Com as crises “o governo construiu o maior Estado Social alguma vez visto em Cabo Verde”

PorAndre Amaral,28 jul 2022 13:53

Luís Carlos Silva, vice-presidente do grupo parlamentar do MpD
Luís Carlos Silva, vice-presidente do grupo parlamentar do MpD

Vice-presidente do grupo parlamentar do MpD reconhece que Cabo Verde é “um país em crise”, mas garante que o governo está a fazer de tudo para ajudar o país a superar o momento negativo e que as crises contribuíram para criar o “o maior Estado Social alguma vez visto em Cabo Verde”. Entre críticas ao PAICV, Luís Carlos Silva aponta o trabalho que está a ser feito para melhorar sectores como os transportes aéreos e marítimos que considera essenciais para a economia nacional.

Qual é o Estado da Nação? Que país temos?

É o estado de um país em crise, em emergência económica e social. É o estado de um país que tem de fazer um esforço enorme para proteger as pessoas, as famílias, as empresas do impacto destas sucessivas crises. Tivemos inicialmente a COVID e o governo desenhou uma série de medidas para fazer face às consequências da pandemia e, nesse entretanto, o governo construiu o maior Estado Social alguma vez visto em Cabo Verde. Na sequência disso tivemos a crise logística e de energia que fizeram os preços disparar. Em cima disso a guerra na Ucrânia e as suas consequências particularmente a nível dos preços dos produtos alimentares básicos e os preços dos combustíveis que subiram ainda mais. O governo, aqui, volta a desenhar novas medidas para mitigar os impactos dessa inflação. Recentemente saiu a público a notícia de que a factura energética de Cabo Verde, nos primeiros três meses, aumentou 70% e a população não sentiu esses 70%, sentiu parte. O governo, em cima do maior Estado Social alguma vez visto, volta a fazer um esforço e é um esforço que está contabilizado em 8 milhões de contos para conseguir absorver parte do impacto das consequências da guerra garantindo que os preços estejam a um nível que as pessoas possam abordar, mas também garantindo o seu acesso físico [aos produtos], porque aqui o maior risco seria não ter em Cabo Verde os bens alimentares de primeira necessidade para o consumo. Nos combustíveis adoptou-se, inicialmente, uma estratégia de suspensão do mecanismo automático de definição de preços e o governo assumiu que os preços não podiam aumentar para além de 5%, absorvendo o que restava. Em Abril o aumento verificado foi de 2,6% quando, sem as medidas, seria de 21%, em Maio 4,1% contra 20% e em Junho 3,2% contra 18%. O governo fez uma absorção de uma média de 15% do preço e passou para as pessoas 5%. Mas neste momento a boa notícia é que nós estamos a presenciar uma redução mais sustentada do preço do petróleo que cumpriu, há dias, 28 dias de descida continuada tendo chegado abaixo dos 100 dólares embora agora já esteja a ser negociado acima desse valor. Outra boa notícia é o acordo assinado entre a Rússia e a Ucrânia onde se desbloqueiam os portos deste país para a saída dos cereais. São 25 milhões de toneladas, um total equivalente ao consumo anual dos países em desenvolvimento. A expectativa é que isso venha a impactar o preço e devolver às economias alguma componente de normalidade relativamente à disponibilidade que afecta o preço. Dentro deste turbilhão de coisas temos um governo que, para além de mitigar, teve de fazer a recuperação. As crises destruíram e foi preciso reconstruir os transportes aéreos e marítimos. O governo está a reconstruir estes sectores para o pós-pandemia. Mas o governo tem o país em transições para que possamos estar melhor preparados e adaptados ao novo normal e conseguir que o nosso processo de desenvolvimento seja mais acelerado.

O PAICV, numa conferência de imprensa na passada sexta-feira, disse que o país está pior. Como é que vê estas declarações?

O que eu sinto é que da parte deles não vêem, ou fingem não ver, o contexto real. Não só em Cabo Verde como no mundo. É um contexto de crise. O país está em crise e um país que está em crise não pode estar bem. Agora um país que está em crise é um país que está a fazer um esforço titânico para ultrapassar ou, pelo menos, suportar a crise.

Sente que a situação económica do país está a melhorar?

Sinto que à medida que nos distanciamos da pandemia os resultados começam a surgir. Nós temos a economia a reagir. Os dados do INE deste último trimestre mostram que a economia está a reagir muito bem. Se partimos de uma queda do PIB de 32% no segundo trimestre de 2020 vemos que já estamos a recuperar e temos, no primeiro trimestre de 2022, a economia a crescer 16,8% com especial enfase no consumo privado que está a aumentar 27,5% e as exportações que estão a aumentar 150%. Se olharmos para os sectores que mais contribuem temos a indústria transformadora a crescer 17,4% e a contribuir com 2,1% para o PIB. O comércio a crescer 36% e a contribuir com 3% do PIB e os alojamentos e restauração a crescer 1424% e a contribuir para o PIB com 6,2%. São números de uma economia que está a recuperar e isto tem a ver, em grande medida, com a retoma do turismo, do comércio. Claro que estes dados poderiam ser muito melhores se não tivéssemos que suportar as consequências da guerra na Ucrânia. Mas pensamos que a guerra não deverá durar muito mais tempo. O acordo a que se chegou entre os países para se libertarem os portos da Ucrânia permitindo a exportação dos cereais é um bom sinal embora não se possa projectar, ainda, o final da guerra. Neste caso o objectivo do governo é repor a economia nos níveis que tínhamos em 2019 e começar o processo de construção da economia que resulta de uma visão que foi sufragada em 2016 e renovada em 2022.

Quanto ao sector dos transportes: a TACV está em constantes crises, e se na ligação aérea interilhas há sinais de alguma melhoria, a verdade é que nas ligações aéreas o país continua dependente de apenas uma companhia.

O sector dos transportes foi completamente destruído pela COVID. E há aqui um processo de reconstrução e há uma determinação. Eu queria sublinhar um aspecto: a Cabo Verde Airlines, na parte internacional, é um activo do país para não estarmos dependentes de países terceiros ou de operadores terceiros para termos a nossa ligação, para regularmos também a questão dos preços, mas também porque a Cabo Verde Airlines é uma peça chave para a estratégia do hub e de fazer de Cabo Verde um centro de distribuição de tráfego aéreo. Partindo desse pressuposto a determinação é que é preciso salvar-se a Cabo Verde Airlines para o futuro. Pode estar a custar muito hoje, mas num futuro próximo, com a normalização das coisas pode ser uma peça chave para termos um hub no Sal. A COVID congelou o sector durante mais de um ano e uma companhia que não tinha facturação teve que suportar toda a sua estrutura de custos que é uma estrutura muito relevante. E aqui é que entra o governo, como entraram em quase todo o mundo. O problema é que aqui o governo não tem a capacidade financeira que outros têm para salvar as suas companhias e a Cabo Verde Airlines vai sendo salva, mas não há uma capacidade de injecção de capital imediata. Então vai-se injectando ao longo do tempo. Agora, para salvar a companhia o governo teve de fazer alguns processos: a ruptura com o parceiro estratégico, depois a implementação de um novo plano de negócios, mas com muitas fragilidades por causa da fragilidade financeira do país. O país, neste momento, gere prioridades e gere escassez de recursos e vai aplicando em função de uma hierarquia de critérios muito séria, porque nós não podemos estar a colocar dinheiro em partes irrelevantes do processo. Temos de colocar dinheiro onde é relevante e há muitos sectores relevantes. O governo vai lutando, vai tentando salvar implementado um plano de negócios que eu diria que não está a correr mal. Segundo as contas que nós temos existem sinais positivos. Agora é preciso mobilizar um segundo avião para fortalecer a capacidade de transporte da companhia. Ainda não foi possível por fragilidades financeiras do país. Quanto ao transporte doméstico, é um sector que acho que já está a ter alguma estabilidade e a previsão é de alguma aceleração num curto espaço de tempo. Chegou um novo avião para fazer as ligações regionais e que está em processo de certificação. Sei que há alguns problemas com esse processo, mas isso a companhia tem de resolver com a AAC que é uma instituição que tem autonomia.

Como é que o MpD vê esta mais recente polémica que levou à perda do certificado e a que a empresa não pudesse voar para a Europa?

A perda do certificado tem duas dimensões. A Cabo Verde Airlines se tivesse capacidade financeira não estaria nesta situação. A Cabo Verde Airlines tinha necessidade de cumprir com alguns requisitos para ter acesso a essa certificação. Eram precisas informações adicionais que a empresa tinha que ir buscar em outros fornecedores e outros parceiros, mas como a Cabo Verde Airlines tem dívidas com esses parceiros eles não cederam essa informação. Exigiram que se pagassem as dívidas, como elas não foram pagas A Cabo Verde Airlines não teve acesso à informação que era necessária para ser certificada. Consequência das fragilidades financeiras da empresa ou do país. Agora é preciso esclarecer a gestão desse processo, porque provavelmente, se tivessem comunicado a dimensão da consequência do não cumprimento deste requisito, podiam ter-se tomado decisões diferentes.

Quanto aos transportes marítimos, o PCA da Cabo Verde Interilhas veio dizer há alguns dias que com as tarifas actuais é impossível reforçar a frota...

Sinceramente não percebi, porque existe o quadro de subsidiação. O governo estabelece o preço e depois o diferencial, caso haja perdas, o governo assume, com o devido escrutínio das contas, essa diferença. Aqui o que estaria em questão era a dimensão do diferencial que o governo vai assumir. Agora, não percebo o porquê desta comunicação. Nós todos temos que compreender que o país está em crise e os sectores estão em crise, que o preço dos combustíveis aumentou, embora o governo tenha absorvido grande parte deste impacto, e há uma parte que foi transitada para o cliente e neste caso para a Cabo Verde Interilhas que também estará a enfrentar dificuldades. Com as avarias que aconteceram tivemos aqui um momento de algum constrangimento no sector, mas eu gosto de colocar a Cabo Verde Interilhas como um daqueles processos que estão a correr razoavelmente bem. Porque se compararmos o sector hoje com o que tínhamos há cinco anos atrás, o sector mudou muito e é só acompanharmos os números da quantidade de viagens, de passageiros, de carga que estão a ser transportados para vermos que há uma mudança significativa.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1078 de 27 de Julho de 2022. 

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Autoria:Andre Amaral,28 jul 2022 13:53

Editado porAndre Amaral  em  17 abr 2023 23:28

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