Após uma greve que surpreendeu até mesmo os participantes, os professores de Santo Antão à Brava encerraram as suas actividades, destacando o engajamento, persistência e civismo demonstrados ao longo do movimento.
Ao Expresso das Ilhas, Lígia Herbert, presidente do Sindicato Democrático dos Professores (SINDPROF), felicitou e agradeceu a todos os educadores pela participação.
“Começaria por felicitar e agradecer a todos os professores de Santo Antão à Brava pelo engajamento, pela persistência e pelo civismo demonstrados durante toda a greve, porque nós somos educadores e temos exemplos a dar”, declara.
A representante sindical também se mostrou grata aos sindicatos que se uniram à causa, fortalecendo a frente única dos educadores.
“Estamos juntos nesta luta. A greve foi mais do que o esperado, atingindo quase 99% de adesão, mas com responsabilidade, pois sabemos da nossa responsabilidade para com os alunos”, afirma.
Entretanto, Herbert ressalta que a greve não significa o fim da batalha e convocou os professores a pensarem nas futuras lutas. “A luta não está ganha, mas acreditamos que com a união da classe chegaremos a bom porto”.
A principal demanda dos professores é a equiparação salarial com outros quadros privativos, uma reivindicação fundamentada na disparidade salarial existente.
“É escusado estarem (Governo) a apresentar a tabela remuneratória quando a tabela não funciona”, enfatiza.
Segundo a sindicalista, há falta de negociações com o Governo, que descreve como “irredutível” e insensível às necessidades da classe.
“Estamos a exigir uma justiça social e profissional. Queremos um orçamento retificativo para garantir dignidade à classe e um status adequado”, aponta.
Ainda, a sindicalista lamenta as declarações do Ministro da Educação, que “minimizou” as demandas dos professores, sugerindo que o montante pedido poderia ser utilizado em outras áreas.
“Ficamos estupefactos. Uma tutela não pode ter um discurso infeliz como foi o do Sr. Ministro. Nós ficamos à espera de que ele ficasse do nosso lado, como outros ministérios e outras tutelas. Mas isso não aconteceu”, lastima.
Lígia Herbert apela aos parlamentares e ao Governo para considerarem um orçamento retificativo do Orçamento do Estado de 2024, destacando a necessidade de justiça social e profissional para os educadores.
“A luta é com o Ministério da Educação e não contra os alunos. Procuraremos a melhor forma de debelar essa situação para que os nossos alunos não fiquem prejudicados”, concluiu Herbert.
SIPROFIS
Já o presidente do Sindicato dos Professores da ilha de Santiago (Siprofis), Abraão Borges, salienta a importância do diálogo contínuo, afirmando que “negociação significa cedência mútua”.
Conforme explica, embora o sindicato tenha apresentado propostas que resultaram na greve, houve concessões por parte da classe.
“A proposta inicial que nos levou à greve envolvia o salário de quadro especial e outras reivindicações programadas para resolução em 2023. No entanto, o Governo agora propõe adiar a resolução dessas demandas para 2024. Já cedemos, agora esperamos que o Governo também ceda, especialmente no que diz respeito à questão crucial de enquadrar os professores como determina a lei e, assim, remunerar-nos conforme o quadro especial”, refere.
O presidente do SIPROFIS espera uma contraproposta do Governo relativamente ao salário dos do quadro especial, ressaltando que esse ponto continua em negociação.
“Estamos a aguardar uma resposta definitiva do Governo sobre essa questão vital para nossa classe. Queremos alcançar o salário do quadro especial porque somos especiais. O curso das próximas acções dependerá das negociações e estamos a trabalhar em conjunto com os outros dois sindicatos para ter uma única voz”, realça.
Abraão Borges afirma que os professores de todas as ilhas têm solicitado ao sindicato para seguirem com o congelamento das notas. Contudo, o sindicalista esclarece que essa medida está actualmente em consideração como parte do processo negocial.
“Recebemos cartas e pedidos pessoais de professores de todas as ilhas, expressando o desejo de congelar as notas. No entanto, é importante ressaltar que essa é uma das nossas ferramentas de negociação. A decisão final dependerá da voz unificada dos professores, e não tomaremos nenhuma decisão sem consultar os outros sindicatos. Estamos comprometidos em responder às vozes dos professores, pois os sindicatos estão aqui para representar a classe, não para buscar protagonismo”, garantiu.
SINDEP
Por seu turno, o presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SINDEP), Jorge Cardoso, também se mostrou esperançoso numa retoma das negociações com o Governo.
“Estamos a fazer o balanço para voltar ao terreno, auscultando os professores e, ao mesmo tempo, estamos a aguardar. Porque, segundo as declarações do ministro, seremos chamados para voltarmos a nos encontrar. Caso o Governo absorva a proposta dos sindicatos, no que tem a ver com a melhoria salarial para 2024, com efeito, a partir de 1 de Janeiro, vamos transmitir aos professores e ver se vamos suspender ou se marcamos a próxima luta”, adianta.
Sendo que a principal reivindicação dos professores está relacionada com a equiparação salarial em comparação com outras classes especiais, Cardoso realça que a exigência vai além do aumento salarial em 36% mencionados pelo Governo.
Segundo destaca, os professores almejam uma equiparação que reflicta as responsabilidades e a importância da classe docente”.
Jorge Cardoso frisa ainda que a paralisação, que afectou tanto o ensino básico quanto o secundário, levou a um cenário de não funcionamento em muitas escolas.
A classe docente está agora considerando medidas mais drásticas, incluindo a paralisação ou congelamento de notas.
“Os professores estão a pedir ao sindicato paralisação ou congelamento de notas, mas para que isso aconteça temos de fazer uma luta inteligente. Uma luta prolongada, principalmente no final do ano lectivo, mês de Maio ou Junho. Será uma luta inteligente e prevemos, caso o Governo não ceder nesse aspecto, atendendo à classe docente, novas manifestações nas datas importantes em Cabo Verde”, avisa.
Ministério da Educação aberto ao diálogo, mas desafia demanda salarial de 36%
O Director Nacional da Educação, Adriano Moreno, afirma que o Ministério permanece aberto para resolver questões pendentes com os professores, lembrando os esforços para tratar de temas como classificações, promoções, procurações e subsídios para a redução da carga horária.
No entanto, Moreno reconhece o desafio apresentado pela recente reivindicação salarial de 36%, salientando que tal demanda não se resolverá facilmente.
Assim, ressalta o compromisso do Ministério em discutir, no âmbito da revisão do Estatuto do Pessoal Docente, questões salariais que satisfaçam tanto os sindicatos quanto os professores, garantindo a sustentabilidade orçamental.
“As reivindicações salariais caberão no âmbito da revisão do Estatuto. E a revisão do Estatuto não se faz de uma semana para outra. Há um grupo de trabalho que já foi criado, que já está a trabalhar numa versão zero, digamos assim, e que a seu tempo discutirá com os sindicatos e com outras entidades a forma de, para já, melhorar o Estatuto para permitir que o professor tenha um desenvolvimento na carreira o mais suave possível e que depois revê a tabela salarial, discutindo as várias propostas que os sindicatos também podem ter”, assegura.
Apesar da abertura para o diálogo, o Diretor Nacional da Educação enfatizou a necessidade de ser razoável e não intransigente.
Moreno afirma que é prioridade do Ministério resolver as pendências da classe para motivar os professores e mencionou a colaboração com sindicatos para tratar das questões prioritárias.
Aliás, mostrou-se confiante na eliminação das pendências relacionadas com o desenvolvimento da carreira até 2024, mas sublinhou a necessidade de dar tempo ao Ministério diante da demanda salarial actual, afirmando que não seria viável avançar com os 36% nas vésperas ou durante a discussão do Orçamento do Estado.
“Os professores estão a exigir, nós entendemos essa reivindicação, mas tem de ser dado tempo ao Ministério, que tudo tem feito desde 2016 para resolver de vez as pendências com os professores”, pontua.
Opiniões divididas sobre reivindicações
A greve realizada pelos professores tem gerado debates na sociedade, dividindo opiniões sobre os motivos, métodos e consequências. As manifestações recentes reflectem a insatisfação da classe docente relativamente aos salários e condições de trabalho. Betinho, Zé e Viviana expressam diferentes perspectivas sobre o assunto.
Betinho, um defensor da paralisação, argumenta que os professores estão no seu direito de greve devido à crescente inflação, que reduziu efectivamente os seus salários.
“Se resolverem paralisar tudo e congelar as notas têm toda a razão”, afirma. Este cidadão propõe uma redistribuição de recursos, sugerindo que o Governo reduza os salários dos governantes e realoque esses recursos para a educação, considerando-a como “a base fundamental” do país, ao lado da saúde.
Já Zé, por outro lado, concorda com as reivindicações salariais dos professores, indicando que o aumento poderia ser substancial, na ordem dos 36% ou mais. No entanto, discorda veementemente da proposta de congelamento das notas dos estudantes.
“Devem tentar chegar a um acordo com o Governo para que os alunos não sejam prejudicados», defende.
Por outro lado, Viviana, uma voz discordante, critica a greve, ressaltando as consequências para os alunos.
“Os alunos perderam a matéria, e isto criará problemas nas notas”, lamenta. Viviana questiona a prioridade dos professores relativamente a outros sectores da sociedade, mencionando a sua própria experiência de trabalho.
“Não é justo”, diz, comparando os salários e as condições de trabalho dos professores com os de outros profissionais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1148 de 29 de Novembro de 2023.