Às portas do debate sobre o estado da Justiça, a ministra da tutela admite que existem problemas por resolver, mas está confiante quanto à evolução positiva do sector. No final de uma agenda de vários dias em São Vicente, e à margem de uma conferência organizada pela JpD, Joana Rosa falou com o Expresso das Ilhas.
Para a governante, o sistema de Justiça tem “dado respostas à medida do possível”, apesar de persistirem “desafios”, nomeadamente na velha questão da morosidade e pendências.
“[É] uma questão muito criticada pelos cabo-verdianos, com razão, mas tem de ser entendida de forma a que as pessoas também possam compreender as especificidades e aquilo que é o próprio sector da justiça”, comenta Joana Rosa.
A ministra sustenta que olhar para os números não pode ser a única forma de analisar o problema da demora na produção de decisões e acredita que será possível reduzir pendências e combater a morosidade quando as medidas implementadas ou em vias de o serem produzirem efeitos. O Plano Estratégico de Redução de Dependências é a bandeira.
“Vendo o que é o mapa, a situação que hoje temos nos tribunais, tanto na magistratura judicial quanto no Ministério Público, é traçar objectivos e metas para, num horizonte temporal, se debelarem essas dependências. Há necessidade de várias medidas”, resume.
“Temos que ver a questão do sector em si, da complexidade das decisões, da forma como está estruturado, o número de operadores judiciários, magistrados, oficiais de justiça disponíveis para se fazer face à demanda, as condições físicas e, depois, aquilo que é a arquitectura legal existente”, detalha.
O reforço de recursos humanos, para aumentar a capacidade de resposta, mas também compensar saídas por reforma e licenças sem vencimento, é uma reivindicação antiga dos operadores. A tutela concede que “seria bom” ter desde já nos tribunais um número maior de magistrados e oficiais de justiça, mas lembra que a decisão de reforçar quadros demora tempo a produzir efeitos.
“Para se ter um magistrado, há um período de concurso até ao recrutamento, depois começa-se uma nova fase, estágio purgatório de 18 meses. Portanto, não se consegue ter magistrados disponíveis em menos de três anos”, contabiliza.
Joana Rosa deseja que os conselhos superiores possam vir a ter os recursos necessários para uma melhor gestão de carreiras.
“Refiro-me, por exemplo, ao Ministério Público, onde temos neste momento uma pirâmide praticamente comprometida, porque não temos o tecto da pirâmide. Só temos o Procurador-Geral e um Procurador-Geral adjunto. Tal como está configurada a nossa organização judiciária, isso cria logo um problema ao próprio Ministério Público, porque este tem de ter representação junto ao Tribunal Constitucional, junto ao Supremo Tribunal de Justiça e mesmo junto ao próprio Tribunal de Contas. Não tendo magistrados ao nível, por exemplo, do Procurador-Geral adjunto, fica-se com um problema”, ilustra.
A estratégia do Ministério da Justiça passa por mais funcionários, mas também por maior eficácia. Para isso, a integração em rede, através de um Sistema de Informação da Justiça (SIJ) mais avançado, que abranja civil e penal, é um “desafio” e uma prioridade.
“Enquanto ministra, pedi uma avaliação técnica ao sistema existente e chegámos à conclusão de que deveríamos trabalhar [com] um sistema que pudesse responder àquilo que são as exigências da justiça, estendendo-a não só à parte processual penal, mas também à parte processual civil. Fazer funcionar os tribunais numa plataforma online”, recorda.
Em breve será dada formação aos operadores, incluindo magistrados, advogados, oficiais de justiça e órgãos de polícia criminal. Também são esperados novos equipamentos, parte dos quais doados pela Embaixada dos Estados Unidos. A ministra quer que ao ‘novo’ SIJ corresponda um novo modelo de gestão, a partir de um instituto público, que também cuidará de toda a modernização do sector.
Nesta como noutras questões, o parlamento terá um papel fundamental, com as reformas estruturais a passarem pela Assembleia Nacional e a necessitarem de maioria de dois terços. Além do diploma relativo ao SIJ, várias outras propostas legislativas estão a ser trabalhadas, incluindo a lei da vigilância electrónica, a lei da organização judiciária e as alterações aos estatutos dos magistrados.
A nível das infra-estruturas, foi anunciada na última semana a relocalização do Tribunal da Relação de Barlavento para o Palácio da Justiça de São Vicente. Outros dossiers estão em aberto. Conforme a ministra Joana Rosa, em São Miguel já foi escolhido um terreno para a construção de instalações próprias. O governo admite problemas noutras comarcas e conservatórias, nomeadamente Sal, Boa Vista, Maio e Brava, para os quais assegura estar à procura de soluções.
*com Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1142 de 18 de Outubro de 2023.