No discurso que fez, e em que foi alternando entre a língua cabo-verdiana e a portuguesa, durante a sessão solene comemorativa do 5 de Julho, o Presidente da República salientou os desafios e as dificuldades que o país enfrentou desde que se tornou independente, mas também apontou para as dificuldades que Cabo Verde enfrenta hoje em dia.
“Acreditámos em nós mesmos no início dessa aventura como Estado soberano e dono do seu destino” começou por dizer José Maria Neves, que destacou ainda “a situação muito diferente” que o país vive hoje quando comparado com os primeiros dias da independência.
Os “cépticos da altura passaram a acreditar em nós e na nossa capacidade de mudar a sorte de uma História, até aí pautada por carestias e tragédias”, reforçou o Chefe de Estado.
José Maria Neves aproveitou igualmente para apelar à solidariedade nacional para enfrentar os desafios que Cabo Verde tem hoje pela frente. “Com humildade, realismo e inspirados no percurso que juntos construímos, seremos igualmente capazes de superar as dificuldades do presente”, disse, apelando de seguida a que se concretize um “djunta mon entre todos, residentes e na diáspora. O momento é de solidariedade e entreajuda”.
Salientando que Cabo Verde precisa de ter “audácia, engenho e perseverança” para ultrapassar os actuais desafios, o Presidente da República defendeu que é necessário “reflectir sobre as soluções, que resultaram no passado, mas que podem, eventualmente, já não ter a mesma eficácia face a uma nova realidade, pelo que deveremos questionar e analisar novas escolhas para o curto, médio e longo prazos”.
Entre os desafios que Cabo Verde enfrenta nos dias de hoje, o Presidente da República destacou a insegurança alimentar e suas consequências aproveitando para apelar a “que se faça o que for necessário para acudir às famílias que estão a passar por maiores dificuldades e combater a pobreza extrema”.
“Perante os actuais desafios, temos a obrigação de continuar a surpreender o mundo, com força, determinação, capacidade de resistência e resiliência, como já demonstrámos em situações muito mais difíceis”, disse ainda José Maria Neves.
Evolução da vida política
Austelino Correia, Presidente da Assembleia Nacional, defendeu no seu discurso que Cabo Verde deve promover uma “evolução da vida política” com o objectivo de alcançar “entendimentos e compromissos”.
Austelino Correia lamentou a seca severa e prolongada, a pandemia da covid-19, os impactos das alterações climáticas e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia, “todas em conjunto com os seus efeitos devastadores e penalizadores das condições de vida das pessoas, das empresas e do país”.
Não obstante os parcos recursos que o país dispõe, referiu Austelino Correia, “o Governo tem vindo a tomar medidas necessárias e possíveis com vista à mitigação dos impactos nefastos das referidas crises, num esforço marcante e plausível de busca de soluções e recursos para proteger o país e amparar os mais vulneráveis”.
“Na verdade, é justamente em alturas como esta que a Nação mais precisa de lideranças ousadas e visionárias, com vocação para unir vontades e as forças mais relevantes das instituições e da sociedade, para fortalecer o ânimo dos cabo-verdianos em desafio a todas as dificuldades”.
O Presidente da Assembleia Nacional destacou ainda o papel do parlamento que, a seu ver, tem adoptado “sempre uma postura construtiva e facilitadora e uma resposta positiva às propostas do Governo para fazer face a situações em que estejam em causa a adopção de medidas emergenciais para ajudar as pessoas a ultrapassar dificuldades”.
“Estabilidade política é exemplo
Do lado do MpD, João Gomes, líder parlamentar, destacou “a estabilidade política e social e uma democracia que distingue Cabo Verde no contexto das nações”. No entanto, frisou o deputado do partido da maioria, é “preciso continuar a proteger, cuidar e aprimorar a democracia”.
João Gomes salientou igualmente que Cabo Verde “enfrenta, hoje, novos desafios” em sectores fundamentais como a saúde ou a educação e defendeu que o país tem de vencer as dificuldades que hoje se lhe apresentam como a pobreza extrema, o desemprego, a dependência dos combustíveis, a viabilização da agricultura, melhorar a coesão territorial ou a diversificação da economia.
“Estamos, inequivocamente, num momento de crise. E para situações excepcionais são necessárias soluções excepcionais”, afirmou o líder da bancada do MpD, que destacou “as medidas de mitigação e de protecção” implementadas pelo governo com o objectivo de conter “os impactos negativos da crise nas famílias e nas empresas”.
O momento, defendeu ainda João Gomes, é “para que nos juntemos, para trabalharmos em conjunto”.
“A conjugação impiedosa de anos sucessivos de seca, da pandemia da Covid-19 e, actualmente, da guerra na Ucrânia teve e tem um impacto enorme sobre o país, sobre a sua economia e sobre as famílias”, apontou ainda o líder parlamentar do MpD para quem o “aumento de preços de produtos energéticos e bens alimentares, decorrentes de alterações de vários factores, dos quais se destacam a guerra na Europa, tem causado enormes dificuldades às economias em todo o mundo, originando altas taxas de inflação, comprometendo, em razão disso, o crescimento económico, o rendimento das famílias e a coesão social”.
“País que nos deve orgulhar”
Para João Baptista Pereira, líder da bancada do PAICV, nestes “47 anos de independência, construímos um país que nos deve orgulhar a todos, cabo-verdianas e cabo-verdianos, no país e na diáspora”.
No entanto, “apesar dos muitos ganhos de que, hoje, orgulhamos, inúmeros são os desafios que persistem para o nosso país. Desafios sobremaneira agravados pelas consequências catastróficas, e simultâneas, da pandemia, da seca persistente e da guerra na Europa”, disse, salientando de seguida que cerca “de 181 mil pessoas, ou seja 32% da população, estão afectadas pelas crises de alimentos e de nutrição em Cabo Verde e estão enfrentando insegurança alimentar. Torna-se urgente evitar que o declínio da oferta de alimentos venha provocar situações de fome. Para tanto, políticas públicas devem ser imediatamente adoptadas para dar aos mais vulneráveis possibilidade de acesso aos alimentos necessários, nomeadamente através de medidas geradoras de rendimento, incluindo emprego público”.
Para o líder parlamentar do PAICV, as crises que Cabo Verde enfrenta são “de proporções gigantescas” e, por isso, defendeu, “só serão enfrentadas com sucesso, se conseguirmos reunir os cabo-verdianos à volta de objectivos consensuais, concebidos e trabalhados através do diálogo, da cooperação e solidariedade nacionais”.
Depois de destacar os desafios que o país enfrenta em sectores como os transportes, a educação ou a agricultura, o líder parlamentar do PAICV apontou alguns factores que, no seu entender, afectam a imagem democrática do país.
“Interpela-nos a situação da violência policial contra cidadãos e reclusos, as condições precárias dos estabelecimentos prisionais, a discriminação e violência contra mulheres e crianças e a insegurança que grassa pelo país, privando as pessoas da sua liberdade de circular no espaço público Preocupa-nos a incapacidade dos tribunais em fazer respeitar os direitos constitucionalmente consagrados” referiu para, de seguida, apontar a morosidade judicial como “o maior constrangimento à qualidade da nossa democracia”.
“Muita coisa ainda por fazer”
Já do lado da UCID coube a António Monteiro discursar. E, para o representante daquela força política, há ainda “um longo caminho pela frente para se fazer cumprir Cabo Verde. A criação de oportunidades para todo os cidadãos cabo-verdianos, sem excepção, deve ser a regra de ouro e o desiderato maior da nossa independência”.
“Passados estes 47 anos há muita coisa ainda por se fazer e não valerá a pena comemorar só por comemorar. É preciso darmos um outro significado valioso a esta data. É preciso resolver algumas pendências, purificarmo-nos de alguns pecados que ainda hoje afligem uma parte da sociedade cabo-verdiana que lutou para que o país fosse hoje, independentemente daquilo que gostaríamos, o que ele é”.
No seu discurso o antigo presidente da UCID defendeu que o Estado deve ter uma atenção especial para com quem, em 1975, integrou as Forças Armadas.
“Estes jovens na altura e hoje menos jovens querem que o Governo, que a nação os reconheça por aquilo que fizeram e que lhes dêem também o estatuto que merecem para que possam, nos dias que ainda lhes restam, ter uma vida com mais dignidade”, disse.
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Primeiro-ministro destaca resiliência de Cabo Verde como país independente
O primeiro-ministro realça a resiliência e o percurso de Cabo Verde como país independente e pede aos cabo-verdianos que acreditem no futuro.
Numa publicação na sua página oficial, na rede social Facebook, para assinalar os 47 anos da independência do arquipélago, Ulisses Correia e Silva recorda que Cabo Verde é uma democracia referência no mundo, “muito bem cotado e que atrai muita procura externa, quer de investidores, quer de parceiros”.
“Mesmo com os seus problemas, há perspectiva de desenvolvimento. Os próprios cabo-verdianos devem valorizar muito mais aquilo que é o seu país, acreditar no seu futuro. É só vermos a história de todo o percurso até agora, para, de facto, vermos que temos condições e um potencial enorme de crescimento. A resiliência da nação é antiga. Já ultrapassámos várias fases e adversidades e muitas dessas adversidades foram transformadas em soluções”, lê-se na publicação.
O chefe do Governo sublinha que “apesar de situações de crise, há perspectivas de desenvolvimento para Cabo Verde”.
“Tudo isso mostra a nossa história de resiliência, de ultrapassar constrangimentos e de transformá-los em soluções. 47 anos depois, mesmo em situação de crises, o país tem conhecido um processo de desenvolvimento e é uma referência muito boa em África”, acrescenta.
Os 47 anos da Independência de Cabo Verde foram assinalados numa altura em que o país enfrenta uma profunda crise económica e financeira, devido à pandemia de covid-19, agravada pelos 4 anos da seca consecutivos e pelos impactos da guerra na Ucrânia.
O país está desde finais de Junho em situação de emergência económica e social decretada pelo executivo. Para este ano, o Governo baixou a previsão de crescimento de 6% para 4%.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1075 de 6 de Julho de 2022.