados da nossa história recente, conquanto fosse uma candidatura mais equidistante dos partidos do que estes adversários, os resultados poderiam não lhe ter sorrido da forma como lhe sorriram em Agosto desse ano.
Mas a história não se faz de “se’s”. Enfrentando um PAICV que, apesar de vir de uma vitória nas Legislativas de 06 meses antes, se apresentou fraccionado e com um conflito interno ainda por sanar, JCF leva o troféu. Se alguém quiser debitar uma derrota a JMN que aproveite esse seu momento menos bom. Que em confrontos diretos…
JMN deixa a liderança do partido em 2016, mas não foi desta que entrou em aventuras. Contra JCF, o resultado não seria certamente aquele que conseguiu no Domingo frente a Carlos Veiga; mas ficaria na pole position para as eleições de 05 anos depois. Não entendeu assim, agiu (melhor não agiu, ficou-se na dele) de acordo com seus cálculos. Que, tudo leva a crer, foram bem calibrados: ficou, ainda assim, na pole position e não se lhe averbou qualquer derrota na caderneta. Goste-se ou não do José, a verdade é que é bom de contas, é aguerrido qb e joga na antecipação. Levou de vencida Carlos Veiga e o MpD. Sem apelo nem agravo.
Muito se dirá nos próximos tempos sobre esta brutal derrota de Carlos Veiga e do MpD. Fará correr muita tinta. Mas há algo de magistral na forma como JMN encosta o MpD às cordas. Farto, como todo o mundo, de, no rescaldo das eleições, escutar a parte decaída alegar que, nas noites de Sexta e Sábado, que antecedem as eleições, aconteciam coisas de arrepiar que acabavam fazendo cair todas as conclusões e previsões das sondagens e dos barómetros, JMN optou por jogar na antecipação: apontou o dedo acusador ao Governo (e ao MpD) e seguiu insistindo, mau grado as chamadas de atenção da CNE (Comissão Nacional de Eleições). Pessoalmente, sempre reagira nestes termos: “pombas! Se se sabe que acontecem coisas, por que não prevenir os eventos, deixando para, a posteriori e depois de consumada a derrota, vir se desculpar com as consequências de tais eventos? Não sei se tais ‘eventos’ aconteceram ou não nas vésperas das eleições; a verdade é que, desta feita, não aconteceram. Não apenas porque os derrotados não apelaram, mas porque se viu que o Governo (e seu Chefe) se mostraram muito incomodados diante das acusações, chegando mesmo a encolher a olhos vistos. Em tempos de campanhas de vacinação, JMN escolheu vacinar-se. Afinal, todo o mundo sabe que mais vale prevenir do que remediar.
E agora, José?!
Esta é a questão que espero poder colocar a JMN em 2031, quando estiver fechando o segundo mandato como Presidente da República, Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Se não desbaratar o capital político acumulado, se fizer bem o seu papel, principalmente se fizer bem o trabalho de casa, a resposta, o destino, será a entrada direta na elitista bolsa de conferencistas internacionais, pagos a seus respetivos pesos em oiro, e onde pontificam Barack Obama, Al Gore, Bill e Hillary Clinton, Lula da Silva e - até lá, certamente – Jorge Carlos Fonseca. Se resistir às tentações, derivadas do facto de o partido que liderou, até outro dia, seguir fazendo uma dolorosa travessia do deserto.
A bola e a vez com JMN – novo Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armada. Boa sorte.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021.