É a tentação populista que, depois de simplificar a realidade económica e social do país, oferece como solução para a desigualdade social existente tirar de alguns, mais ricos, para oferecer aos muitos, mais pobres.
O problema com essa solução que parece evidente e justa é que se situa num quadro de soma zero em que se adiciona a uns o que se subtrai a outros. O foco assim não está, como alguém disse, em criar riqueza para que, aumentando a altura do tecto nos recursos do país, mais facilmente se elevar os que estão no piso mais baixo. A tendência, pelo contrário, é para não se concentrar no crescimento económico e na criação de empregos, mas sim na redistribuição, o que já se devia saber que não funciona. É um filme que o país já viu e já viveu noutros tempos. Como não tem recursos próprios e não cria riqueza suficiente para sobreviver tem que recorrer à ajuda externa. E da experiência conhecida, sobreviver à custa da generosidade internacional nunca realmente fez diminuir a desigualdade social e só levou à estagnação económica.
Só o facto de a fórmula populista estar a ganhar terreno no discurso político já se fazem sentir os seus efeitos perversos. Por um lado, disputam-se os dados do crescimento económico, sugerindo que poderá não estar a acontecer, e no processo não se inibe de pôr em causa as instituições que produzem e analisam os dados estatísticos do país. Contesta-se o modelo de crescimento não pela avaliação construtiva da sua eficácia e apresentando alternativas para designadamente melhorar a produtividade e a competitividade do país. Prefere-se ficar por suscitar reacções emocionais de quase paranóia, por exemplo, de que os recursos do país estão a ser desviados ou roubados por estrangeiros e que no acesso a oportunidades são privilegiados.
Por outro lado, ao pôr foco na redistribuição de rendimentos, sem ter presente os recursos existentes e a capacidade de produção de riqueza do país, numa pretensa luta para levar a panela ao lume, corre-se o risco de fomentar o ressentimento social e a inveja, diminuir a confiança interpessoal e desencadear uma corrida sem regras para chegar a recursos, os reais e os imaginários. Na prática, o que se consegue é a perda da paz social, menos disponibilidade para a cooperação cívica, profissional e política e, em sentido oposto do pretendido, o agravamento da desigualdade devido à diferente capacidade de reivindicação salarial, em particular, perante o Estado.
Curiosamente, neste particular, já há quem esteja a antecipar o impacto da suposta inflação, que virá do aumento dos salários dos professores e no futuro próximo do dos profissionais de saúde e talvez de outros funcionários do Estado, sobre a capacidade dos mais pobres em levar a panela ao lume. Não que realmente haja uma preocupação pelo bem-estar das pessoas e pelo rendimento que poderão ter e que não se quer ver diminuída pela inflação. O que se antecipa, na verdade, é mais uma causa para agitação política na luta pelo poder nas eleições próximas.
Como se assiste hoje na América, a inflação, que em 2024 foi uma das bandeiras populistas para votar Donald Trump, agora realmente disparou. Mas o seu governo não mostra nenhuma sensibilidade pelo aumento vertiginoso dos preços provocado em boa parte pela guerra comercial que por razões de afirmação do poder resolveu desencadear. Isso é típico dos populistas. Fazem das dificuldades económicas, muitas vezes de contornos complexos, causas para combate político apresentando soluções simplistas. Quando conseguem ganhar só lhes interessa é ampliar o poder mesmo à custa de tornar mais profundos os problemas que tinham encontrado e de que se serviram para mobilizar as pessoas para a vitória.
Ajudam os eleitores e a sociedade a cair no canto de sereia dos populistas os partidos políticos que, na prática, desistiram de procurar formas de promover um crescimento robusto, capaz de criar empregos, gerar prosperidade e fazê-la chegar a todos. Em vez disso, deixa-se a política degradar e não ser a via para se encontrar soluções e, em caso de falhanço, para produzir alternativas de políticas. O discurso político em vez de iluminar os problemas do país em toda a sua complexidade serve demasiadas vezes para uma espécie de infantilização da sociedade em que a correspondência com os factos deixa de existir, não há preocupação com a verdade e a realidade é substituída por narrativas que fundamentalmente apelam para as emoções e suscitam paixões.
Uma consequência de ser apanhado nesse torvelinho é a de se deixar de dar a importância devida aos resultados das políticas. Perante qualquer projecto parece importar mais o anúncio, a proclamação repetidas vezes do valor do financiamento, o espectáculo da primeira pedra e das inaugurações com os supostos beneficiados a servir de uma espécie de figurantes a repetir a sua gratidão pelo sonho realizado. Exclui-se geralmente na avaliação o impacto no rendimento actual e futuro das pessoas, na sua propensão para investir, alargar a produção e atingir mercados.
No outro dia, por exemplo, o primeiro-ministro esteve em S. Miguel e segundo o post do governo no Facebook reuniu-se “com agricultores para avaliar os impactos desta política de mobilização de água”. Ficou-se a saber que a rega gota-gota tem dado resultados concretos garantindo disponibilidade de água e que o governo comparticipa com 50% do custo dos materiais. Não se acrescentou mais informação de como a vida dos agricultores e as suas perspectivas de futuro melhoraram.
Várias vezes o mesmo acontece na entrega de meios, em anúncios de financiamentos e inaugurações de instalações. Fica-se com a impressão que falta realismo e pragmatismo no sentido que as políticas devem ser conduzidas de modo a impactar directamente as pessoas. Sem essa percepção não estranha que mais cedo ou mais tarde sejam atraídas pelo discurso fácil do populista que quer aumentar o número de vezes com que a panela vai ao lume.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1216 de 19 de Março de 2025.