Partidos políticos cientes da necessidade de consensos

PorSara Almeida, Andre Amaral,7 out 2023 9:55

Com o início de mais um ano político, os líderes das bancadas parlamentares partilham as suas expectativas, prioridades e também desafios previstos para 2023/2024. Os partidos insistem na necessidade da criação de consensos em áreas fundamentais para o desenvolvimento de Cabo Verde, mas também tendo em conta vários diplomas legislativos fundamentais para o país, que necessitam de aprovação por dois terços.

MpD - Paulo Veiga

Líder parlamentar do MpD antecipa ano muito importante na política e na Assembleia

Em conversa com o Expresso das Ilhas, Paulo Veiga salientou que este será um ano importante do ponto de vista eleitoral, tendo em conta as autárquicas de 2024, mas também a nível do Parlamento e seus instrumentos, e que traz o desafio dos consensos.

Na agenda parlamentar estão várias legislações que implicam a aprovação por dois terços dos votos dos deputados, o que obriga a “consensos parlamentares para que possamos dotar o país de melhores instrumentos, especialmente os municipais, tendo em conta que vamos ter eleições autárquicas”, refere Paulo Veiga. Nesse sentido, garante, existe abertura para o diálogo por parte dos dois maiores partidos e esse diálogo está já a ser feito entre bancadas e com o governo.

Órgãos externos

Um tópico que, este ano, subirá à Plenária é a eleição dos Titulares de Cargos Exteriores à Assembleia Nacional. No ano passado alguns órgãos externos foram já eleitos, após várias semanas sem consenso. Para os restantes, que serão agora escolhidos, estão previstas reuniões entre as bancadas do MpD e PAICV para chegar a um acordo até Dezembro, avança Paulo Veiga.

Embora não haja ainda nomes, pelo menos no que toca ao perfil dos Presidentes desses órgãos, há já um entendimento e existe abertura de ambos os grupos, garante o deputado.

Salários dos políticos

Num momento em que o aumento do custo de vida sufoca todos os cabo-verdianos, a revisão do salário dos titulares de cargos políticos é abordada com cautela por todos os partidos. Na memória de todos está também a iniciativa de actualização encetada em 2014, que causou forte indignação na sociedade, levando ao abandono da proposta. Desde então, o assunto, “virou tabu”, observa Paulo Veiga.

Porém, há consenso entre os partidos sobre a necessidade de actualização salarial, abrangendo todas as esferas governamentais, desde a presidência até os eleitos municipais, mesmo que essa revisão não seja imediata.

Para Paulo Veiga, que também preside a Reforma do Parlamento em curso, e que engloba o Estatuto dos titulares de cargos políticos, o momento não é, de facto, o mais indicado para a efectiva actualização, tendo em conta as condições económicas do país, mas é um assunto que deve ser debatido desde já, com o objectivo de sensibilizar a sociedade e garantir que, quando as condições económicas o permitirem, essa actualização possa ser realizada.

Como lembra o deputado, a remuneração dos políticos não é actualizada há várias décadas e este desfasamento, que se traduz num cada vez menor poder de compra, tornando inclusive mais difícil atrair e reter quadros qualificados na política, o que pode comprometer a qualidade dos serviços prestados ao país.

Há, portanto, conforme defende, a necessidade deste debate, de “pensar nisto, para a funcionalidade das instituições e do próprio país”.

Diáspora

Um outro tema abordado foi a elevada taxa de emigração que se vive no país. O líder parlamentar da situação refuta que haja uma fuga e aponta que este não é um fenómeno novo.

Importante, porém, é atrair a diáspora de volta a Cabo Verde, criando condições para que os cabo-verdianos que vivem no exterior invistam em Cabo Verde e contribuam com seu conhecimento e experiência.

E, enfatiza, para conseguir elevar o patamar do país e torná-lo mais atractivo, é necessário consensos em torno do desenvolvimento que se pretende para Cabo Verde.

“Temos que encontrar os caminhos comuns entre todos os partidos”, diz. “O caminho pode ser mais para a direita, mais para a esquerda, para o centro, mas temos que conseguir este consenso político de visão do país e aonde queremos chegar”.

Mudar a cultura

As falhas dos transportes inter-ilhas foi também um tópico abordado na conversa com Paulo Veiga. O líder parlamentar, que foi ministro do mar, reconhece a falta de regularidade em serviços de transporte e realça uma necessidade de uma mudança de cultura, que promova a responsabilização, a pontualidade e o cumprimento dos horários.

“É toda uma cultura que tem que ser mudada e que leva o seu tempo”, assume.

O ex-ministro reconhece também uma certa culpa dos políticos na criação de falsas expectativas na população. Isto porque, por vezes, apresentam soluções de uma forma irrealista à sociedade – “vendemos a coisa como se se resolvesse com uma varinha mágica”, quando, na verdade, são processos lentos e complexos, observa.

Autárquicas: CMP, uma prioridade

As eleições autárquicas que deverão ocorrer em Outubro e Novembro de 2024 deverão moldar o ano parlamentar que ora se inicia e foram, aliás, destacadas por ambas as bancadas.

Da parte do MpD, o partido está determinado em manter as câmaras que já detém, e conquistar outras, actualmente controladas pelo PAICV. A Câmara da Praia, que o MpD perdeu nas autarquias passadas, é assumidamente uma prioridade, acrescentou Veiga, manifestando confiança na recuperação da capital.

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PAICV - João Baptista Pereira

PAICV quer consensos, mas também mais transparência na governação

O líder da bancada do PAICV garante que a frente parlamentar do partido está aberta a consensos com a maioria, mas enfatiza a importância de um governo transparente, bem como a necessidade de um diálogo político construtivo para enfrentar os problemas que afectam o país.

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Sobre a mesa parlamentar, estarão este ano vários dossiers importantes, tanto a nível da acção governativa, como da acção legislativa, com um conjunto de “legislações estruturantes”, antevendo-se assim, também da parte do PAICV, um ano importante.

Código Eleitoral

Entre as várias matérias que exigem dois terços, e que deverão subir à Plenária este ano parlamentar está a revisão do Código Eleitoral. Com a proximidade das Autárquicas, a janela temporal para a alteração da Lei Eleitoral é curta, mas as diferentes forças políticas concordam sobre a necessidade de a realizar e a procura de consensos para que tal se efective, sendo que tanto o governo como o PAICV apresentarão as suas propostas.

Em destaque, em ambas, as introduções tecnológicas que permitirão a integração das bases de dados dos cidadãos do SNIAC, o que tornará o recenseamento eleitoral automático, eliminando problemas como múltiplas inscrições e garantindo maior transparência nas eleições, como aponta João Baptista Pereira.

Órgãos Externos

Quanto aos titulares dos Órgãos Externos à Assembleia com mandato caducado - Comissão Nacional de Eleições (CNE), a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e a Alta Autoridade para Comunicação Social (ARC) - também o líder parlamentar do PAICV refere que existe o acordo de que até ao final do ano estes sejam escolhidos.

Existe já um consenso quanto ao perfil desejado para essas posições, sendo que se pretende chegar a um consenso relativamente aos Presidentes. Depois, cada força vai indicar os demais elementos que vão integrar os órgãos. “É claro que terão de ser pessoas idóneas, mas não se vai colocar a mesma exigência que estaríamos a colocar a nível da presidência”, refere.

A busca por consensos nesse processo é, pois, vista como crucial para garantir que esses órgãos desempenhem suas funções de maneira eficaz e imparcial.

Salários dos políticos

Quanto a uma eventual actualização do salário dos políticos, na mesma linha do seu homólogo do MpD, também João Pereira recorda que a tabela remuneratória dos titulares de cargos políticos foi fixada em 1997 e não foi actualizada desde então, o que resultou em uma perda significativa de poder de compra. “Estamos a falar do [salário] do presidente da República e tudo o resto que está indexado, incluindo os juízes”, explicita.

Assim, tal como Paulo Veiga, e reconhecendo igualmente que este não é um “tema fácil”, o líder da bancada do PAICV enfatizou a importância de debater e repensar a política salarial.

“O salário desvalorizou-se muito ao longo desse tempo. A perda de poder de compra, que aflige os cabo-verdianos também afecta os políticos. Os políticos também são cabo-verdianos”, sublinha.

O deputado do PAICV ressaltou, porém, que qualquer actualização salarial para políticos deve ser parte de uma revisão mais ampla da política salarial e de rendimentos em Cabo Verde. Isso significa considerar não apenas os salários dos políticos, mas também os salários de todos os servidores públicos e a desigualdade salarial que existe actualmente no país.

Ademais, a remuneração inadequada dos políticos pode afectar negativamente a governação do país.

“É importante perceber qual o perigo que corremos se os governantes de um país forem os que recebem pior”, alerta.

Transparência

A par destes tópicos comuns, o líder parlamentar do maior partido da oposição elencou também diversos problemas que afectam o país, incluindo segurança, transporte, saúde e justiça, e criticou o governo pela alegada falta de transparência, nomeadamente nas privatizações e aquisições públicas.

“Ninguém pode dizer que o país está a ser governado de forma transparente. As privatizações feitas até este momento estão a mostrar claramente que é preciso defender-se o interesse público cabo-verdiano com mais afinco”, diz. “Em nenhum país a sério as coisas podem funcionar da forma como estão a funcionar em Cabo Verde”.

Nesse sentido, o deputado destaca a importância de promover o diálogo entre líderes políticos para resolver questões fundamentais e defende que as informações devem ser compartilhadas para melhorar a tomada de decisões e, inclusive, minimizar a responsabilidade dos gestores públicos.

Ademais, “não há um controlo efectivo da governação em Cabo Verde”, critica, elencando deficiências no sistema de fiscalização em Cabo Verde. Faltam, por exemplo, recursos e pessoal adequados e, defende, é premente melhorar o sistema de recrutamento e a colaboração entre as instituições responsáveis pelo controlo financeiro e fiscalização.

Com olhos no próximo ciclo eleitoral, ao nível das legislativas, promete que o partido continuará a mostrar o que está mal na governação actual e trabalhará para se apresentar “como uma alternativa credível para o eleitorado cabo-verdiano”.

Autárquicas – 2.º mandato

Em ano pré-eleitoral, as Autárquicas emergem, pois, como um tema central da agenda política, mas também parlamentar.

João Pereira reconhece que o PAICV há muito que acalenta “o sonho de ser o maior partido autárquico de Cabo Verde” e expressa o desejo de ver o partido alcançar esse desiderato já nas próximas eleições.

Actualmente, o PAICV governa em oito autarquias locais e tem sete autarcas que estão a cumprir o seu primeiro mandato. Quanto a estes, avalia que “estão a fazer um trabalho meritório” e destaca que será vantajoso para os municípios a sua reeleição, sendo que essa continuidade permitirá que estes autarcas possam trabalhar sobre a experiência adquirida no primeiro mandato.

“Penso que é estratégico para o munícipe dar sempre o segundo mandato, o terceiro já é para quem merece”, diz.

Assim, o partido pretende manter as autarquias que já governa e conquistar outras. Estas eleições são, admite, etapa crucial na preparação para as eleições de 2026, nas quais o partido visa assumir a governação do país.

“É haver uma alternância política e governativa e o PAICV está claramente a preparar-se para este embate. 2024 é fundamental para a nossa meta de 2026”, resume.  

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Debate sobre a Educação abre o ano parlamentar

O ano parlamentar vai arrancar, tal como tem acontecido em anos recentes, com o Debate sobre a Educação e se os partidos estão de acordo quanto à necessidade de consensos em torno deste tema estruturante, as opiniões divergem no que toca à avaliação do sistema.

Começando pelo MpD, o líder da bancada parlamentar defende que esta é uma área que tem tido uma evolução positiva. Os inícios dos anos lectivos ocorrem de forma tranquila, os problemas dos professores estão sendo resolvidos gradualmete – ‘no ano de 2024, os pendentes estarão resolvidos’ – e a implementação dos novos programas curriculares está a ocorrer de forma aceitável.”

“Estamos no bom caminho. Esperamos ter um bom debate, que não seja um debate de casos, mas sim de ideias e soluções e propostas alternativas para que possamos melhorar a educação”, refere Paulo Veiga, defendendo que “deveriam existir acordos entre os partidos em alguns eixos de desenvolvimento de Cabo Verde, sendo a Educação o mais importante”.

Também o PAICV enfatiza que a Educação é um sector “crucial para o país”, sendo, portanto, de suma importância que haja um “entendimento alargado em relação ao mesmo e se trabalhe conjuntamente para ultrapassar os seus desafios”.

Nesse sentido, no debate com o ministro da Educação, a bancada do PAICV vai procurar entender a visão e as políticas do governo, mas também abordar algumas questões críticas que afectam o sistema educacional do país.

Os problemas, avança João Pereira, incluem questões relacionadas com a qualidade do ensino e a sobrecarga dos alunos devido à introdução de novas disciplinas. Além disso, os agrupamentos escolares, que, para o PAICV, precisam de ser reavaliados e possivelmente implementados de forma experimental para melhor atender às necessidades das comunidades, também serão discutidos no sentido de encontrar as soluções mais eficazes para melhorar a qualidade do ensino.”

OE

Ao debate sobre a Educação segue-se o da Justiça. Depois virá o Orçamento do Estado para 2024. Quanto a este último, é esperado que contemple aumentos salariais e, tal como já referido pelo vice-primeiro Ministro e Ministro das Finanças, Olavo Correia, seja “um orçamento focado na erradicação da pobreza extrema”, meta que o governo espera cumprir até 2026, refere Paulo Veiga.

João Baptista Pereira, por seu turno, observa que o discurso do governo, “do vice-primeiro Ministro em particular, que lidera esse processo orçamental”, já está a moldar um ambiente político em preparação para as eleições de 2024. Quanto às expectativas do PAICV para este OE, ferramenta fundamental para criar um ambiente mais favorável, o líder parlamentar destaca a necessidade de trazer soluções concretas para os desafios económicos enfrentados, “nomeadamente a reposição do poder de compra”.

“Portanto, esperamos que o governo consiga apresentar um orçamento que possa minimizar o sofrimento dos cabo-verdianos”, melhorar as suas vidas, e fixar as pessoas no país, conclui.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1140 de 4 de Outubro de 2023.

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Autoria:Sara Almeida, Andre Amaral,7 out 2023 9:55

Editado porAntónio Monteiro  em  28 abr 2024 23:28

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