Na primeira vez que falou ao país depois de ter prorrogado, por mais doze dias, o Estado de Emergência em Santiago e na Boa Vista, Jorge Carlos Fonseca veio apontar um dedo acusador a quem não está a cumprir as normas e regulamentações impostas quer pela lei quer pelas autoridades.
Com o número de casos de COVID-19 a mostrar, na Praia, uma tendência de crescimento, o Presidente da República apontou o dedo àqueles “desobedientes às ordens e instruções fundamentais para o combate, com sucesso, à epidemia”. Pessoas que, diz Jorge Carlos Fonseca, assumem um papel de “corajosos”, de “gente destemida e «livre», quase heróis”.
Para o Presidente da República estes não passam, no entanto, de “heróis completamente equivocados”.
“Se o problema fosse apenas de exposição individual à doença e ao perigo de vida, até se poderia aceitar um estranho modo de enfrentar riscos, de exercício da autonomia individual. Porém, o «herói», afinal, pode ser um perigoso inimigo de outrem e, a partir deste, de outros tantos, e aí por diante. De uma comunidade inteira”, reforça.
Palavras duras do Chefe do Estado que vêm dar suporte ao que já tinha sido dito, na segunda-feira, pelo Director Nacional de Saúde e que garantiu que as autoridades de saúde sabem “que na Praia, em São Vicente e em algumas outras ilhas há um certo desleixo no cumprimento quer do confinamento, quer no evitar de aglomeração de pessoas. Isto é reprovável. Vamos ter mais casos, eventualmente vamos ter mais mortes. Se as pessoas continuarem com esse comportamento, a situação poderá piorar e poderá sair do nosso controlo”, apontou Artur Correia.
No Parlamento, no dia em que, por unanimidade, foi aprovada a prorrogação do Estado de Emergência, Ulisses Correia e Silva já tinha usado um discurso semelhante ao defender que “não há nenhum argumento mais forte do que a protecção da saúde”.
No seu discurso, o chefe do Governo disse que, por isso, é “importante” que todos cumpram as regras do confinamento obrigatório em casa durante o estado de emergência e as regras do distanciamento quando saem de casa.
“Incumprimento do confinamento e do distanciamento social significa mais riscos de propagação da doença. A acção de cada pessoa contribui para melhorar ou piorar a propagação da doença. É preciso continuar a insistir na responsabilidade individual de cada pessoa”, defendeu.
Medidas mais duras
Também a Polícia Nacional já prometeu endurecer acções para fazer cumprir as ‘regras do jogo’ durantes estes doze dias extra de Estado de Emergência em Santiago e na Boa Vista.
“Vamos tomar medidas mais duras para que a população entenda que o que está em causa é a nossa sobrevivência. Cada um de nós é responsável pela situação que poderemos vir a ter se não formos cooperativos e colaborantes em relação ao acatamento das instruções e orientações das autoridades”, avisou o Director Nacional da Polícia Nacional, Emanuel Estaline Moreno.
No entanto, esta segunda-feira, o responsável máximo da PN avançou à RCV, que 13 agentes dessa força policial estão com COVID-19.
Segundo Emanuel Estaline Moreno, até ao fim-de-semana, a Polícia Nacional contabilizava cinco agentes com casos positivos de COVID-19, mas que esse número duplicou com a actualização dos resultados dos testes efectuados.
“Temos neste momento um total de 13 operacionais, são os números que temos confirmado e que estão em isolamento, a seguir ao tratamento”, afirmou.
Impacto em África
O continente africano tem conseguido manter-se relativamente a salvo desta pandemia. É certo que há casos, que o número de infecções e de mortes não tem parado de aumentar, mas a verdade é que o ritmo de crescimento tem sido muito mais lento do que o que se tem visto noutros continentes.
Mas para os economistas o grande problema, para o continente, não vai ser o vírus mas as consequências que este carregará consigo.
“Para África a maior ameaça pode ser o impacto económico das perturbações trazidas pela COVID-19, mais do que o vírus propriamente dito”, disse Alex Vines, director do Programa Africano da Chatham House, em entrevista à Lusa, a propósito das medidas de combate à propagação do novo coronavírus no continente e das iniciativas de alívio da dívida em preparação pela comunidade internacional.
Questionado sobre a resposta das principais instituições financeiras internacionais, relativamente às necessidades financeiras acrescidas dos países africanos, o académico elogiou a postura do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial e disse que a actuação do G20 foi “desapontante” pela falta de ajuda financeira concreta concedida.
“O FMI viu 90 dos seus membros pedirem ajuda financeira de emergência e está a ponderar usar os Direitos Especiais de Saque (DES) para disponibilizar fundos de emergência significativos e sem condições”, apontou Alex Vines.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 962 de 6 de Maio de 2020.