“Um país como o nosso precisa absolutamente de mais acesso ao financiamento climático”

PorAndré Amaral,9 dez 2023 9:15

Primeiro-ministro na COP28
Primeiro-ministro na COP28

Primeiro-ministro esteve no Dubai onde participou na conferência do clima da ONU, COP28, que decorre desde 30 de Novembro e até dia 12. Em entrevista ao Expresso das Ilhas, Ulisses Correia e Silva aborda os impactos que as alterações climáticas têm nos Pequenos Estados Insulares (SIDS, da sigla inglesa) e defende que agricultura, alimentação e alterações climáticas são temas que estão intimamente ligados. “A realidade está a mostrar que os sistemas agro-alimentares são muito vulneráveis às alterações climáticas”, aponta, garantindo que Cabo Verde se comprometeu a “acelerar e reforçar a integração da agricultura e dos sistemas alimentares na acção climática” e vice-versa.

Que balanço faz da participação de Cabo Verde na COP28 que decorre no Dubai?

A COP28 ainda não terminou, qualquer balanço neste momento é preliminar. Até ao presente está a correr muito bem. Espero que as propostas avançadas para negociações e decisões sejam alvo das melhores soluções e consensos.

Cabo Verde assinou a declaração conjunta relativa à “Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Acção Climática”. O que é que isso significa para o país?

Cabo Verde, de acordo com as suas próprias circunstâncias nacionais, comprometeu-se a acelerar e reforçar a integração da agricultura e dos sistemas alimentares na acção climática e, simultaneamente, a integrar a acção climática nas agendas políticas e acções relacionadas com a agricultura e os sistemas alimentares.

Qual a importância da introdução da agricultura e alimentação nas negociações sobre o clima?

A importância da inclusão desta temática na agenda da COP28 é elevada. A realidade está a mostrar que os sistemas agro-alimentares são muito vulneráveis às alterações climáticas. Daí a necessidade da sua adaptação e reforço da sua resiliência face aos efeitos dessas alterações como secas, furacões, inundações, ondas de calor, tempestades de areia, entre outros, que põem em causa a produção e provocam crises alimentares. É preciso debater a cooperação e o acesso ao financiamento global destinado a investimentos estruturais em medidas de adaptação e resiliência, à inovação tecnológica e às reformas no âmbito da governança, envolvendo todos actores. As COPs constituem uma boa plataforma para este efeito. Mas é preciso entender que Agricultura desempenha também um papel chave na implementação de muitas soluções inerentes à acção climática.

Na COP28 defendeu a efectivação urgente do mecanismo de perdas e danos para os SIDS. Que reacções obteve?

Existem alinhamentos neste sentido, até porque houve abertura e anúncios de países doadores em disponibilizar recursos para o mecanismo “Perdas e Danos”. A título de exemplo: UAE - 100M USD; UE - 225M€; UK - 60M£; USA - 17.5MUSD; JP - 10MUSD.

Que impactos é que este mecanismo teria na economia dos SIDS, entre os quais se inclui Cabo Verde?

O mecanismo deve impactar muito positivamente o desenvolvimento dos SIDS, não só em termos económicos, mas também em termos sociais e ambientais. Deve ajudar os países a reforçar sobremaneira a sua resiliência face aos eventos extremos que provocam as tais perdas e danos. Nos SIDS, estes eventos, quando acontecem, anulam anos de esforços de desenvolvimento, pelo que [é muito importante] a existência de um mecanismo global e de um fundo dedicado a perdas e danos, que se quer com critérios e procedimentos de gestão adequados e acessíveis para os países. Os pequenos estados insulares são mais vulneráveis e mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas, quando todos juntos não contribuem em mais que 0,2 % para o aquecimento global. Têm fraca capacidade de resposta, daí que na operacionalização do mecanismo, os SIDS mereçam uma atenção especial. É o que defendemos, é também o que defende a aliança dos pequenos estados insulares, grupo a que pertencemos nas negociações.

“A expectativa é que não seja mais uma COP”. Fez esta declaração no dia da abertura do encontro. Que conclusão tira do encontro? Foi mais uma COP ou há maior comprometimento dos países relativamente ao cumprimento dos objectivos climáticos?

Todas as COPs representam algum progresso na implementação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas. Os países, incluindo Cabo Verde, como é óbvio, defendem a aceleração da acção climática, considerando o ritmo das mudanças climáticas e seus efeitos. Trata-se de uma problemática global que só será equacionada globalmente, claro está, mediante acção conjunta. Há que entender, porém que a construção dos consensos e a mobilização de meios para a acção climática precisa ser negociada e há que entender que os países têm situações e interesses diferentes, pelo que o processo de negociação e assunção de compromissos leva algum tempo.

Que papel é que este mecanismo terá no alcançar, por Cabo Verde, dos objectivos e metas da acção climática?

Cabo Verde já tem os seus principais instrumentos elaborados e em implementação, é claro que o nível de implementação depende não só do acesso ao financiamento, mas também da cooperação que o país pode e deve desenvolver com os seus parceiros e do quadro de governança que adoptar. Quanto mais eficaz for a cooperação e mais ajustado o quadro de governança, maior será a eficiência na mobilização dos recursos e na sua aplicação na acção climática e desenvolvimento sustentável, de resto bem retratadas no nosso NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) e NAP (Plano Nacional de Adaptação). Por isso, estamos a trabalhar muito fortemente na melhor definição e criação deste quadro de Governança que incluirá um secretariado nacional de acção climática, um comité interministerial sobre a problemática liderada pelo Primeiro-ministro, a aprovação da lei do clima, a estratégia climática de longo prazo, o fundo climático e ambiental, a fiscalidade verde, o portal do clima, o novo (4.º) relatório do país sobre inventário de gases de efeito de estufa, os marcadores, a preparação para a elaboração do relatório bianual de transparência climática, o documento de índice de vulnerabilidade de Cabo Verde, incluindo o mapa de vulnerabilidade e riscos climáticos, o observatório de desastres climáticos, entre outros.

Foi também assinado um projecto de reforço da capacidade de produção de energia fotovoltaica para produção e mobilização de água no país no valor de 14 milhões de euros. No que se vai traduzir e de que forma vai diminuir a dependência de Cabo Verde relativamente aos combustíveis fósseis?

Este é um dos sentidos de resiliência. Antes de mais, quero dizer que associado a estes investimentos, estamos a falar de um mecanismo inovador de financiamento climático: o debt swap, ou seja, o pagamento da dívida pública é convertido em financiamento climático e ambiental. É o primeiro do género acordado por Cabo Verde e Portugal é o nosso parceiro pioneiro nesta matéria.

Quanto ao primeiro projecto de investimento denominado “Projecto de Energia Renovável em Cabo Verde” de 14 milhões de euros, cerca de 2/3 deste valor vão ser investidos no alargamento da capacidade de produção do parque solar da Praia que injecta energia na rede e 1/3 vai ser investido em parques solares de menor dimensão associados à mobilização e distribuição da água, tanto para o abastecimento público, como para a rega. Importa dizer que estes investimentos permitirão produzir até 18GWh/ano de energia, reduzir a importação de cerca de 4.000 toneladas de combustível (fuelóleo), reduzir as emissões de 63.000 toneladas de gases de efeito de estufa, produzir muitos empregos associados e contribuir para um país mais resiliente. O projecto será executado num período de 2 anos, após o qual serão aprovados outros projectos dentro do pacote global de 142 milhões de euros.

Defendeu, na antevisão da COP28, o cumprimento efectivo de limitar o aquecimento da temperatura global a 1,5 graus Celsius. Como pode Cabo Verde ajudar a alcançar este objectivo?

Cumprindo com as suas obrigações, no sentido de reduzir em 18% as emissões de gases de efeito de estufa até 2030, mas atingindo a neutralidade carbónica em 2050. As medidas estão plasmadas no nosso NDC e NAP. Um destaque deve ser dado às medidas inerentes à nossa transição energética, que inclui metas concretas de aumento da taxa de penetração das energias renováveis, eficiência energética, redução das perdas de electricidade, mobilidade eléctrica, entre outros.

“Os países que mais poluem, que mais produzem os efeitos sobre as alterações climáticas, são aqueles que devem estar na primeira linha de fazer com que haja uma reversão da situação que o mundo vive. É um compromisso e é algo que impacta todos os países do mundo”. A citação é sua e o financiamento climático foi outra das ideias defendidas durante a sua participação no evento. Sente que o mundo está sensível e comprometido com os desafios a que os SIDS estão sujeitos?

Creio que sim, um país como o nosso precisa absolutamente de mais acesso ao financiamento climático, considerando o volume de investimentos necessários a fazer. Para ter uma ideia, elaboramos já um documento que sintetiza as nossas necessidades com 27 projectos prioritários e impactantes em matéria climática no valor de mais 308 milhões de euros para 6 anos. Os recursos internos são insuficientes, pelo que se torna imprescindível que haja oportunidades de financiamento global e que reforcemos a nossa capacidade de aceder a essas oportunidades.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1149 de 6 de Dezembro de 2023. 

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Autoria:André Amaral,9 dez 2023 9:15

Editado porAntónio Monteiro  em  3 set 2024 23:24

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